Todas as histórias reais de Macau, e mais algumas fantasiadas pela imaginação do professor Serra, entraram na narrativa de Caminhos Longos. A Irene Matos que vivia com os pais num bairro para refugiados de Xangai junto das Portas do Cerco apaixonava-se pelo Ramos, da Polícia Judiciária, e viviam um romance idílico.A Lola Young fazia o papel de uma mulher de cabaret no dancing do Hotel Kuok Chai. Filmámos as cenas do seu relacionamento com Wang Ho, do qual se tornara amante, nos locais reais.Enquanto rodávamos o filme eu editava uns "linguados", folhas de formato A4 cortadas ao meio, com uma capa de cartolina com o símbolo da Eurásia Filmes, e pequenas histórias sobre o filme, as rodagens, as dificuldades, as intervenções, etc. Três ou quatro folhas de papel com uma capa de cartolina agrafadas e que eram distribuídas todas as semanas por jornais de Macau e de Portugal, além de estações de rádio, distribuidores de cinema, agências noticiosas, e quantos mais. Para alguns jornais também mandávamos algumas fotos.A verdade é que o filme ia a meio e já tínhamos recebido cartas de distribuidores interessados em fazer a distribuição do filme.Nesta altura o Silveira Machado comunicou-nos que o Dr. Pedro Lobo havia retirado o seu apoio financeiro para a produção do filme, o que na altura não compreendi. Mais tarde vim a saber que o Sr. Ho Hin, seu sócio, não via com bons olhos essa participação porque constituíam uma concorrência e uma ameaça para os seus interesses na indústria cinematográfica de Hong Kong.Assim vi-me a meio do filme privado de uma peça essencial, porque não tínhamos dinheiro para pagar o aluguer de um gravador de som síncrono. O gravador de som síncrono é um gravador magnético ligado à máquina de filmar e que assegura que a velocidade de gravação do som seja igual à velocidade de gravação da imagem, permitindo assim o seu perfeito sincronismo.
Os protagonistas do filme no Jardim Vasco da Gama
Com a colaboração do operador de câmara Albert Young e a boa vontade dos artistas de Hong Kong, continuamos as filmagens ate ao fim. Em vez de um gravador síncrono usei um gravador vulgar de fita magnética para captar o som. Depois alterei o sistema de arrasto deste gravador, rampeando a roda de balanço e arranjando uma guia que subia ou descia por meio de um parafuso, fazendo com que a correia de transmissão fizesse o sistema de arrasto andar mais depressa ou mais de vagar. Em Hong Kong então cronometrei cada plano de imagem fazendo com que a reprodução do som correspondesse ao mesmo tempo da imagem e assim fosse passado a foto-sonoro. Desta forma consegui fazer uma primeira cópia síncrona de exibição mais ou menos aceitável e que trouxe para a estreia em Macau. Esta teve lugar no Cinema Victoria que ficava numa transversal à Almeida Ribeiro, logo a seguir ao Hotel Central, e foi um sucesso.Uma das suas caraterísticas pioneiras era que quando os artistas portugueses falavam, havia legendas em cantonense e quando os artistas chineses falavam, havia legendas em português. Assim todos podiam compreender o filme. Havia feito um contrato com o cinema segundo o qual quando a casa estivesse mais de meia receberíamos sessenta por cento da receita. Se estivesse menos de meia, receberíamos apenas quarenta por cento. Recebemos sempre os sessenta por cento. Mas, ao fim de uma semana de casas cheias o gerente do cinema mandou-me chamar e disse-me - Amanhã tenho de tirar o filme do cartaz para estrear um filme americano. E eu perguntei - Mas porquê? E o gerente respondeu - O distribuidor diz-me que se não estrear um filme dele amanhã nunca mais me dá filme nenhum para exibição.E assim foi.Os CAMINHOS LONGOS saíram do cartaz e eu preparei-me para levar todo o material para Portugal, e ir a Cinelândia para refazer a montagem, o sincronismo e o som por forma a tirar uma nova cópia corrigida que nos permitisse estrear o filme em Portugal com sucesso.Mas, sem meu conhecimento, o Professor Serra tivera uma reunião com os outros sócios aos quais dissera. - Afinal isto do filme é um grande negócio. Vejam só quanto dinheiro ele fez aqui em Macau. O que o Ferreira quer agora é pirar-se com o filme para se governar. Ora eu vou agora de licença graciosa, o Estado é que paga a minha passagem, e eu levo o filme e entrego ao distribuidor.Quando eu soube disto fiquei extremamente revoltado e cortei relações por completo com o Silveira Machado e a Eurásia Filmes. Nunca mais quis saber de nada em relação ao filme que acho que terá sido levado para Lisboa, nunca foi exibido e não se sabe onde pára porque inclusivemente o distribuidor que o recebeu já não existe.
Texto da autoria de Eurico Ferreira, o realizador de Caminhos Longos
"Em 1955, a produtora Euro - Ásia Filmes, uma empresa mista sino-portuguesa, produziu o filme "Caminhos Longos", a primeira longa-metragem produzida em Macau. Com o apoio do governador e de José Pedro Lobo, José Silveira Machado foi o produtor e o argumentista do filme e Eurico Ferreira assegurou a sua realização.
De enredo romântico, marcado pelos acontecimentos da China moderna, tais como a guerra e a chegada a Macau, cidade refugio, o argumento falava-nos do amor de dois jovens num contexto de paz podre, a paz possível. O filme insinuava a fuga, a miséria, a prostituição, o contrabando, construindo uma imagem negativa, embora exótica, da cidade de Macau. Chung Ching e Wong Hou, actores chineses de grande prestígio, desempenharam os principais papéis, sendo o filme falado em português, inglês e chinês.
Após uma semana em exibição no teatro Vitória, em Macau, o filme foi retirado de circulação. O produtor do filme, Silveira Machado, garantiu-nos que a obra tinha graves problemas de som e que foi esse o motivo pelo qual se decidiu enviar a película para Hong Kong para "uns acertos finais". Sabe-se que a cópia enviada para Portugal (nomeadamente para a Lusomundo) nunca chegou a ser exibida e que a que foi enviada para Hong Kong deu origem, segundo se conta, a uma nova versão do filme, incluindo apenas as passagens faladas em chinês. O certo é que o filme perdeu-se. Luís Pina insinua, num texto publicado pela Cinemateca Portuguesa por ocasião da realização do Ciclo "Macau em Busca do Retrato Perdido", que a película tenha sido simplesmente "censurada", dado a imagem negativa que transmitia da cidade de Macau, acrescentando que a cinemateca tem procurado em vão o seu paradeiro."
Texto de Margarida Saraiva
Olha... o meu texto... Curioso... Margarida Saraiva
ResponderEliminarÉ verdade Margarida. Fica aqui um obrigado a posteriori. Se tiver mais algum sobre Macau, fica o convite para participar macauantigo@gmail.com. JB
ResponderEliminarTenho muitos textos sobre Macau... Hoje mesmo vou enviar um texto que escrevi e foi hoje publicado no Hoje Macau.
ResponderEliminarObrigada pelo convite.