No livro "Oriente conquistado a Jesus Christo pelos Padres da Companhia de Jesus da província de Goa" da autoria do jesuíta Francisco de Sousa (1649-1712) fica-se com uma ideia muito precisa do que era Macau na primeira década da instalação definitiva dos portugueses (1557-1567).
«Haveria nesse tempo na cidade de Macau novecentos Portugueses, além de um grande número de Cristãos da terra, que davam larga matéria ao exercício de nossos ministérios. Frequentavam-se os Sacramentos de oito em oito, ou quinze em quinze dias. Nos Domingos e dias santos acudiam à doutrina perto de mil escravos, com os quaes se fez muito fruto. Casaram-se algumas órfãs e muitos Cristãos da terra, que de largo tempo viviam em pecado. Embarcaram-se para a Índia mais de quatrocentas e cinquenta escravas de preço: e na última nau que partiu para Malaca, se embarcaram ainda duzentas, que eram as mais perigosas e as mais difíceis de se lançarem fora. E este foi um dos maiores benefícios que se fez a Deus pela grande soltura que havia naquele vício. Porém muito melhor fora casá-las no mesmo país do que mandar inficionar a Índia com esta peste, que se muda de clima, nem por isso melhora de procedimentos. Compram os Portugueses esta droga em várias Províncias do Oriente, como na China e Bengala, com o pretexto de as fazerem Cristãs e depois as trazem aos nossos portos, onde são de pouca utilidade à bolsa de seus senhores e não sei se de maior prejuízo àss almas. Apenas tem hoje os Portugueses na índia um pão para comer, e cada um sustente em sua casa um convento de mulheres com título de tangedoras e músicas e com outros ofícios excusados, que causam riso e talvez escândalo aos Holandeses muito mais ricos e com tudo mais parcos e modesto no serviço doméstico de suas famílias . Os Ofícios da Semana Santa se fizeram com muita devoção e majestade, e o que mais admirou os chinas foi a procissão da madrugada da Ressureição. Estavam as ruas custosamente armadas. parecia a igreja Matriz um paraíso. Levou o Santíssimo o P. Luís Fróis à petição do Vigário. Soava muita quantidade de chamarelas, flautas, violas de arco, pífaros e tambores, a cujo som floreavam com muito ar e graça esgrimidores de montantes e outras várias danças e folias. Iam por ordem na procissão seiscentas tochas, além de inumeráveis luzes do povo, que a acompanhava o Santíssimo. Estavam as meninas pelas janelas com grinaldas nas cabeças e salvas de prata nas mãos cheias de rosas e redomas de água rosada, que lançavam por cima do pálio, e da gente, que passava. Os Chinas gentios, assim naturais da Ilha, como da terra firme de cantão, seguiram à pompa até às portas da igreja e pasmaram de ver tanta gente ouvir o Pregador com tanto silêncio: e quando entravam na igreja para ver o concerto dela e as Imagens se punham de joelhos, beijavam a terra e levantavam as mãos para o Céu ».
Francisco de Sousa nasceu na Baía (Brasil) em 1649. Aos 14 anos passou para a Companhia de Jesus já em portugal e pouco depois, em 1665, partiu para Goa onde morreu em 1712. Foi em Goa que estudou Letras, Filosofia e Teologia. Por ordem do padre-geral da Ordem, Tirso Gonzalez, empreendeu a narração dos trabalhos dos jesuítas no Oriente, de que publicou dois volumes em 1710 com o título "Oriente conquistado a Jesus Cristo pelos Padres da Companhia de Jesus da Província de Goa".
Neste livro refere-se, por exemplo, a primeira embaixada que partiu de Macau rumo a Chaoquim, em 1582.
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