sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Adolpho Loureiro in "No Oriente, de Nápoles à China"

Adolpho/Adolfo Loureiro (1836-1911), formou-se em Matemática em 1856 na Universidade de Coimbra e em Engenharia Civil em 1859. Em 1858 entrou na Escola do Exército (1858)  seguindo a carreira militar.  Neste âmbito notabilizou-se nas obras do porto de Macau recebendo do Leal Senado logo em 1884 a honra de ter o seu nome num arruamento. Foi autor de mais de duas dezenas de publicações de carácter literário e profissional sendo a mais importante a que fez tendo por base o seu diário de viagem e que intitulou "No Oriente – De Nápoles à China". Essa viagem levou-o até Macau tendo privado com nomes como Demétrio Cinatti, Capitão do Porto de Macau e Eduardo Marques, reputado sinólogo e intérprete da Procuratura dos Negócios Sínicos de Macau.
Políticamente activo, Adolfo Loureiro criticou a posição política de Portugal em Macau por altura da revolta de Cantão em Setembro de 1883, sem contudo deixar de mencionar que o seu próprio país, por falta de tratado com a China, não tinha ali cônsul para proteger o macaísta envolvido.Observador atento da realidade macaense da época,  realçou temas como o mandarinato, o sistema judicial e penal, a questão da pirataria e até a linguística, nomeadamente o patuá.
Foi Presidente das Associações dos Engenheiros, Arquitectos e Arqueólogos, assim como de diversas sociedades científicas, literárias e artísticas no país e estrangeiro. Exerceu ainda o cargo de Vice-Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa.

