Início da avenida junto ao Mercado Vermelho
Fim da avenida no início do séc. XXI (cima) e meados do séc. XX (baixo)
Cruzamento da Av. Horta e Costa com a Av. Sidónio Pais
Nos extremos da Avenida Horta e Costa estão dois marcos: um fica junto ao Mercado Vermelho e outro por baixo do viaduto que dá acesso ao túnel da Guia. Têm a particularidade de serem uma raridade, únicos até, em termos de marcos toponímicos em Macau. Numa das faces a pedra tem a inscrição “Avenida Conselheiro Horta e Costa”.
Conhecido por ter sido governador, a ligação de Horta e Costa a Macau é anterior a essa nomeação. Capitão de engenharia, José Maria de Sousa Horta e Costa (1858-1927) tomou posse como director das Obras Públicas de Macau a 2 de Novembro de 1885 prestando “o juramento aos Santos Evangelhos de bem e verdadeiramente servir o referido lugar, debaixo do qual prometeu cumprir as suas obrigações”. Estava longe de saber que a experiência no cargo lhe seria muito útil anos mais tarde quando é nomeado governador de Macau por duas vezes. Primeiro de 1894 a 1897, e depois, de 1900 a 1902.
Enquanto responsável máximo pelo serviço de Obras Públicas, Horta e Costa fez publicar a 1 de Julho de 1886 um relatório onde faz o diagnóstico do território aos mais diversos níveis e de forma minuciosa: urbanismo, vias públicas, construção, conservação dos edifícios, arborização, saneamento, higiene e salubridade, etc. E também revela “dotes” de governante… Para ele era “importantíssimo que os orçamentos sejam feitos com todo o rigor. Pede-o o interesse da Colónia, que muitas vezes, julgando fazer uma obra por uma determinada quantia, se vê forçada a despender outra maior, distraindo-a para isso de verbas destinadas a um fim diverso; exige-o a dignidade do engenheiro, que nunca fica em muito boa posição, quando é forçado a fazer um orçamento suplementar, a não ser que se dêem causas verdadeiramente fortuitas e imprevistas”.
Desta forma, quando assume o cargo de governador pela primeira vez, Horta e Costa conhecia muito bem Macau. É, simultaneamente, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto de Sua Majestade o Imperador da China e Rei de Sião. Um cargo importante no contexto do problema dos limites de Macau e a consequente definição de fronteiras e a jurisdição sobre as ilhas da Lapa, D. João e Montanha. O assunto era melindroso, prolongou-se durante séculos e, em bom rigor, “só terminou com o fim da administração portuguesa”, segundo o professor António Aresta.
A Macau de Horta e Costa tem, segundo o censo de 1896 um total de 78.627 habitantes, dos quais 74.568 são chineses. Os portugueses eram 3.898. Os estrangeiros são em número reduzido e dividem-se entre dinamarqueses (4), suecos (1), siameses (1), americanos (7), japoneses (14), italianos (7), franceses (2), holandeses (1), espanhóis (14), mouros (26), alemães (5) e ingleses (79). A esmagadora maioria (70%) não sabe ler 70,4%. Existem apenas 1.523 estudantes e 55 professores. As profissões mais representativas são os marítimos (21.724), os criados (8.082) e as costureiras (4.662). É do seu tempo a inauguração do Liceu (1894) e enormes progressos na área da saúde. Em 1895 começa a funcionar no Leal Senado um Posto Médico permanente. O primeiro! Mas também vai viver o tufão de 29 de Julho de 1896 que deixou um enorme rasto de destruição e um número assinalável de mortos. Parte da cidade será reconstruída. O urbanismo é outra das marcas do governo de Horta e Costa. No artigo nº 26 do Código de Posturas Municipais do Concelho de Macau, de 19 de Dezembro de 1896, pode ler-se: “o Leal Senado não consentirá que as faces exteriores dos prédios construídos no estilo ou gosto europeu sofram qualquer modificação adequada ao gosto chinês, nem também que o aformoseamento de qualquer bairro, largo ou rua, seja prejudicado por novas construções à chinesa, a destoarem das existentes, ou do projecto de melhoramentos futuros”. Na realidade isso nem sempre veio a acontecer. A 8 de Junho de 1896 o Leal Senado decidiu atribuir a Horta e Costa o título de Cidadão Benemérito. Justificam tal distinção porque a ele “se deve o grande impulso havido para o saneamento da cidade, tendo sido para este fim expropriados dois bairros inteiros, como o de Volong e o de Tap-seac, que eram antes verdadeiros focos de infecção, e em breve serão os lugares mais saudáveis de Macau” e porque a “este ilustre governador se deve a remoção de um extenso cemitério china em Sakong, onde havia alguns milhares de cadáveres sepultados; por seu tino administrativo soube conseguir esta remoção, que sempre trazia desgostos e atritos, sem provocar a mínima queixa; este cemitério de Sakong está hoje convertido em um bairro de operários bem arruado e bonito com casas relativamente cómodas e elegantes”.
Horta e Costa seria governador de Macau uma segunda vez, de 1900 a 1902. Seguiu depois para a Índia onde foi governador geral do Estado da Índia até à República de 1910 altura em que pediu a demissão. Morreu em 1927 com a patente de coronel. Em Macau o seu nome está numa avenida e… numa rua. A razão da existência destes marcos (quando terão sido ali colocados?) pode estar no facto de, de alguma forma, delimitarem o que era o limite urbano da cidade no final do século XIX. Dali, até ao mar ou Porta do Cerco, só se avistavam algumas casas de fim-de-semana, as vilas, o Hipódromo e pequenas aldeias habitadas por chineses. Tudo o resto eram baldios, muito deles pantanosos.
Artigo da autoria de João Botas publicado no JTM de 23.10.2014
Na placa toponímica acima pode ler-se Avenida Conselheiro Horta e Costa
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