Imagem de um filme/documentário dos anos de 1930 |
No séc. 21 vista a partir da Fortaleza do Monte |
Recorro ao "Toponímia de Macau", da autoria do padre Manuel Teixeira para recordar a história da reconstrução da igreja Mater Dei. Uma reconstrução que nunca chegou a acontecer. O mote da campanha de angariação de fundos era "Avante pela reconstrucção de S. Paulo"
“A igreja começada em 1602, ficou concluída em 1603, sendo inaugurada na noite do Natal, tendo trabalhado nela cristãos japoneses fugidos da sua pátria devido às perseguições contra a religião. A fachada levou muitos anos a construir. Peter Mundy diz que a obras de cantaria já estava pronta em 1637; Cardim informa que ainda em 1640 se colocou nela uma imagem de N. Senhora; em 1608, fez-se a porta da igreja, da banda de oeste com seu arco de pedra e o corredor do coro. A 26 de Janeiro de 1835, um incêndio devorou completamente a Igreja e o Colégio de S. Paulo, ficando apenas de pé a fachada da Igreja.
Houve alguém que sonhou na reconstrução de S. Paulo. O sonhador foi o dr. António José Gomes, que nós muito bem conhecemos.
A 4 de Dezembro de 1904, o bispo de Macau D. João Paulino d’Azevedo e Castro celebrou missa nas Ruínas de São Paulo e lançou a primeira pedra para a reconstrução desse antigo e histórico templo, destinado à futura igreja paroquial de Santo Antônio. Subiu a um púlpito improvisado o Pe. Dr. António José Gomes, pároco da Santo António que, num sermão empolgante, pediu fundos para essa obra. Dizia ele:
«Este lugar é santo! estas venerandas ruínas, esta mole imensa de granito, aprumada e indestrutível, este majestoso frontispício, este colosso três vezes secular, que a despeito do olvido dos homens e das injúrias do tempo, se ergue ainda em toda a sua envergadura arquitectónica, rasgando as nuvens e desfraldando em pleno céu o lábaro sacrossando da Redenção… tudo isto está clamando que este lugar é santo… Uma escadaria, a mais ampla, a mais bela, a mais bem lançada que os meus olhos têm contemplado, servindo de escoadouro de lavaduras infectas, transformada em limiar de casas de gentio… Ai! Quantas injúrias não tens tu sofrido, ó preciosa relíquia da arte cristã! Tentaram roubar-te os santos de bronze, que adornam os teus nichos, para os fundirem, mas os santos não cederam o seu posto, foram mutilados, mas ficaram inabaláveis! Estilharam-te as colunas, britaram-te os capiteis, quebraram-te os ângulos, mancharam e poluíram as tuas bases … e, não obstante, tu aí estás ainda em pé, miraculosamente, para pungir a consciência de todos e cada um»!
Na peroração o dr. Gomes convidou os ouvintes a jurar que reconstruiriam a Igreja da Madre de Deus: «Soou a hora solene, chegou o momento crítico, o momento decisivo … o momento de fazermos sobre estas ruínas o mais solene dos juramentos! «Ah! se no meio de vós está alguém atrabiliário, algum inimigo desta obra santa e patriótica . . . saia! . . . fuja deste recinto . . . não queira ser um perjuro!»
Neste momento, um soldado disse para os que estavam junto dele: — «Não, eu é que não juro»; saltou e fugiu dali para não ser perjuro. O orador, a quem passou despercebido o incidente, continuou: — «Ninguém sai? . . . Ninguém se retira?».
E então fez o juramento, em nome de todos: — «A cidade de Macau, pela boca do vosso ministro, jura hoje solenemente, à face do céu e da terra, desagravar o Vosso Santo Nome, restituir-vos a vossa herança!» E terminava entusiasmado: — «Avante, senhores, avante pela reconstrução de São Paulo!»
Organizaram-se lotarias, promoveram-se quermesses e festas para angariar fundos, mas pouco se conseguiu.
Foram mandadas fazer na América várias tapeçarias com as gravuras da fachada, do bispo D. João Paulino e outros motivos religiosos. Mas, quando se abriu a grande remessa, viu-se que os bacios tinham no fundo a vera imagem do prelado!!! Foram logo retirados da venda. Existe ainda na Diocese um fundo dumas $20.000,00 em acções, chamado «Fundos da Reconstrução de S. Paulo».
Já antes do dr. Gomes, aparecera outro entusiasta da reconstrução: era o rico proprietário, comendador Albino da Silveira, que tencionava empregar a sua fortuna nessa obra. Chegou a mandar fazer o plano da igreja, aproveitando a fachada, mas com a sua morte em 31 de Outubro de 1902 morreu o seu projecto.”
“A igreja começada em 1602, ficou concluída em 1603, sendo inaugurada na noite do Natal, tendo trabalhado nela cristãos japoneses fugidos da sua pátria devido às perseguições contra a religião. A fachada levou muitos anos a construir. Peter Mundy diz que a obras de cantaria já estava pronta em 1637; Cardim informa que ainda em 1640 se colocou nela uma imagem de N. Senhora; em 1608, fez-se a porta da igreja, da banda de oeste com seu arco de pedra e o corredor do coro. A 26 de Janeiro de 1835, um incêndio devorou completamente a Igreja e o Colégio de S. Paulo, ficando apenas de pé a fachada da Igreja.
