"Comemorou-se o 16.° aniversário (Nota do autor do blog: da implantação da República na China) de uma maneira brilhante, com deslumbrantes iluminações, procissão china, cortejo de estudantes, escolas patentes ao público, distinguindo-se as Son-Sat, Pui-Man, C’ong-Can e Vau-Mon, pelos trabalhos apresentados; com duas recepções promovidas pela comunidade chinesa no Hospital de Kiang-Hú, onde se fêz ouvir a nova banda do Corpo de Polícia, uma destinada só a chineses e outra à população portuguesa e estrangeira, à qual foi servido um «copo de água»; uma outra recepção no Cinema Vitória promovida pelo «South China», e muitas outras manifestações particulares, como queima de panchões, os altares familiares profusamente acêsos, o leão passeando pelas ruas onde féz farta colheita de patacas; feriados e lojas fechadas, bandeiras e decorações várias, etc., tendo até os nossos navios e estabelecimentos públicos acompanhado o regozijo, embadeirando.
Por tôda a parte, arcos triunfais ou pórticos, luzes, flores. Erigiram os chineses, em Macau, quarenta e dois pórticos, alguns monumentais e todos profusamente iluminados com luzes eléctricas, algumas variando periódicamente de côres, formando um conjunto totalmente diferente dos nossos congéneres. O ric-chó que nos leva, por vezes pára ou diminui a marcha até que o culi, com uma exclamação gutural, abra caminho por entre os grupos de curiosos, gente de mar que está, como os rapazes, embevecida ante as luzes, os bonecos e as complicadas decorações. Centenas, milhares de tankás, negrejam nas águas lodosas, sob o cheiro da maresia e do peixe salgado, e algumas lorchas projectam no pôrto sombrio suas fiadas de lanternas festivas.
Na praia do Manduco, à porta do Pagode «Tu-Tai-Miu», em altar de festa, cheio de luzes, de velas, de pivetes, no perfume do sândalo queimado, com oferendas várias aos espíritos, tijelas de arroz, flores, bolos, frutas, comidas, objectos estranhos, de um significado que desconhecemos, ocupava o lugar de honra o retrato do dr. Sun-lat-Sen; em lojas pobríssimas, miseráveis, a cada passo, depára-se com o mesmo retrato, do apóstolo, do símbolo, do expoente máximo das aspirações do sul da China, na mesma devoção feita de luzes, de fitas e de flores.
A avenida Almeida Ribeiro, artéria nova da cidade, que corta ao meio o bairro china ou Bazar, duma a outra costa da minúscula peninsula de Macau, oferecia um aspecto feérico, tantas eram as luzes. Nalguns-pontos, caminhava-se sob uma verdadeira abóbada de lumes, e os estabelecimentos «Kuo-Kuong», «Sin-Sin» e «San-Kuong», que é como quem diz, os Grandela e Armazéns do Chiado de Macau, ostentavam as montras ornamentadas a capricho, mostrando quadros com figuras em movimento, representando guerras, feras, dragões, etc., ante os quais o china, empilhado até ao meio da rua, parava admirando aqueles primores que tanto lhe falam à imaginação. Num estabelecimento, um dragão perfeitissimo, que parecia só feito de cór e de luz, de bôca hiante, lingua trémula, e olhos de fogo coruscantes, ondulando lentamente a querer apanhar a esfera misteriosa que sempre o acompanha a fugir-lhe na frente, punha a admiração nos semblantes dos espectadores que, caso digno de nota, não costumando uma multidão chinesa dar sinal de si pelo barulho ou ruido que entre nós é costume ouvir-se, já ali começava a manifestar um sussurro a que na China não estávamos habituados. Mas sussurro sem desordem nem atropêlos; havendo tantos milhares de chinas reunidos no Bazar, muitos vindos de fora, e entre os quais, certamente, piratas e facinoras à mistura, não se registou na polícia um roubo, uma rixa, um incidente sequer.
Extranho povo! Embrenhemo-nos no Bairro Chinês: assim, perde-se a noção da Europa. As ruas estreitas, as lojas exóticas, de tabolelas verticais onde brilham caracteres misteriosos como sinais de magia, a multidão que passa, os sons, as casas de comidas que se deparam a cada passo, expondo acepipes extravagantes à tentação do freguês. Os principais hoteis, o «Canton Hotel», o «N’g-Chau Hotel», o «Hi-Un Hotel» e outros «colaus», têm nas varandas milhares de lanternas de fantasia e lá dentro ouve-se a toada dolente, fatídica e arrastada das cantigas das Pi-Pai-Chai, acompanhando as notas suaves do piano china, à mistura com o matraquear irritante das pedras do Mach’oc.
