António Cambeta junto a uma das 'balsas'/embarcações utilizadas pelos refugiados vietnamitas em exposição no Museu Marítimo de Macau. Segundo o seu testemunho, transportava 12 pessoas quando foi encontrada junto a Ka Ho.
Relato na primeira pessoa sobre o drama dos refugiados vietnamitas
Relato na primeira pessoa sobre o drama dos refugiados vietnamitas
Eram 9 horas do dia 23 de Junho de 1977 encontrando-me ao serviço no Posto 6 da PMF em Coloane. Na altura era Subchefe e aguardava a chegada dos meus camaradas para ser rendido quando o telefone tocou. Era o padre Nicósia, encarregado da leprosaria de Ká-Ho, informando que nas imediações da mesma, tinham desembarcado 25 pessoas, sendo 14 adultos e 11 crianças.
Telefonámos para o Comando a dar conhecimento do caso solicitando ao mesmo o envio de várias carrinhas para o transporte dos presumíveis refugiados vietnamitas para Macau. Após ter efectuado o telefonema compareceu o Subchefe que me vinha substituir no Posto.
Continuei por ali fiquei até concluir o trabalho e pouco depois compareciam várias carrinhas, acabando por seguir numa delas para Ká-Ho.
Quando chegámos a este local deparámos com um amontoado de gente o que me comoveu profundamente. Algumas pessoas falavam fluentemente inglês o que permitiu saber um pouco mais da sua história.
Abandonaram o Vietname do Sul numa embarcação de pesca levando apenas mapas, termos, binóculos, etc. arriscando a própria vida ao partirem clandestinamente. Chegaram ao Mar do Sul da China onde a ventania muito forte e agitadas ondas por pouco não afundaram a embarcação.
Graças ao auxílio de uns pescadores chineses que encontraram pelo caminho, conseguiram desembarcar na praia de Ká-Ho em Coloane.
Estes refugiados foram os primeiros a aportar a Macau ficando no Território pelo período de oito meses.Por essa altura já eram 27 pois tinham nascido na maternidade do Hospital “Conde de S.Januário” duas crianças do sexo feminino. Por casualidade a minha esposa foi a enfermeira-parteira que assistiu ao parto das mesmas.
Seis desses refugiados seguiram para o Canadá e sete para os Estados Unidos, para onde seguiram também os restantes no dia 23 de Fevereiro de 1978, com a colaboração da UNHCR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados).
Passado um mês sobre a primeira chegada de refugiados vietnamitas eis que um outro grupo constituído por 122 indivíduos aportava a Macau com 40 homens, 30 mulheres e 52 crianças
A autêntica odisseia deste grupo por um pouco tinha um trágico epílogo, quando o barco em que seguiam, com cerca de 20 metros de comprimento, esteve à mercê de ondas altas, ventos fortes e chuva torrencial, com o motor avariado, seis dias depois de ter partido para Hong-Kong de Quang Ngai, cidade a cerca de 120 milhas de Danang.
O líder do grupo e médico de medicina tradicional chinesa Duang Thoung Hiep, de 44 anos, contou-me a tragédia e as longas horas de angustia e martírio passadas pelo grupo:
“Na altura não sabiamos bem onde estavamos e não tínhamos comido nada por mais de vinte e quatro horas apesar de termos arroz a bordo”.
Explicando a situação disse: “o barco estava cheio de água e a missão de todos era de esvazia-lo o mais rápido possível”. Na altura segundo Duang, “passaram por nós dois juncos tendo os seus tripulantes informado sobre um ciclone tropical que estava a caminho”.
Acrescentou que ele e os seus companheiros tentaram transmitir aos homens dos juncos que não podiam navegar e que era urgente uma ajuda pois caso contrário seria inevitável o seu naufrágio.
“Os dois juncos afastaram-se do local possivelmente porque os pescadores não conseguiram ouvir o nosso apelo” continuou Duang.
Quando todas as esperanças estavam praticamente dissipadas e deitadas por terra, com alegria viram os juncos reaproximarem-se, estando as suas velas cada vez mais perto.
Os pescadores chineses apreenderam-se da nossa verdadeira situação e voltaram para nos salvar” concluíu Duang. Os dois juncos acabaram por rebocarem o sinistrado barco vietnamita por umas cinco horas trazendo-o para Macau.
Em outra ocasião recolhemos um refugiado vietnamita, que tinha sido piloto aviador com treino em jacto-bombardeiros tirado na Base Aérea de Doldlop, Texas. Tratava-se do segundo-tenente Tran Uy-Nam de 34 anos de idade, que não hexitou em afirmar na altura a existência de dezenas de campos de concentração no Vietname, com cerca de 800 a 1000 prisioneiros cada.
Estes foram os primeiros grupos de vietnamitas que aportaram a Macau. Seguiu-se depois uma autêntica avalanche que se prolongou por vários anos.
Passaram à história como “Boat People”, invadindo quase todos os países da Ásia para além de Macau e Hong-Kong, que não escaparam a estas sucessivas levas de refugiados.
