(...) uma das prioridades do Governador Melo Egídio foi o desenvolvimento de relações amistosas com as autoridades chinesas e com os seus representantes tradicionais em Macau. Tendo iniciado funções imediatamente após o estabelecimento de relações diplomáticas de Portugal com a República Popular da China, assumiu como uma das principais preocupações da acção governativa a utilização de Macau como instrumento privilegiado ao serviço da consolidação dessas relações, a par da estabilidade do território, que dependia também do bom entendimento com organizações e personalidades chinesas locais. Assim, procurou manter um diálogo franco e intenso com Ho Yin, figura muito influente da comunidade chinesa local, e com O’ Cheng Peng, responsável pela Agência Nam Kwong, organismo que representava oficiosamente os interesses da China neste território. Foi nestes termos que descreveu os seus contactos com Ho Yin, na entrevista concedida a Fernando Lima e Eduardo Cintra Torres para a série televisiva “Macau entre dois mundos”:
“Falar de Ho Yin é simples, mas também difícil. Era um homem extraordinário. O Senhor Ho Yin, como lhe chamávamos, era bondoso, afável, pacífico, muito fumador, que irradiava simpatia logo ao primeiro contacto. Era um líder por natureza e era implicitamente reconhecido por toda a gente como o chefe da comunidade chinesa de Macau. Quando eu fui para Macau tinham acabado de ser estabelecidas relações diplomáticas com a China. Não estava ainda convenientemente definida a importância de um outro homem de quem fiquei amigo, que também foi muito importante para a China, para Macau e para Portugal, o O’ Cheng Peng. Era uma figura que estabelecia relações como que oficiosas e conversava periodicamente com o Governador de Macau. Antes dele, todo esse contacto era feito com Ho Yin. A partir do aparecimento de O’ Cheng Peng, a importância de Ho Yin não diminuiu socialmente. Continuou a organizar os jantares da Primavera, continuou muito preponderante na comunidade e devíamos-lhe esse apreço, porque era uma figura importante, desempenhou funções relevantíssimas. Era presidente da Associação Comercial de Macau, presidente do Banco Tai Fung, membro permanente da Assembleia Popular Nacional da China e foi, interinamente, presidente da Assembleia Legislativa até à eleição do Dr. Carlos Assumpção. Era um declarado amigo dos portugueses e nas negociações, nos acordos, que por vezes surgiram por conflitos fronteiriços, até mesmo nos acontecimentos do 1,2,3 teve uma influência extraordinária, favorecendo o apaziguamento de hostilidades criadas, sentidas entre os chineses e os portugueses. Contribuiu para desanuviar o ambiente, sempre com a mesma fleuma, a mesma maneira afável de tratar todos os assuntos. Posso dizer sem sombra de dúvida que o Ho Yin era um membro muito respeitado, muito querido da comunidade, no seu todo, chinesa e portuguesa, macaense e portuguesa, mesmo de residentes da metrópole em Macau, que o apreciavam imenso pelo bem que fazia e pelo amor que ele tinha a Portugal”.
Para assegurar a eficácia do diálogo com essas entidades, Melo Egídio aconselhava-se muito junto de Roque Choi e de Joaquim Morais Alves. Também me envolveu em várias iniciativas neste âmbito, pelo que posso confirmar o interesse genuíno do Governador na manutenção de um relacionamento correcto com os seus interlocutores chineses.
A sua visita oficial à China e o encontro com Deng Xiaoping marcaram-no profundamente. Incentivou depois as deslocações de entidades portuguesas àquele país, à medida que a abertura se concretizava, e as de chineses a Portugal. Em 1980, apoiou uma visita de personalidades da comunidade chinesa de Macau a Portugal, as quais foram recebidas pelo Presidente da República, António Ramalho Eanes. Também acompanhou com entusiasmo a criação das zonas económicas especiais chinesas, acreditando no significado da sua implantação como sinal inteligente de abertura e de mudança. E lia toda a informação que lhe era preparada sobre a China, bem como as traduções da imprensa local elaboradas pelos Serviços de Assuntos Chineses.
No processo de revisão do Estatuto Orgânico de Macau (E.O.M), que não mereceu a sua concordância, teve nos deputados chineses aliados decisivos. A posição por estes assumida inviabilizou essa primeira tentativa de revisão. Aprovado em Fevereiro de 1976, como Lei Constitucional, o E.O.M. devia ser revisto na vigência da primeira legislatura na parte respeitante à composição e ao funcionamento da Assembleia Legislativa. O projecto preparado avançava, porém, com outras modificações de fundo que o Governador recusava liminarmente, apontando sobretudo a forma preconizada de designação do Governador como geradora inevitável de instabilidade política. Escolhido pelo Presidente da República e dele dependente politicamente, defendia-se no projecto de revisão que a nomeação passasse a pertencer ao Primeiro-Ministro. Até ao fim da administração portuguesa esta alteração nunca chegaria a ser feita.
