Testemunho de um militar português - António Cambeta - que cumpriu o serviço militar em Macau para onde partiu em Agosto de 1964... deixando para trás o Alentejo que o viu nascer, passou por Angola e Moçambique numa viagem marítima em tempo de guerra.
(...) Eram duas companhias, um pelotão da Polícia Militar e mais alguns militares, formados no cais (Alcântara), tendo sido proferido um discurso por um membro do governo, e sido benzidos pelo Cardeal de Lisboa. Em formatura lá subimos o portaló e fomos depositar as mochilhas e bagagens em nosso camarote. No cais muitos familiares ali compareceram para se despedir. Assim que o navio largou do cais, subi ao mastro principal, e lá do alto fazia os últimos adeus.
Os Sargentos ficaram alojados em camarotes de segunda classe, os Oficiais em camarotes de primeira classe, enquando as praças, seguiam nos porões, onde improvisadamente foram montadas duas casernas.
O camarote que me calhou e que era repartido por quatros Furrieis, ficada junto a um refeitório, e foi-nos dado a escolher a ir ali tomar as refeições ou ir-mos tomalas no salão principal. Preferimos o que estava junto ao nosso camarote, pois lá poderiamos estar mais à vontade e sem necessidade de ir-mos com o uniforme de gala.
Durante a viagem a instrução continuou a ser ministrada, porém, com muitas baixas devido ao enjoo. Eu também enjoei, mas não era um enjoo provocado pelo balanço do navio, mas sim do forte cheiro do gasóleo. A viagem até Luanda decorreu optimamente.
O navio Índia tinha sido fretado pelo exército e transportava imensa carga e material bélico, que se destinava às tropas em Angola e Moçambique. Quando navegavamos já na costa de Angola cruzámo-nos com o navio Príncipe Perfeito, e volvidos dois dias, atracavamos nós ao cais de Luanda, treze dias depois de termos deixado Lisboa.
(...) Nessa mesma tarde o India deixava o cais de Luanda e rumava para Lourenço Marques.
O mar começou a ficar fortemente escrespado à medida que iamos dobrando o Cabo da Boa Esperança, que ao longe se avista, e nesse momento os Lusíadas me vieram à mente, fazendo-me recordar o Adamastor e os perigos por que passaram os marinheiros portuguses, para o passar. Dobrado o Cabo, deixamos para trás a história e o oceano Atlântico e entravamos numa outra história, agora já no oceano Índico.
Volvidos uns dias atracava o Índia, ao movimentado porto de Lourenço Marques, cidade esta onde tinha familiares e sabiam da minha chegada nesse dia. (...)No dia seguinte deixamos Lourenço Marques rumando até à cidade da Beira, onde atracamos no seu mui concorrido porto, nesta cidade tinha um tio, que sabendo da minha chegada me foi esperar e com ele fui almoçar nesse primeiro dia, pois ficámos na cidade da Beira quatro dias. O meu teve a amabilidade de me mostrar a cidade, mas por deveres profissionais, depois se ausentou para Lourenço Marques, tendo eu e alguns colegas passeado pela cidade, e pela primeira vez na minha vida exprimentei a comida chinesa, na Beira havia muito comércio chinês e indiano e restaurantes era o que não faltavam. (...)
Gostei da estadia naquela bem movimentada e bonita cidade. Dali seguimos para Nacala, lá bem no norte de Moçambique, a entrada era composta por duas imensas baías lindissimas, ainda não tinha sido construído o porto, e o navio India ficou atracado a uma muralha. Nacala era pequenina povoação constituída apenas por três ruelas, mas possuia dois cafés e um diminuto posto dos correios.
Em Nacala ficámos dois dias. (...)
Agora com a navio sem carga quase alguma, o balancear era mais forte, o mar por vezes estava bravo e as ondas eram enormes causando mais enjoos entre o pessoal.
Quando navegavamos junto à costa do Vietname ficámos debaixo de uma tempestade tropical, as ondas eram grandes grandes que passavam pior cima do navio, tivemos que rumar para trás, mas mesmo assim não impedia que o pânico não se expalha-se entre o pessoal.