Houve ocasiões em que ficaram completamente repletos de vietnamitas o campo de refugiados em Ká-Ho, o Quartel da Ilha Verde, o antigo Hospital de ‘S.Rafael e a Ponte Cais da Taipa, sendo até improvisadas umas barracas na “Doca D.Carlos I” para os abrigar.
Rapidamente o Governo de Macau se deu conta que não tinha possibilidades de dar aos refugiados o tratamento necessário e adequado, apesar dos seus “cofres” se irem esvaziando, devido aos onerosos encargos desta operação humanitária.
O Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas também não tinha mãos a medir para enfrentar esta alarmante situação.
Chegou então o momento em que foi determinado o fechamento dos campos de refugiados em Macau, não se aceitando mais exilados a partir dessa altura. As embarcações que chegassem a Macau seriam rebocadas para fora das suas águas Territoriais.
Numa ocasião em que estava de serviço ao Comando, atracou à Ponte número 1 uma embarcação com refugiados vietnamitas.
Tentou-se rebocá-la para fora das águas de Macau mas os refugiados eram renitentes, dizendo que prefeririam afundar ali mesmo a embarcação a ter de seguir para fora de Macau.
O Comandante determinou nos juntássemos à vedeta destacada para rebocar a embarcação a fim de lhe dar apoio.Após um longo diálogo com os vietnamitas e depois de terem sido abastecidos de água, vivéres e gasóleo, conseguimos finalmente convencê-los a prosseguirem viagem.
Prometemos que os levaríamos até junto de Hong-Kong onde seriam recolhidos pelas respectivas autoridades marítimas e passado pouco tempo, deveriam seguir para o Canadá ou Estados Unidos.
A viagem decorreu com toda a normalidade e só largámos o reboque já com Hong-Kong à vista.
Satisfeitos com a nossa cooperação os refugiados agradeceram vivamente, rumando em seguida para Hong-Kong.Esta missão foi a pioneira no reboque de embarcações vietnamitas para fora das águas Territoriais de Macau. Milhares se seguiram, tendo participado ainda em centenas de outras operações similares, no comando de uma vedeta da classe “Bravo”.
O destino reservou-me esta difícil e humilde missão que humana e profissionalmente a desempenhámos!
A partir de meados dos anos oitenta, não se aceitaram mais refugiados, sendo as suas embarcações rebocadas para fora das águas territoriais.
Posteriormente estes exilados eram que procuravam sobretudo enviá-los para os Estados Unidos, Canadá ou Austrália.
Telefonámos para o Comando a dar conhecimento do caso solicitando ao mesmo o envio de várias carrinhas para o transporte dos presumíveis refugiados vietnamitas para Macau. Após ter efectuado o telefonema compareceu o Subchefe que me vinha substituir no Posto.
Continuei por ali fiquei até concluir o trabalho e pouco depois compareciam várias carrinhas, acabando por seguir numa delas para Ká-Ho.
Quando chegámos a este local deparámos com um amontoado de gente o que me comoveu profundamente. Algumas pessoas falavam fluentemente inglês o que permitiu saber um pouco mais da sua história.
Abandonaram o Vietname do Sul numa embarcação de pesca levando apenas mapas, termos, binóculos, etc. arriscando a própria vida ao partirem clandestinamente. Chegaram ao Mar do Sul da China onde a ventania muito forte e agitadas ondas por pouco não afundaram a embarcação.
Graças ao auxílio de uns pescadores chineses que encontraram pelo caminho, conseguiram desembarcar na praia de Ká-Ho em Coloane.
Estes refugiados foram os primeiros a aportar a Macau ficando no Território pelo período de oito meses.Por essa altura já eram 27 pois tinham nascido na maternidade do Hospital “Conde de S.Januário” duas crianças do sexo feminino. Por casualidade a minha esposa foi a enfermeira-parteira que assistiu ao parto das mesmas.
Seis desses refugiados seguiram para o Canadá e sete para os Estados Unidos, para onde seguiram também os restantes no dia 23 de Fevereiro de 1978, com a colaboração da UNHCR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados).
Passado um mês sobre a primeira chegada de refugiados vietnamitas eis que um outro grupo constituído por 122 indivíduos aportava a Macau com 40 homens, 30 mulheres e 52 crianças
A autêntica odisseia deste grupo por um pouco tinha um trágico epílogo, quando o barco em que seguiam, com cerca de 20 metros de comprimento, esteve à mercê de ondas altas, ventos fortes e chuva torrencial, com o motor avariado, seis dias depois de ter partido para Hong-Kong de Quang Ngai, cidade a cerca de 120 milhas de Danang.
O líder do grupo e médico de medicina tradicional chinesa Duang Thoung Hiep, de 44 anos, contou-me a tragédia e as longas horas de angustia e martírio passadas pelo grupo:
“Na altura não sabiamos bem onde estavamos e não tínhamos comido nada por mais de vinte e quatro horas apesar de termos arroz a bordo”.
