Alexandre de Rhodes (1591-1660), S.J. foi um missionário jesuíta de Avignon, cuja vida e obra se destacou sobretudo no Vietname. É dele a obra "Dictionarium Annamiticum Lusitanum et Latinum", considerada o primeiro dicionário trilingue vietnamita-português-latim, publicado em Roma pela primeira vez em 1651. Nas suas deambulações pela Ásia esteve em Macau - partiu de Lisboa primeiro rumo a Goa - e é sobre esse período que escrevo neste post recorrendo a um outro livro de Rhodes, publicado em 1653: "Divers voyages et missions du P. Alexandre de Rhodes en la Chine et autres royaumes de l’Orient, avec son retour en Europe par la Perse et l’Arménie".
Numa primeira fase Rhodes esteve apenas um ano em Macau - chegou a 29 de Maio de 1623 - e é disso que fala no pequeno capítulo sobre o território, embora ao todo tivesse vivido em Macau mais de 10 anos.
Em 1624 partiu em missão para o Vietname e regressou a Macau em 1626. Dali seguiu para Tonquim onde esteve até 1629. Regressa novamente a Macau onde ficará dez anos a ensinar no Colégio de São Paulo. Voltaria ao Vietname
em 1640 onde esteve até 1643 quando fruto das perseguições aos católicos voltou a Macau. Em Janeiro de 1644 o jesuíta francês já estava novamente no
Vietname onde foi preso e condenado pelo que regressaria mais uma vez a Macau de onde saiu definitivamente em 1645. Só chegou a Roma quatro anos depois.
Do capítulo XV (páginas 71 a 73) publico apenas uma parte em francês mas em português apresento o texto na íntegra de um dos primeiros testemunhos da história do território cujo 'assentamento' remonta a ca. 1555.
"Mon séjour d'un an dans Macao, ville de la Chine, tenue par les Portugais.
Étant arrivé en ce beau royaume, mon premier séjour fut à Macao, où l'on me retint un an, pendant lequel je m'employai de tout mon pouvoir à me rendre familière la langue du Japon, où je prétendais d'aller au plus tôt. Macao est un port et une ville dans la Chine, que les Portugais y ont bâtie et fortifiée avec la permission du roi de la Chine, auquel ils paient tous les ans vingt-deux mille écus de tribut. Il y a cent ans ou environ que cette permission leur fut donnée. L'un des principaux fondateurs fut le brave Pierre Yeillo, qui mérita par sa charité que saint François Xavier lui promît qu'il saurait le jour de sa mort. C'était une langue de terre proche de la mer, 'où certains pirates s'étaient retirés et faisaient plusieurs courses dans la province de Canton, qui est le plus proche de la mer. (...)
O símbolo da Companhia de Jesus |
A minha estada de um ano em Macau, cidade da China, detida pelos Portugueses.
Tendo chegado a este belo reino, a minha primeira estada foi em Macau onde me retiveram um ano, durante o qual me empreguei de todo o meu poder a tornar-me familiar com a língua do Japão onde pretendia ir o mais cedo possível. Macau é um porto e cidade na China que os Portugueses construíram e fortificaram com a autorização do rei da China ao qual pagam todos os anos vinte e dois mil escudos de tributo. Há mais ou menos cem anos que lhes foi dada esta permissão.
Um dos principais fundadores foi o bravo Pedro Velho merecedor pela sua caridade que S. Francisco Xavier lhe tenha prometido que viria a conhecer o dia da sua morte. Macau era uma língua de terra próxima do mar em que certos piratas se tinham abrigado e faziam várias razias na província de Cantão que é a mais próxima do mar. Os chineses para se livrarem destes bandidos solicitaram o socorro dos portugueses permitindo-lhes ocupar este posto se conseguissem livrar-se destes maus vizinhos.
Os portugueses que não desejavam outra coisa que não fosse pôr um pé na China perseguiram à mão armada essa trupe de assaltantes, expulsaram-nos facilmente, começando a construir a cidade como os Chineses lhes tinham permitido, mas sem a fortificar porque no tratado que fizeram isto era expressamente interdito. Daí a algum tempo, os holandeses atacaram a cidade e teriam sido infalivelmente bem sucedidos se Deus não tivesse combatido pelos portugueses, logo enviando um certo terror pânico contra os holandeses através de um tiro de canhão enviado à sorte e em último desespero para salvar a praça, obrigando à fuga dos invasores. Os portugueses perseguiram-nos imediatamente, retalhando-os em pedaços, depois servindo-se desta ocasião para fortificar a cidade, argumentando que sem isso não podiam manter-se em estado de não temer os seus inimigos. Receberam a autorização e edificaram uma bem forte praça que foi guarnecida com duzentas peças de canhão, assim passando a viver em segurança.
A cidade não é grande, mas é bonita e construída ao gosto europeu, muito melhor edificada do que na China onde as casas têm apenas um único andar. O comércio de Macau chegou a ser muito abundante e os portugueses tornaram-se depressa bastante ricos. No entanto, depois das perseguições no Japão e a ruptura com os espanhóis que dominam as Filipinas, os portugueses ficaram a seco porque eram essas duas ilhas que lhes davam os melhores rendimentos.
A nossa Companhia tem em Macau um forte e grande Colégio que pode ser comparado aos mais belos da Europa. A igreja, pelo menos, é uma das mais magníficas que eu já alguma vez vi, mesmo em Itália, exceptuando São Pedro, em Roma. No Colégio aprendem-se todas as ciências que nós ensinamos em todas as nossas academias. É aí que se formam os grandes operários que enchem o Oriente com as luzes do Evangelho. Daí saíram tantos dos mártires que coroam a nossa província que eu chamo bem-aventurada porque tem essa glória: só no Japão ela conta com 97 gloriosos confessores do santo nome de Jesus Cristo que selaram com o seu sangue a fidelidade que tinham prometido ao seu Mestre.
Sem comentários:
Enviar um comentário