Houve alguém que sonhou na reconstrução de S. Paulo. O sonhador foi o dr. António José Gomes, que nós muito bem conhecemos.
A 4 de Dezembro de 1904, o bispo de Macau D. João Paulino d’Azevedo e Castro celebrou missa nas Ruínas de São Paulo e lançou a primeira pedra para a reconstrução desse antigo e histórico templo, destinado à futura igreja paroquial de Santo Antônio. Subiu a um púlpito improvisado o Pe. Dr. António José Gomes, pároco da Santo António que, num sermão empolgante, pediu fundos para essa obra. Dizia ele:
«Este lugar é santo! estas venerandas ruínas, esta mole imensa de granito, aprumada e indestrutível, este majestoso frontispício, este colosso três vezes secular, que a despeito do olvido dos homens e das injúrias do tempo, se ergue ainda em toda a sua envergadura arquitectónica, rasgando as nuvens e desfraldando em pleno céu o lábaro sacrossando da Redenção… tudo isto está clamando que este lugar é santo… Uma escadaria, a mais ampla, a mais bela, a mais bem lançada que os meus olhos têm contemplado, servindo de escoadouro de lavaduras infectas, transformada em limiar de casas de gentio… Ai! Quantas injúrias não tens tu sofrido, ó preciosa relíquia da arte cristã! Tentaram roubar-te os santos de bronze, que adornam os teus nichos, para os fundirem, mas os santos não cederam o seu posto, foram mutilados, mas ficaram inabaláveis! Estilharam-te as colunas, britaram-te os capiteis, quebraram-te os ângulos, mancharam e poluíram as tuas bases … e, não obstante, tu aí estás ainda em pé, miraculosamente, para pungir a consciência de todos e cada um»!
Na peroração o dr. Gomes convidou os ouvintes a jurar que reconstruiriam a Igreja da Madre de Deus: «Soou a hora solene, chegou o momento crítico, o momento decisivo … o momento de fazermos sobre estas ruínas o mais solene dos juramentos! «Ah! se no meio de vós está alguém atrabiliário, algum inimigo desta obra santa e patriótica . . . saia! . . . fuja deste recinto . . . não queira ser um perjuro!»
Neste momento, um soldado disse para os que estavam junto dele: — «Não, eu é que não juro»; saltou e fugiu dali para não ser perjuro. O orador, a quem passou despercebido o incidente, continuou: — «Ninguém sai? . . . Ninguém se retira?».
E então fez o juramento, em nome de todos: — «A cidade de Macau, pela boca do vosso ministro, jura hoje solenemente, à face do céu e da terra, desagravar o Vosso Santo Nome, restituir-vos a vossa herança!» E terminava entusiasmado: — «Avante, senhores, avante pela reconstrução de São Paulo!»
Organizaram-se lotarias, promoveram-se quermesses e festas para angariar fundos, mas pouco se conseguiu.
Foram mandadas fazer na América várias tapeçarias com as gravuras da fachada, do bispo D. João Paulino e outros motivos religiosos. Mas, quando se abriu a grande remessa, viu-se que os bacios tinham no fundo a vera imagem do prelado!!! Foram logo retirados da venda. Existe ainda na Diocese um fundo dumas $20.000,00 em acções, chamado «Fundos da Reconstrução de S. Paulo».
Já antes do dr. Gomes, aparecera outro entusiasta da reconstrução: era o rico proprietário, comendador Albino da Silveira, que tencionava empregar a sua fortuna nessa obra. Chegou a mandar fazer o plano da igreja, aproveitando a fachada, mas com a sua morte em 31 de Outubro de 1902 morreu o seu projecto.”
As ruínas assinaladas por mim num desenho de Cheong Pow de 1818 |
Em 1905 chegou a ser editado um pequeno livro intitulado "Sermão Pregado dentro das ruínas da egreja da Immaculada Conceição Vulgarmente chamada de S. Paulo em Macau por ocasião do lançamento da primeira pedra para a reconstrucção d´este antigo e histórico templo destinado a futura egreja Parochial de Santo Antonio".
Este sermão ocorreu a 4 de Dezembro de 1904 (no interior das ruínas), Anno Jubilar da Immaculada Conceição, e foi feito pelo padre António José Gomes, Doutor em Theologia, Parocho da freguesia de Santo António.
Excerto do sermão:
"Senhores: o que nos resta, pois, fazer d´esta ruina? Conserva-la, dizem alguns, conservar esta ruína, remover todo este lixo, gradear este recinto e pôr aqui uma vigia.
Senhores, isto não basta. Há muitos anos que uma tal resolução deveria ter sido tomada. Hoje, depois de tantos annos de profanação a mais ignóbil e vergonhosa, é mister recorrer à mais completa das desaffrontas e à mais solemne das reparações!