Por tôda a parte, arcos triunfais ou pórticos, luzes, flores. Erigiram os chineses, em Macau, quarenta e dois pórticos, alguns monumentais e todos profusamente iluminados com luzes eléctricas, algumas variando periódicamente de côres, formando um conjunto totalmente diferente dos nossos congéneres. O ric-chó que nos leva, por vezes pára ou diminui a marcha até que o culi, com uma exclamação gutural, abra caminho por entre os grupos de curiosos, gente de mar que está, como os rapazes, embevecida ante as luzes, os bonecos e as complicadas decorações. Centenas, milhares de tankás, negrejam nas águas lodosas, sob o cheiro da maresia e do peixe salgado, e algumas lorchas projectam no pôrto sombrio suas fiadas de lanternas festivas.
Na praia do Manduco, à porta do Pagode «Tu-Tai-Miu», em altar de festa, cheio de luzes, de velas, de pivetes, no perfume do sândalo queimado, com oferendas várias aos espíritos, tijelas de arroz, flores, bolos, frutas, comidas, objectos estranhos, de um significado que desconhecemos, ocupava o lugar de honra o retrato do dr. Sun-lat-Sen; em lojas pobríssimas, miseráveis, a cada passo, depára-se com o mesmo retrato, do apóstolo, do símbolo, do expoente máximo das aspirações do sul da China, na mesma devoção feita de luzes, de fitas e de flores.
A avenida Almeida Ribeiro, artéria nova da cidade, que corta ao meio o bairro china ou Bazar, duma a outra costa da minúscula peninsula de Macau, oferecia um aspecto feérico, tantas eram as luzes. Nalguns-pontos, caminhava-se sob uma verdadeira abóbada de lumes, e os estabelecimentos «Kuo-Kuong», «Sin-Sin» e «San-Kuong», que é como quem diz, os Grandela e Armazéns do Chiado de Macau, ostentavam as montras ornamentadas a capricho, mostrando quadros com figuras em movimento, representando guerras, feras, dragões, etc., ante os quais o china, empilhado até ao meio da rua, parava admirando aqueles primores que tanto lhe falam à imaginação. Num estabelecimento, um dragão perfeitissimo, que parecia só feito de cór e de luz, de bôca hiante, lingua trémula, e olhos de fogo coruscantes, ondulando lentamente a querer apanhar a esfera misteriosa que sempre o acompanha a fugir-lhe na frente, punha a admiração nos semblantes dos espectadores que, caso digno de nota, não costumando uma multidão chinesa dar sinal de si pelo barulho ou ruido que entre nós é costume ouvir-se, já ali começava a manifestar um sussurro a que na China não estávamos habituados. Mas sussurro sem desordem nem atropêlos; havendo tantos milhares de chinas reunidos no Bazar, muitos vindos de fora, e entre os quais, certamente, piratas e facinoras à mistura, não se registou na polícia um roubo, uma rixa, um incidente sequer.
Extranho povo! Embrenhemo-nos no Bairro Chinês: assim, perde-se a noção da Europa. As ruas estreitas, as lojas exóticas, de tabolelas verticais onde brilham caracteres misteriosos como sinais de magia, a multidão que passa, os sons, as casas de comidas que se deparam a cada passo, expondo acepipes extravagantes à tentação do freguês. Os principais hoteis, o «Canton Hotel», o «N’g-Chau Hotel», o «Hi-Un Hotel» e outros «colaus», têm nas varandas milhares de lanternas de fantasia e lá dentro ouve-se a toada dolente, fatídica e arrastada das cantigas das Pi-Pai-Chai, acompanhando as notas suaves do piano china, à mistura com o matraquear irritante das pedras do Mach’oc.
Caminhamos sempre e vamos cair no meio duma multidão compacta, no Largo do Matapau, mas que abre passagem ao nosso ric-chó. Ergue-se ali uma construção de uns vinte metros de altura, em frente do Pagode de «Hon-Kong-Miu», erguida sem o auxilio de um prego, com a armação em bambu, e que serve como de palco para representação dos «Mou-Tau-Hi» - cabeças de pau - ou títeres, que os chineses, grandes e pequenos, homens e mulheres, do meio da rua, como verdadeiras crianças, contemplam extáticos, durante horas, ao som duma orquestra infernal. Os gramofones, profusamente espalhados pelos estabelecimentos e tocando músicas chinas, que os nossos ouvidos tanto custam de comêço a admitir, completam o quadro, se é que o conseguimos descrever. Mas não tem reversos tôda esta fantasia? Tem, certamente, mas para que manchá-la se o que convém guardar das coisas é aquilo que só nos impressiona bem? A febre da luz prolongou-se quási até dia claro; às cinco da manhã, ainda a margem do pôrto interior brilhava nos seus pórticos iluminados."
Crónica do Capitão-tenente Jaime do Inso publicada no jornal O Comércio do Porto, a 14 de Dezembro de 1927 e depois na edição de Janeiro de 1928 do Boletim da Agência Geral da Colónias. As comemorações referidas são relativas ao 10 de Outubro de 1927.
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