Explicando a situação disse: “o barco estava cheio de água e a missão de todos era de esvazia-lo o mais rápido possível”. Na altura segundo Duang, “passaram por nós dois juncos tendo os seus tripulantes informado sobre um ciclone tropical que estava a caminho”.
Acrescentou que ele e os seus companheiros tentaram transmitir aos homens dos juncos que não podiam navegar e que era urgente uma ajuda pois caso contrário seria inevitável o seu naufrágio.
“Os dois juncos afastaram-se do local possivelmente porque os pescadores não conseguiram ouvir o nosso apelo” continuou Duang.
Quando todas as esperanças estavam praticamente dissipadas e deitadas por terra, com alegria viram os juncos reaproximarem-se, estando as suas velas cada vez mais perto.
Os pescadores chineses apreenderam-se da nossa verdadeira situação e voltaram para nos salvar” concluíu Duang. Os dois juncos acabaram por rebocarem o sinistrado barco vietnamita por umas cinco horas trazendo-o para Macau.
Em outra ocasião recolhemos um refugiado vietnamita, que tinha sido piloto aviador com treino em jacto-bombardeiros tirado na Base Aérea de Doldlop, Texas. Tratava-se do segundo-tenente Tran Uy-Nam de 34 anos de idade, que não hexitou em afirmar na altura a existência de dezenas de campos de concentração no Vietname, com cerca de 800 a 1000 prisioneiros cada.
Estes foram os primeiros grupos de vietnamitas que aportaram a Macau. Seguiu-se depois uma autêntica avalanche que se prolongou por vários anos.
Passaram à história como “Boat People”, invadindo quase todos os países da Ásia para além de Macau e Hong-Kong, que não escaparam a estas sucessivas levas de refugiados.
Houve ocasiões em que ficaram completamente repletos de vietnamitas o campo de refugiados em Ká-Ho, o Quartel da Ilha Verde, o antigo Hospital de ‘S.Rafael e a Ponte Cais da Taipa, sendo até improvisadas umas barracas na “Doca D.Carlos I” para os abrigar.
Rapidamente o Governo de Macau se deu conta que não tinha possibilidades de dar aos refugiados o tratamento necessário e adequado, apesar dos seus “cofres” se irem esvaziando, devido aos onerosos encargos desta operação humanitária.
O Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas também não tinha mãos a medir para enfrentar esta alarmante situação.
Chegou então o momento em que foi determinado o fechamento dos campos de refugiados em Macau, não se aceitando mais exilados a partir dessa altura. As embarcações que chegassem a Macau seriam rebocadas para fora das suas águas Territoriais.
Numa ocasião em que estava de serviço ao Comando, atracou à Ponte número 1 uma embarcação com refugiados vietnamitas.
Tentou-se rebocá-la para fora das águas de Macau mas os refugiados eram renitentes, dizendo que prefeririam afundar ali mesmo a embarcação a ter de seguir para fora de Macau.
O Comandante determinou nos juntássemos à vedeta destacada para rebocar a embarcação a fim de lhe dar apoio.Após um longo diálogo com os vietnamitas e depois de terem sido abastecidos de água, vivéres e gasóleo, conseguimos finalmente convencê-los a prosseguirem viagem.
Prometemos que os levaríamos até junto de Hong-Kong onde seriam recolhidos pelas respectivas autoridades marítimas e passado pouco tempo, deveriam seguir para o Canadá ou Estados Unidos.
A viagem decorreu com toda a normalidade e só largámos o reboque já com Hong-Kong à vista.
Satisfeitos com a nossa cooperação os refugiados agradeceram vivamente, rumando em seguida para Hong-Kong.Esta missão foi a pioneira no reboque de embarcações vietnamitas para fora das águas Territoriais de Macau. Milhares se seguiram, tendo participado ainda em centenas de outras operações similares, no comando de uma vedeta da classe “Bravo”.
O destino reservou-me esta difícil e humilde missão que humana e profissionalmente a desempenhámos!
A partir de meados dos anos oitenta, não se aceitaram mais refugiados, sendo as suas embarcações rebocadas para fora das águas territoriais.
Posteriormente estes exilados eram que procuravam sobretudo enviá-los para os Estados Unidos, Canadá ou Austrália.
António Cambeta, da Polícia Marítima e Fiscal, hoje já reformado... na imagem em 1989, a ser condecorado (medalha de dedicação.. uma de várias) pelo Governo de Macau.
Pelo Despacho n.º 10/SATOP/97, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 5/97, II Série, de 29 de Janeiro, foi titulado o contrato de concessão gratuita, por arrendamento, de um terreno com a área de 9 232 m2, situado na ilha de Coloane, antigo Centro de Refugiados Vietnamitas de Ká-Hó, para aproveitamento com a construção de um Centro de Formação e Acolhimento de Jovens, a favor dos Salesianos de Dom Bosco (Sociedade de S. Francisco de Sales), entidade de carácter permanente religioso, canonicamente erecta na Diocese de Macau, nos termos e para os efeitos do Despacho n.º 10/SAAEJ/96, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 15/96, II Série, de 10 de Abril.
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