Conservar isto como ruína, dizem alguns, e basta. É uma obra d´arte antiga, é uma preciosa relíquia do passado, é uma pagina brilhante da historia de Macau; conserve-se, pois, como está, como monumento archeologico.
Quem fala d´este modo, meus senhores? Falam aqueles que nunca subiram essas escadas, aquelles que talvez hoje pela primeira vez entram dentro d´este recinto, aquelles que há trinta, quarenta e mais anos não visitam esta ruína!
E são estes pretensos admiradores de monumentos archeologicos que falam em conservar esta ruina! Elles que a votaram sacrilegamente a todas as profanações as mais odiosas! Conservar esta ruina, quando tanto se tem feito pela derruir! Conservar esta ruina sagrada ao pé d´um templo idolatra! Conservar esta preciosa relíquia da arte christã no meio d´um foco de peste, d´essa montureira que se estende por ali abaixo, com centenares de suínos a refocilarem-se dentro e fóra d´ella! Conservar a mais bela ruina de Macau, a mais bela ruina do Oriente, no meio d´um bairro, talvez o mais sujo e repelente, que existirá sobre a face da terra!
Oh! Não, nunca! Venha mais depressa uma horda vandálica, sacrílega e brutal, e derrua tudo! Saccudam essas columnas, fundam esses bronzes, revolvam esses alicerces, varram essa mole de granito, rasguem essa pagina gloriosa da historia de Macau, apaguem esse pharol inexistingivel da fé dos nossos maiores! Façam tudo isso, se podem!
Mas se não podem, se o vandalismo em arte e o sacrilégio em religião os faz recuar, se o dedo oculto de Deus sustenta essa mole de granito, então nada mais resta que reedificar. "
Excerto do sermão:
"Senhores: o que nos resta, pois, fazer d´esta ruina? Conserva-la, dizem alguns, conservar esta ruína, remover todo este lixo, gradear este recinto e pôr aqui uma vigia.
Senhores, isto não basta. Há muitos anos que uma tal resolução deveria ter sido tomada. Hoje, depois de tantos annos de profanação a mais ignóbil e vergonhosa, é mister recorrer à mais completa das desaffrontas e à mais solemne das reparações!
Conservar isto como ruína, dizem alguns, e basta. É uma obra d´arte antiga, é uma preciosa relíquia do passado, é uma pagina brilhante da historia de Macau; conserve-se, pois, como está, como monumento archeologico.
Quem fala d´este modo, meus senhores? Falam aqueles que nunca subiram essas escadas, aquelles que talvez hoje pela primeira vez entram dentro d´este recinto, aquelles que há trinta, quarenta e mais anos não visitam esta ruína!
E são estes pretensos admiradores de monumentos archeologicos que falam em conservar esta ruina! Elles que a votaram sacrilegamente a todas as profanações as mais odiosas! Conservar esta ruina, quando tanto se tem feito pela derruir! Conservar esta ruina sagrada ao pé d´um templo idolatra! Conservar esta preciosa relíquia da arte christã no meio d´um foco de peste, d´essa montureira que se estende por ali abaixo, com centenares de suínos a refocilarem-se dentro e fóra d´ella! Conservar a mais bela ruina de Macau, a mais bela ruina do Oriente, no meio d´um bairro, talvez o mais sujo e repelente, que existirá sobre a face da terra!
Oh! Não, nunca! Venha mais depressa uma horda vandálica, sacrílega e brutal, e derrua tudo! Saccudam essas columnas, fundam esses bronzes, revolvam esses alicerces, varram essa mole de granito, rasguem essa pagina gloriosa da historia de Macau, apaguem esse pharol inexistingivel da fé dos nossos maiores! Façam tudo isso, se podem!
Mas se não podem, se o vandalismo em arte e o sacrilégio em religião os faz recuar, se o dedo oculto de Deus sustenta essa mole de granito, então nada mais resta que reedificar. "
Na contra capa da referida publicação pode ler-se: "Qualquer donativo que seja oferecido em troca d'Este Opusculo reverterá em benefício da reconstrução De S. Paulo e podem ser enviado ao auctor Parochia de Santo Antonio China Macau."
O convite e parte do projecto arquitectónico da reconstrução
Quem estava por esta altura em Macau era Emílio de Paiva que testemunhou este evento.
A igreja da Mater Dei foi inaugurada na véspera de Natal do ano de 1603.
Meu Deus, como essa fachada me fascina !!!
ResponderEliminarobrigada por todo este trabalho,
tenho de fazer um post sobre ela :)))
na altura devia ter o impacto de um prédio do Dubai, nos dias de hoje…
abraço
Boas Festas, Natal Feliz
Angela
É de facto fascinante... Altura são 26 metros, salvo erro, mas tendo em conta a época (séc. 17) a posição/localização proporcionava uma vista privilegiada sobre a baía. Veja neste link de um outro post como Scorcese idealizou o que seria essa vista no filme "Silêncio"... Boas Festas!
ResponderEliminarhttp://macauantigo.blogspot.com/2017/01/ainda-o-filme-silencio-de-martin.html