Após alguns dias debaixo dessa tormenta, por fim alcançamos o seguro porto de Singapura, onde foi efectuado reabastecimento ao navio, ali tendo passado uma noite. Na manhã do dia seguinte rumámos para Hong-Kong onde chegamos na tarde do dia 22 de Setembro, onde atracámos num dos cais de Kowloon, onde os Sargentos e Oficiais poderam desembarcar. Eu e mais colegas saímos e fomos dar uma volta pelas redondezas. Ouvia-se um barulho estranho vindo dos prédios, que nada tinham de vistosos, janelas gradeadas e com chaparias por cima, chaparias essas cheias de todo o tipo de porcarias. Havia muitos bares à porta dos quais se podiam ver imensas mulheres de variadas idades, eram as prostitutas de serviço!... Fiquei com uma péssima impressão de Hong-Kong, porém tinha estado somente em Kwoloon.
Do navio Índia no mudamos para o Ferry Takshing, (ver imagem) que nos levaria até Macau.
A viagem durou quase quatro horas. Entrando no porto exterior de Macau no ar pairava um cheiro a peixe salgado que nos entrou pelas narinas dentro. O ar era pesado e a imensa humidade fazia-se sentir. Estavamos em Macau local onde iríamos permaneceder por dois anos. Porém, comigo e como diz a lenda "Quem bebe a água da fonte do Lilau, por Macau permanecerá" e é bem verdade, já lá vão quase 45 anos depois da chegada nessa noite de 22 de Setembro de 1964.O Ferry Takshing atracou à ponte do Porto Interior e ali se efectou o nosso desembarque. Mas para mim a viagem ainda não tinha terminado. Após a maioria do pessoal seguir para os seus quartéis em Macau: Ilha Verde onde ficou sedeada a companhia a que eu pertencia, para Mong-Há a outra companhia, para a Flora os Polícias Militares e os restantes para o Quartel General.. Segui então, com mais soldados para a ponte 8 do Porto Interior, onde nos aguardava uma Lancha de Desembarque dos Serviços de Marinha que nos levaria até à Ilha da Taipa. Era ali que iria passar a desempenhar a posição de Comandante Militar da Ilha da Taipa.
Os Sargentos ficaram alojados em camarotes de segunda classe, os Oficiais em camarotes de primeira classe, enquando as praças, seguiam nos porões, onde improvisadamente foram montadas duas casernas.
O camarote que me calhou e que era repartido por quatros Furrieis, ficada junto a um refeitório, e foi-nos dado a escolher a ir ali tomar as refeições ou ir-mos tomalas no salão principal. Preferimos o que estava junto ao nosso camarote, pois lá poderiamos estar mais à vontade e sem necessidade de ir-mos com o uniforme de gala.
Durante a viagem a instrução continuou a ser ministrada, porém, com muitas baixas devido ao enjoo. Eu também enjoei, mas não era um enjoo provocado pelo balanço do navio, mas sim do forte cheiro do gasóleo. A viagem até Luanda decorreu optimamente.
O navio Índia tinha sido fretado pelo exército e transportava imensa carga e material bélico, que se destinava às tropas em Angola e Moçambique. Quando navegavamos já na costa de Angola cruzámo-nos com o navio Príncipe Perfeito, e volvidos dois dias, atracavamos nós ao cais de Luanda, treze dias depois de termos deixado Lisboa.
(...) Nessa mesma tarde o India deixava o cais de Luanda e rumava para Lourenço Marques.
O mar começou a ficar fortemente escrespado à medida que iamos dobrando o Cabo da Boa Esperança, que ao longe se avista, e nesse momento os Lusíadas me vieram à mente, fazendo-me recordar o Adamastor e os perigos por que passaram os marinheiros portuguses, para o passar. Dobrado o Cabo, deixamos para trás a história e o oceano Atlântico e entravamos numa outra história, agora já no oceano Índico.