Em baixo publico alguns excertos de "No Oriente, de Nápoles à China: diário de viagem", uma obra de dois volumes publicados pela Imprensa Nacional, 1896-1897, um relato da viagem do autor ao Oriente - Singapura, Hong-Kong, Macau, Cantão e Batávia - em 1883, tendo estado seis meses em Macau onde existe uma estrada com o seu nome. Fica entre a Av. Sidónio Pais e a Estrada Coelho do Amaral.
Os relatos do diários são feitos logo após a chegada do autor a Macau.
"16 de Setembro de 1883
(...) Seguimos, depois, por umas ruas bordadas de lojas de objectos velhos e entrámos no chamado "bazar chinês", bairro em parte modernamente construído, já com certa regularidade e asseio, e onde há um movimento e animação extraordinários. São ali as lojas dos objectos de proveniência da China, desde os bens sortidos armazéns e estâncias de fruta e de comestíveis até os panos, seda e ourivesaria. As ruas são limpas e alinhadas, mas estreitas. As casas, todas da mesma construção e feitio, com as lojas decoradas com grandes tabuletas douradas, onde se lêem sentenças e máximas chinas, e ornamentadas com flores e lanternas. O bulício e o burburinho são grandes e enorme a concorrência de homens e mulheres chinesas, vendo-se entre estas algumas de pés microscópios, andando dificilmente e abordoadas a um guarda-sol, conservando um difícil equilíbrio sobre aqueles pequenos pés calçados com sapatinhos de bonecas.
Havia por ali numerosas casa de jogo do fantan, que se distinguiam pela sua pintura verde e por grandes lanternas, tendo à entrada nichos e altares onde ardiam pivetes e velas, alumiando feios ídolos pintados com cores muito vivas em posições arrogantes e com dragões e feras impossíveis. As casas da lotaria de vae-seng, do pacapio e de outros jogos eram também muito frequentadas e distinguiam-se igualmente pelas grandes lanternas, tabuletas, flores e pinturas em quadros muito alongados e estreitos. É que o jogo de azar é o vício dominante do chinês e que da exploração desse vício tirámos nós o principal rendimento da colónia, arrematando o exclusivo de tais jogos. É este o caso do fim não justificar os meios..."
"18 de Setembro de 1883
(...) A Ilha Verde, pequeno cone que emerge das águas, e onde existe uma casa pertencente ao seminário ou à mitra, é um soberbo bloco de granito onde no entanto a árvore do pagode conseguiu introduzir as suas raízes pelas fendas da rocha, vestindo a penedia de um manto de verdura. Há aí, no caprichoso dos blocos graníticos e na força vegetativa daquela árvore, efeitos muito belos. Lembro-me de ver um penhasco suspenso em um árvore, que se havia introduzido por uma fenda da rocha, e que no seu crescimento o havia erguido a certa altura. Depois de jantar, a que me fez companhia o tenente Cinatti, voltámos ao porto e à Ilha Verde, onde desejava ver o espraiado da baixamar."
"19 de Setembro de 1883
(...) No meu regresso entrei no pequeno jardim público, que tinha antigamente a forma de um jardim simétrico e regular, medido e traçado a compasso, e que o meu colega Brito tentou transformar em jardim e parque moderno, à inglesa. Está muito limpo e varrido e é este o seu único mérito, tendo muito pequena área e sendo vulgares as plantas que o adornam. Um guarda e jardineiro mostra-se como a medo e oferece a figura a mais extraordinária e original que é possível imaginar. É um china, um verdadeiro china de rabicho, mas vestido de cabaia e calção encarnados! Soube depois que para aquela pitoresca toilette fora aproveitado um pano de mesa, ou uns velhos reposteiros, que havia nas Obras Públicas. Mais extravagante do que aquela figura só ali vi a de muitas plantas em vasos a que a paciência e teimosia do chinês contrafizera por muito tempo, até obrigá-las a tomarem a forma de um dragão, de uma ave, de um mandarim ou mandarina, etc... Para a semelhança ser maior, adicionavam-lhes pequenas cabeças de porcelana e olhos de vidro reluzentes. Parece que o chim se compraz em contrariar a natureza. Pois pode admitir-se uma laranjeira, um pinheiro de vinte e trinta anos de idade, vivendo em um pequeno vaso de barro?! (...)
20 de Setembro de 1883
(...) Ao pôr do sol fui ao jardim público onde tocou a banda do corpo de Polícia, por ser quinta-feira. É toda composta de indígenas de Goa, que executam muito sofrivelmente músicas clássicas, peças italianas e composições escolhidas. A concorrência era pequena, e por entre os passeantes perpassava, mefistofélio, o guarda do jardim com a sua cabaia encarnada."
"22 de Setembro de 1883 - Fui hoje, sob um calor intenso, inspeccionar os hidrómetros instalados. Às três horas da tarde dirigi-me ao da enseada de D. Maria II, acompanhado por Cinatti, Talone e Cunha. Para se chegar a este hidrómetro, assente na extremidade de uma restinga, foi mister entrar em uma pequena champana de pescador, onde o mar nos molhou a todos. Foi agradável aquele banho. Há ali um sítio encantador. Pequenas cabanas de pescadores orlam a costa. Muito próximo, sobre umas rochas cortadas a prumo e batidas pelo mar, olhando para a enseada e para as nove ilhas, fica o pitoresco pagode chinês cercado de muros pintados de amarelo e com um pequeno jardim ensombrado por alguns formosos exemplares da árvore do pagode. É esplêndida de mimo e de poesia aquela situação do modesto templo. (...)"
 "24 de Setembro de 1883 - Às cinco horas da manhã embarquei com o tenente Cinatti na lancha a vapor Macau, que se acha no porto para o serviço do governador. Dirigimo-nos à Taipa e descemos pelo canal de Coloane, passando em frente da povoação deste nome, que oferece uma perspectiva muito risonha. Neste canal desemboca a denominada Ribeira da Pedra, por onde se desvia na vazante grande massa de água do Broadway, não tanto como a que sai pelo canal da Taipa. Aquela ribeira passa ao sul da Ilha de D. João, ou de Macarira, ilha que nos pertence e que é muito acidentada e despida de vegetação. Demos a volta à ilha de Coloane, que é bonita, e subimos pelo canal da Taipa, por onde antigamente se fazia a entrada em Macau e que hoje está muito assoriado e baixo. Soprava um vento rijo e fresco e o mar estava muito encapelado, com uma vaga curta e desencontrada que imprimia à Macau movimentos sacudidos e incómodos, enxovalhando-a com a espuma e o salpico das águas (...)"


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