segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A União das Coroas Peninsulares

“Macau do Nome de Deus na China e a União das Coroas Peninsulares” é o título que o Coronel Carlos Gomes Bessa, académico e historiador, falecido em Novembro de 2013, em Lisboa, deu a um dos vários estudos que produziu sobre a história de Macau e, no caso em apreço, foi apresentado publicamente na Sociedade Histórica da Independência de Portugal em 1999. 
Debruça-se sobre a situação do território no tempo em que, após o desastre de Alcácer-Quibir, onde milhares de portugueses pereceram, incluindo o Rei D. Sebastião, sem deixar descendência directa, se produziu a união das coroas peninsulares. Filipe II de Espanha foi aclamado Rei de Portugal nas Cortes de Tomar, enfraquecidas que estavam a oposição e a resistência organizadas em torno de D. António, Prior do Crato.
 
"Enquanto o Reino sofria terríveis agruras e a Coroa de Portugal passava a pertencer ao Rei de Espanha, Macau crescia, prosperava e preparava-se para desempenhar papel de singular projecção no Extremo Oriente, iniciando o período áureo da História do território. A longa duração das viagens e o isolamento a que as circunstâncias votavam Macau originou a grande demora com que ali veio a receber-se notícia das desditas do Reino e das deliberações das Cortes de Tomar e, o que será para espantar mais, é que não provieram, nem de Lisboa, nem do Vice-Rei, mas de Manila, como veremos de seguida. Este parêntese serve para ilustrar duas conclusões importantes. Em História nem sempre o verdadeiro se confunde com o verosímil, e o rigor exige que se atenda com escrúpulo ao contexto da época e do meio, sem o qual ela é falseada por incompetência ou má fé. A notícia da União das Coroas Peninsulares chegará a Macau em 31 de Maio de 1582. Trouxe-a de Manila o Padre Alonso Sanchez, a mando do Governador, D. Gonzalo Ronquillo. A viagem foi tormentosa, o navio do mensageiro naufragou, e este viu-se obrigado a acolher-se em Cantão. Daí escreveu ao Visitador, o Padre Valignano, na ocasião em Macau. Com grande prudência o último deu notícia às autoridades locais mais importantes, com as quais veio a reunir-se depois o Padre Gonzalez, que expôs a situação, embora omitindo a resistência de D. António Prior do Crato, e recomendou o reconhecimento por Macau do novo Rei, devido às muitas ameaças e cobiças que sobre o território pairavam. Convencidos os presentes, a revelação ao povo fez-se em pregações dos Padres Valignano, Domingos Álvares e Alonso Sanchez. 
Confirmada a notícia e recebida ordem do Vice-Rei, D. Francisco Mascarenhas, Macau prestou juramento de fidelidade a Filipe II, ao contrário do que alguns têm afirmado. No que não houve cedência foi em que lá continuasse a flutuar a Bandeira de Portugal, como aliás estipulavam as Cortes de Tomar. Contrariando as instruções muito claras de Filipe II, o Governo de Manila fez várias tentativas goradas para usurpar a autoridade portuguesa em Macau. Perante essas ameaças, em 1583, o Bispo D. Lourenço de Sá reuniu os principais cidadãos para decidirem sobre a melhor forma de as acautelar. Inclinaram-se para estruturar a administração local de forma semelhante à das cidades do Reino e do Estado da Índia. Foi bem vista a solução porque as Cortes de Tomar atribuíram aos portugueses o exercício das respectivas funções. Elegeram juízes, vereadores, um procurador e um secretário. E deram-lhe o nome de Cidade do Nome de Deus, nome pela qual tinha sido conhecida até então. Em 1584 recebeu a designação de Senado da Câmara. Por decreto de 10 de Abril de 1586, o Vice-Rei D. Duarte de Meneses confirmou a deliberação e atribuiu os mesmos privilégios, liberdades, honras e preeminências que a cidade de Évora possuía em Portugal. Estava criada a primeira instituição democrática do Oriente.”

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