Volvidos uns dias atracava o Índia, ao movimentado porto de Lourenço Marques, cidade esta onde tinha familiares e sabiam da minha chegada nesse dia. (...)No dia seguinte deixamos Lourenço Marques rumando até à cidade da Beira, onde atracamos no seu mui concorrido porto, nesta cidade tinha um tio, que sabendo da minha chegada me foi esperar e com ele fui almoçar nesse primeiro dia, pois ficámos na cidade da Beira quatro dias. O meu teve a amabilidade de me mostrar a cidade, mas por deveres profissionais, depois se ausentou para Lourenço Marques, tendo eu e alguns colegas passeado pela cidade, e pela primeira vez na minha vida exprimentei a comida chinesa, na Beira havia muito comércio chinês e indiano e restaurantes era o que não faltavam. (...)
Gostei da estadia naquela bem movimentada e bonita cidade. Dali seguimos para Nacala, lá bem no norte de Moçambique, a entrada era composta por duas imensas baías lindissimas, ainda não tinha sido construído o porto, e o navio India ficou atracado a uma muralha. Nacala era pequenina povoação constituída apenas por três ruelas, mas possuia dois cafés e um diminuto posto dos correios.
Em Nacala ficámos dois dias. (...)
Agora com a navio sem carga quase alguma, o balancear era mais forte, o mar por vezes estava bravo e as ondas eram enormes causando mais enjoos entre o pessoal.
Quando navegavamos junto à costa do Vietname ficámos debaixo de uma tempestade tropical, as ondas eram grandes grandes que passavam pior cima do navio, tivemos que rumar para trás, mas mesmo assim não impedia que o pânico não se expalha-se entre o pessoal.
Após alguns dias debaixo dessa tormenta, por fim alcançamos o seguro porto de Singapura, onde foi efectuado reabastecimento ao navio, ali tendo passado uma noite. Na manhã do dia seguinte rumámos para Hong-Kong onde chegamos na tarde do dia 22 de Setembro, onde atracámos num dos cais de Kowloon, onde os Sargentos e Oficiais poderam desembarcar. Eu e mais colegas saímos e fomos dar uma volta pelas redondezas. Ouvia-se um barulho estranho vindo dos prédios, que nada tinham de vistosos, janelas gradeadas e com chaparias por cima, chaparias essas cheias de todo o tipo de porcarias. Havia muitos bares à porta dos quais se podiam ver imensas mulheres de variadas idades, eram as prostitutas de serviço!... Fiquei com uma péssima impressão de Hong-Kong, porém tinha estado somente em Kwoloon.
Do navio Índia no mudamos para o Ferry Takshing, (ver imagem) que nos levaria até Macau.
A viagem durou quase quatro horas. Entrando no porto exterior de Macau no ar pairava um cheiro a peixe salgado que nos entrou pelas narinas dentro. O ar era pesado e a imensa humidade fazia-se sentir. Estavamos em Macau local onde iríamos permaneceder por dois anos. Porém, comigo e como diz a lenda "Quem bebe a água da fonte do Lilau, por Macau permanecerá" e é bem verdade, já lá vão quase 45 anos depois da chegada nessa noite de 22 de Setembro de 1964.O Ferry Takshing atracou à ponte do Porto Interior e ali se efectou o nosso desembarque. Mas para mim a viagem ainda não tinha terminado. Após a maioria do pessoal seguir para os seus quartéis em Macau: Ilha Verde onde ficou sedeada a companhia a que eu pertencia, para Mong-Há a outra companhia, para a Flora os Polícias Militares e os restantes para o Quartel General.. Segui então, com mais soldados para a ponte 8 do Porto Interior, onde nos aguardava uma Lancha de Desembarque dos Serviços de Marinha que nos levaria até à Ilha da Taipa. Era ali que iria passar a desempenhar a posição de Comandante Militar da Ilha da Taipa.
Uma nova vida, por terras do Oriente... onde António Cambeta ainda está. A sua terra há 45 anos. E que continue a ser por muitos e longos anos, são os meus votos.Nota: agradeço ao António Cambeta (que tive o privilégio de conhecer em Macau em 2009) o seu testemunho sobre Macau de outros tempos.
Irá fazer dia 5, 50 anos que aconteceu.
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