O fotojornalista escocês John Thomson (Edimburgo:1837-1921) especializou-se em retratos e paisagens naturais e arquitectónicas, bem como na chamada ‘fotografia de rua’. No início da década de (18)50 o jovem torna-se aprendiz junto de um fabricante de instrumentos ópticos e científicos e familiariza-se com os princípios da fotografia. Em 1861, Thomson torna-se membro da Royal Scottish Society of Arts e, no ano seguinte, decide juntar-se ao seu irmão, em Singapura, onde abre um estúdio no qual fotografa mercadores europeus. A partir de Singapura, o fotógrafo vitoriano viaja pela China e pelo Extremo Oriente e ‘cristaliza’ imagens de Macau através da máquina fotográfica e da sua escrita, desenvolve um interesse pelos costumes dos povos orientais que regista com a sua máquina e relata posteriormente as suas experiências em comunicações na British Association, tornando-se membro da Royal Geographical Society e da Royal Ethnological Society. Thomson publica o seu primeiro livro The Antiquities of Cambodia em 1867, e nesse mesmo ano regressa de Londres ao Oriente (Singapura, Saigão), muda o seu estúdio para Hong Kong (1868) e regista imagens da China durante cinco anos, fotografando a diversidade étnica e cultural do país. Em 1869 o fotógrafo visita Cantão e em 1872 publica Foochow and the River Min e regressa à Grã-Bretanha, dedicando-se à fotografia e à publicação de narrativas de viagem como Illustrations of China and Its People (1873-1874), Through Cyprus with a Camera in the Autumn of 1878 (1879) e textos em revistas. Em 1875 Thomson abre um estúdio em Londres e publica The Straits of Malacca, Indo-China, and China; or, Ten Years’ Travels, Adventures and Residence Abroad (ilustrado com gravuras a partir de fotos de sua autoria).
Em 1898 o autor publica Through China with a Camera. Após a sua morte, de ataque de coração, aos 84 anos, em 1921, o seu nome é atribuído a um dos picos do Kilimanjaro (Point Thomson), em honra da sua obra que é, por vezes, descrita como “um olhar (fotográfico) colonial”, uma interpretação do Oriente a partir do ponto de vista ocidental para ser consumido no Ocidente. No que diz respeito a Macau, a sua obra representa ou reflecte, tal como a de Jules Itier (1802-1877), com precisão, algumas das primeiras imagens da cidade que substituem gradualmente as inúmeras gravuras e quadros pintados desde o século XVI.
Na obra Through China with a Camera, o autor descreve a sua estada na Cidade do Santo Nome de Deus, estância de veraneio predilecta dos residentes de Hong Kong, que aí gozam a brisa do mar e se transportam, através da imaginação, ao passear na Praia Grande, para uma antiga cidade europeia. De acordo com o texto, Macau, “uma magnífica curiosidade”, tem tido uma história conturbada desde a sua fundação, que não abona a favor dos portugueses, resumindo o autor a história do estabelecimento dos lusos na China. As ruas do enclave encontram-se desertas, as habitações pintadas de cor estranhas, assemelhando-se as janelas vermelhas a olhos inflamados nas faces pintadas das casas, por entre as quais o transeunte encontra magníficas escadarias, amplas entradas, salões vastos, (pouco) comércio nas ruas, casas de jogo e a catedral, estes últimos os locais mais animados. Os fortes são guardados por tropas europeias e o território acorda às quatro da tarde, altura em que as carruagens se movimentam na rua, as cadeirinhas se dirigem para a marginal e os passeios de final de tarde na refrescante Praia Grande alegram o local. Alguns residentes pertencem a uma etnia pequena, os macaenses, e as damas, bem vestidas, encontram-se no elegante passeio marginal, e o autor admira-se com o facto de o pintor George Chinnery conseguir ter passado tanto tempo numa comunidade com tanta falta de gosto artístico. Quanto aos homens, não parecem existir idosos na cidade, pois todos se vestem da mesma forma e são baixos e esguios. Thomson refere que Macau é interessante como território português na China onde Camões terá encontrado um retiro e onde Chinnery produziu inúmeros esboços e retratos que influenciaram outros artistas no Sul da China, ou seja, o autor aproxima indirectamente dois artistas, um português e escritor, outro inglês e pintor, que se exilaram em Macau. Numa outra obra de sua autoria, The Straits of Malacca, Indo-China, and China; or, Ten Years’ Travels, Adventures and Residence Abroad, Thomson repete o texto que acabámos de resumir e detem-se também na Praia Grande, “com um óptimo pontão, o palácio do governo, e edifícios pintados, […] numerosas ruas pequenas […]”, descrevendo o ambiente solitário e vazio da cidade ao meio-dia e os barracões de tráfico de cules. O fotógrafo critica ainda os residentes que fazem fortuna à custa da escravidão dos cules fortemente vigiados, sendo o destino de muitos a morte durante a viagem até ao continente americano.