O encontro com Zhao Ziyang
Livro "Glimpse of Glory - Vislumbre de Glória" |
O encontro com Zhao Ziyang
Já na qualidade de Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Melo Egídio voltou à China, a convite das autoridades chinesas. Nessa visita, foi recebido por outra figura carismática, caída depois em desgraça na sequência dos incidentes de Tiananmen:
“Mais tarde, depois de deixar Macau, era Chefe do Estado-Maior General e voltei à China. Apesar de eu então ter categoria de Primeiro-Ministro, não estava previsto o meu encontro com o Primeiro-Ministro Zhao Ziyang, porque era uma visita de âmbito militar e enquadrava-se no intercâmbio, também muito importante, numa retribuição de uma visita que uma delegação chinesa havia feito a Portugal a convite do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Fui recebido e contactei na China com chefes militares, com várias entidades militares. Visitei muitas instalações, algumas das quais soube que normalmente não eram abertas a visitas de entidades estrangeiras, e tive encontros também com entidades civis, como o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa. Com o Primeiro-Ministro Zhao Ziyang eu tive realmente uma conversa muito interessante, de cerca de 45 minutos, num ambiente de muita cordialidade. Revelou-se um homem profundamente conhecedor dos problemas a nível mundial e fundamentalmente estratégicos. Disse-me que tinha um grande apreço pelo Presidente da República Portuguesa e que tinha tido apreço pela revolução feita em Portugal. Que considerava Portugal como um país amigo da China e que a situação criada pelo estabelecimento das relações diplomáticas estreitaria laços de amizade entre Portugal e a China e também entre Macau e a China e que considerava que Macau poderia ter um papel relevantíssimo como porta de entrada da China ou elo de ligação entre a China e Portugal, ampliando este conceito até entre a China e o Ocidente, não esquecendo que Portugal estava inserido na União Europeia. Zhao Ziyang era um homem com ideias muito abertas. E tão abertas que depois dos acontecimentos de Tiananmen foi afastado do poder, foi-lhe fixada residência em Pequim, mas é um homem por quem continuo a ter muito apreço. Considero-o inteligente e desassombrado.”
Retirado de funções públicas, Melo Egídio continuou a acompanhar a evolução da China, como membro activo da Liga da Multissecular Amizade Portugal-China e através de diversos organismos ligados a Macau. E até ao fim da vida, em Dezembro passado, foi um promotor sincero e empenhado das relações luso-chinesas.
Artigo de Jorge Rangel, Presidente do IIM, publicado no JTM de 3-1-2012
Excerto de uma entrevista de Marcial Alves publicada no jornal O Dia em 1980 a propósito da passagem do primeiro aniversário de Melo Egídio como governador de Macau (1979-1981).
"...as minhas perspectivas acerca das relações com a República Popular da China são francamente optimistas. Este ano de permanência em Macau tem sido de contactos constantes com a comunidade chinesa e com elementos representativos dessa comunidade que estão também ligados, embora não pelo canal hierárquico oficial, às autoridades de Pequim. Nota-se, a cada passo, muito significativamente, um estreitamento de relações, uma cordialidade, uma confiança e um desejo de colaboração que considero excepcionais. Considero excepcionais e têm-se materializado realmente. A República Popular da China está muito empenhada, com certeza, no desenvolvimento de Macau."
Agradecimentos: Marcial Alves e ao seu blog Rua do Jardim 7
Excerto de uma entrevista de Marcial Alves publicada no jornal O Dia em 1980 a propósito da passagem do primeiro aniversário de Melo Egídio como governador de Macau (1979-1981).
"...as minhas perspectivas acerca das relações com a República Popular da China são francamente optimistas. Este ano de permanência em Macau tem sido de contactos constantes com a comunidade chinesa e com elementos representativos dessa comunidade que estão também ligados, embora não pelo canal hierárquico oficial, às autoridades de Pequim. Nota-se, a cada passo, muito significativamente, um estreitamento de relações, uma cordialidade, uma confiança e um desejo de colaboração que considero excepcionais. Considero excepcionais e têm-se materializado realmente. A República Popular da China está muito empenhada, com certeza, no desenvolvimento de Macau."
Agradecimentos: Marcial Alves e ao seu blog Rua do Jardim 7
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