Pequim acordava com tempo primaveril e Macau em manhã chuvosa. Eram 11h30 e as televisões estavam ligadas à capital, onde mais de cem jornalistas se preparavam para testemunhar um momento histórico, na maior das 29 salas do Palácio do Povo. Sobre uma mesa coberta pelas bandeiras portuguesa e chinesa, o então primeiro-ministro de Portugal, Cavaco Silva, 47 anos, e o seu homólogo, Zhao Ziyang, 67, iriam assinar a Declaração Conjunta Sino- Portuguesa sobre a Questão de Macau – o acordo internacional que estabeleceu um processo de transição de mais de meio século e fazia crer que pouco ia mudar no território quando a bandeira portuguesa fosse arriada.
Na tribuna atrás de Zhao Ziyang e Cavaco Silva, que chegava com um Governo derrubado por uma moção do parlamento, estava Deng Xiaoping, o líder chinês que via ser aberto caminho à aplicação do inédito princípio ‘um país, dois sistemas’ e à reunificação do país. A Declaração Conjunta aprazava a data para a República Popular voltar a assumir o exercício da soberania sobre Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999 e dava à Região Administrativa um "alto grau de autonomia". E a garantia de que "os actuais sistemas social e económico", as "leis vigentes" e a "maneira de viver de Macau" de manteriam até 2049.
Na tribuna atrás de Zhao Ziyang e Cavaco Silva, que chegava com um Governo derrubado por uma moção do parlamento, estava Deng Xiaoping, o líder chinês que via ser aberto caminho à aplicação do inédito princípio ‘um país, dois sistemas’ e à reunificação do país. A Declaração Conjunta aprazava a data para a República Popular voltar a assumir o exercício da soberania sobre Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999 e dava à Região Administrativa um "alto grau de autonomia". E a garantia de que "os actuais sistemas social e económico", as "leis vigentes" e a "maneira de viver de Macau" de manteriam até 2049.
Assim falou Zhao Ziyang a 13 de Abril de 1987: "Os Governos da China e de Portugal chegaram, num período relativamente curto, a um acordo total sobre a resolução da questão de Macau (...). [A Declaração Conjunta] assentou um sólido alicerce para a estabilidade e desenvolvimento de Macau (...). Os dois Governos compreenderam-se e cederam reciprocamente".
"Creio, senhor primeiro-ministro, que o acordo que assinámos constitui um marco de história nos nossos dois povos, já que soubemos dar um exemplo de paz, entendimento e progresso. Assinámos um documento que irá aplicar-se no século XXI", declarou Cavaco. O chefe do Governo português dirigia-se a Zhao, enquanto enaltecia a "perspectiva renovada para as relações entre Portugal e a RPC" e a criação de "instâncias que permitirão uma transferência harmoniosa". Mas também dizia "ter presente, neste momento, a população de Macau" – uma postura que não foi reconhecida por todos.
Manuel Dionísio, enviado especial da Tribuna de Macau a Pequim, resumia assim a visita de Cavaco à capital: "Estiveram uns dias bons de Primavera, com sol, disseram-se palavras solenes que a ocasião impunha, multiplicaram-se os abraços de regozijo (...) insistiu-se no espírito de compreensão reinante e nas perspectivas das relações entre Portugal e a China, uma vez apagado o traço de união que é Macau". "‘O acordo é bom, disseram os seus autores’".
A comitiva do primeiro-ministro recebeu as boas-vindas na praça de Tiananmen, "na mesma praça onde os estudantes chineses se manifestavam no início do ano por maiores liberdades", onde uma dezena de bandeiras portuguesas ondulava ao lado das chinesas. Ouviu-se uma salva de tiros e os hinos dos dois países. Cavaco Silva teve o primeiro encontro com Zhao logo de seguida, num diálogo que, segundo a Gazeta Macaense, andou à volta das propriedades do chá verde e que a Tribuna resumiu como "conversa de chá-cha". Já à noite, o primeiro-ministro chinês haveria de fazer "especial referência a uma presença ignorada pelo primeiro-ministro português nos seus discursos": as "personalidades de Macau", convidadas pela Nam Kwong (tida como a representação oficiosa da RPC em Macau) para a cerimónia de assinatura do acordo. Entre outros, estiveram lá Stanley Ho, Ma Man Kei, Carlos d´Assumpção, Roque Choi, Susana Chou, Ng Fok, Edmund Ho (que, à época, não dispensava apresentações, era o "filho do falecido Ho Yin"), Senna Fernandes e Jorge Neto Valente.
"O convite chinês às personalidades de Macau não deixou de contrastar com o alheamento do primeiro-ministro à sua presença" e Neto Valente tentou passar a mensagem quando Cavaco Silva, numa sexta-feira santa, chegou às Portas do Cerco, depois de ter subido "à campeão" a Grande Muralha, para explicar a Macau os termos da Declaração Conjunta. "Foi com lágrimas nos olhos que os portugueses assistiram à cerimónia de assinatura da Declaração Conjunta", escreveu o advogado e ex-deputado, num texto em que reproduzia o que pretendia transmitir a Cavaco, numa sessão da Assembleia Legislativa.
"Se os seus afazeres lho permitirem, poderá ainda compreender por que não viu nem verá da parte das gentes de Macau manifestações de júbilo (...) não se segue que os portugueses devam cantar hossanas ao acordo que afecta direitos legítimos de todos os que aqui vivem", dizia ainda Neto Valente, acusando as reservas da altura sobre o princípio ‘um país, dois sistemas’. Mas o mesmo jornal reconhecia que a autonomia estava "garantida além das expectativas". Por Macau, Cavaco fez a primeira leitura na missa da Páscoa e esteve com a Associação Comercial de Macau. Afirmou: "Penso que os habitantes de Macau em geral, e os empresários em particular, têm razões para estar satisfeitos". Vinte cinco anos depois, será difícil dizer que não estava certo.
Artigo de Sónia Nunes publicado no Ponto Final de 13-4-2012
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