A obra de Thomson apresenta-nos Macau em forma de um documentário no qual o texto e a imagem se complementam, sendo o artista, juntamente com os norte-americanos Paul Martin e Jacob Riis, um dos percursores do chamado foto-documentário ou fotografia de documentário social, pois as imagens por eles recolhidas vão para além de uma mera representação iconográfica, apresentando um certo nível de ‘humanidade’. Da sua obra destacam-se as inúmeras fotos de Hong Kong, Cantão e de Macau [vejam-se a escadaria das ruínas de São Paulo (c. 1869), o templo chinês em Macau e a vista da Praia Grande (1869-1870), entre outras].
Texto de Rogério Puga in Hoje Macau Agosto 2009
Texto de Rogério Puga in Hoje Macau Agosto 2009
Macao is interesting as the only Portuguese settlement to be found on the coast of China. It may be reached by steamer either from Hongkong or Canton, and it is a favourite summer resort for the residents of our own little colony. In that pretty watering-place we may enjoy the cool sea-breezes, and almost fancy, when promenading the broad Praya Grande, as it sweeps round a bay truly picturesque, that we have been suddenly transported to some ancient continental town. Macao is a magnificent curiosity in its way. The Chinese say it has no right to be there at all ; that it is built on Chinese soil ; whereas the Portuguese, on their part, allege that the site was ceded to the King of Portugal in return for services rendered to the Government of China. These services, however, cannot have been properly appreciated, for the Chinese in 1573, built a barrier-wall across the isthmus on which the town stands, to shut out the foreigners. The place has had a chequered history since the time of its original foundation, sometimes being under its own legitimate Government, and at others being claimed and ruled by the Chinese. But its history, however important to the parent country, had better be left alone, more especially as there are passages in it which reflect no great lustre on the nation whom Camoens adorned. The main streets in Macao are deserted. The houses there are painted in a variety of strange colours, some of the windows being fringed with a rim of red, which gives them the look of inflamed eyes in the painted cheeks of the dwellings. But there are magnificent staircases, wide doorways and vast halls, though the inmates for the most part are a very diminutive race; they are called Portuguese, but they suffer by comparison with the more recent arrivals from the parent land, being darker than the Portuguese of Europe, and darker even than the native Chinese. There is trade going on the streets, but it is of a very languid kind, and the gambling-houses, or the cathedral are the chief places of resort. The forts are, of course, garrisoned with troops from Europe. At 4 p.m. or thereabouts, the settlement wakes up; carriages whirl along the road; sedan chairs struggle shorewards, that their occupants may taste the sea-breeze; and the mid-day solitudes of the Praya Grande have been converted into a fashionable promenade. Ladies are there too, attired in the lightest costumes and the gayest colours; some of them pretty, but the majority sallow-faced and uninteresting, and decked out with ribbons and dresses, whose gaudy tints are so inhar- moniously contrasted, that one wonders how Chinnery the painter could have spent so many of his days among a com- munity so wanting in artistic tastes. The young men — for there seem to be no old men here, at least all dress alike, quite irrespective of years — are a slender race, but not more slender than diminutive. But if Macao is interesting as a Portuguese settlement, and the only one which now remains to Portugal of those which her early traders founded in China, it can also boast of historic associations, giving it a special and independent Approach to Buddhist Temple, Macao, attraction. Here the poet Camoens found a retreat, and here too, Chinnery produced a multitude of sketches and paintings, which have really had some influence on art in the south of China.
Excerto do Livro Through China with a Camera
No livro estão incluídas duas fotografias de Macau: uma panorâmica da Baía da Praia Grande e outra de um templo budista.
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