“Tem-se aventado a lenda de que Macau nunca reconheceu a soberania espanhola e que, por isso, foi esta a única colónia onde a nossa Bandeira continuou sempre a flutuar.
Bento da França, em Macau e seus habitantes (pág. 16), escreve: ‘Tendo-se recebido em Manila a notícia da união de Portugal e da Espanha, o governador das Filipinas mandou partir para Macau o Jesuíta Alonso Sanches, o qual ia promover ali a aclamação de D. Filipe. Este padre sofreu muitos contratempos na viagem, lutou com a má vontade dos chinas, e só chegou a Macau em Maio (1582), tendo partido em Janeiro. Foi muito mal recebido, e retirou sem ter conseguido cousa alguma: a bandeira portuguesa continuou hasteada em Macau.’
Inventaram-se até dois partidos, atirando um bispo contra o outro, como numa arena de gladiadores, segundo se lê no Resumo da História de Macau de Eudore de Colomban (pág. 14): ‘Alguns, porém, e entre eles o Bispo D. Melchior Carneiro, protestando serem bons patriotas também, puseram-se do lado prático da situação, fazendo ver as dificuldades que viriam de uma oposição sistemática à Metrópole. Dos dois partidos, o de Leonardo de Sá, que era o dos patriotas intransigentes, foi o que prevaleceu; e, para o interesse da Colónia, nunca a bandeira espanhola foi aí arvorada. Para conservar os chineses iludidos a respeito da situação política em Portugal, procurou-se, pouco a pouco, acalmar a agitação dos espíritos, de maneira que a Colónia nunca se revoltou propriamente contra a dominação castelhana, nem a ela se sujeitou’. Tudo isto é redondamente falso.
O Conselho Real das Filipinas e o governador D. Gonçalo Ronquillo Peñalosa (1580-1583) enviaram a Macau, em 1582, o P. Alonso Sanchez, S.J., para anunciar a reunião das Coroas da Espanha e de Portugal sob Filipe II que se realizara em 1580.
O Conselho Real das Filipinas e o governador D. Gonçalo Ronquillo Peñalosa (1580-1583) enviaram a Macau, em 1582, o P. Alonso Sanchez, S.J., para anunciar a reunião das Coroas da Espanha e de Portugal sob Filipe II que se realizara em 1580.
No seu livro A História e os Homens da Primeira República Democrática do Oriente (pág. 249), escreve o Dr. Almerindo Lessa: ‘A cidade vive inquieta durante o interregno filipino e se é certo que dentro dos próprios muros houve excitações e se esboçaram partidos a favor da Espanha, a verdade é que enquanto o Capitão Mor, alguns fidalgos, certos padres e o próprio bispo juraram obediência ao intruso, os moradores fechavam a boca, não se comprometiam’.
Quanto à excitação e partidos, explica ele em nota: ‘As divergências suscitadas entre os cidadãos pelas lutas de 1580, não podem deixar de enquadrar-se na crise de consciência política que nessa ocasião tanto afectou os portugueses. Formaram-se até dois partidos: um lusófilo, chefiado pelo Bispo D. Leonardo de Sá, abertamente nacionalista, digamos francamente português; e outro, universalista, dominado por preocupações apenas de apostolado, comandado por D. Melchior Carneiro. E se o primeiro vence, é porque conta com o apoio dos chineses, que preferem a continuidade dum rei lusitano’. Tudo isto é pura fantasia. Em 1580 não houve aqui excitação alguma; a nova da perda da independência só chegou a Macau dois anos depois. Nem em Macau havia muros…
Ele fala de ‘certos padres’ e cita apenas um tal P. António Ribeiro, que nunca existiu em Macau. O mesmo se diga de ‘alguns fidalgos’, que são inventados. Quanto ao ‘próprio bispo’, não foi um, mas dois – Carneiro e Sá – os quais prestaram ambos o juramento no mesmo dia. Quanto aos moradores, não fecharam a boca, mas foram representados pelos quatro regedores eleitos pelo povo.
Eis o que realmente se deu: o Vice-Rei, D. Francisco Mascarenhas, ordenou a Macau que prestasse fidelidade a D. Filipe II. Todos obedeceram, incluindo o novo capitão-mor Aires Gonçalves de Miranda, e fez-se o juramento em 18 de Dezembro de 1582, segundo refere um cronista espanhol: ‘Os juramentos do Capitão-mor, Bispo e Nobreza de Macau foram pronunciados, depois de confirmada a nova pelo Sr. Conde Vice-rei da Índia, a 18 de Dezembro de 1582, no Colégio de S. Paulo da Companhia de Jesus, estando presente o Capitão-mor D. Gonçalves de Miranda, os Reverendíssimos D. Melchior Carneiro, Patriarca da Etiópia, D. Leonardo de Sá, Bispo da China, o P. Alexandre Valignano, Visitador Geral dos Padres da Companhia da Índia, China e Japão, o Ouvidor Gonçalves, Melchior Correia, Francisco Rodrigues, Inácio Moreira, Amador da Cunha, Domingos Segurado e outros. A provisão do V. Rei foi lida pelo escrivão Rodrigo Mexias, sendo então feito o juramento de fidelidade a Filipe II’. A Bandeira das Quinas continuou a flutuar, pois, nas Cortes de Tomar fora estipulado que as colónias portuguesas continuassem com a nossa Bandeira e com administração própria. Era capitão-mor da Viagem do Japão D. João de Almeida, que então governava Macau; era Bispo efectivo D. Leonardo de Sá e Bispo resignatário D. Melchior Carneiro e Ouvidor Matias Panela’. (...)
“Pouco depois de Macau ter prestado juramento de fidelidade a Filipe II, D. Leonardo de Sá, em 1583, convocou os cidadãos mais grados da Colónia, que resolveram formar uma Municipalidade ou Câmara, a que deram o nome de Senado. Já existia em 25 de Fevereiro de 1584, pois, nessa data, segundo refere Mateus Ricci no seu Diário, chegou a Nau da Prata ao Japão: ‘… chegada a nau do Japão a Macau, o P. Ruggieri regressou com bastante dinheiro que lhe havia dado de esmola a Câmara da Cidade e outros amigos.’
A Câmara foi aprovada pelo Vice-Rei da Índia, D. Francisco Mascarenhas, Conde de Santa Cruz. Este partiu de Lisboa a 8 de Abril de 1581, chegou a Goa a 16 de Setembro e governou até 25 de Novembro de 1584. Portanto, ele aprovou a fundação da Câmara de Macau nesse ano de 1584, o que concorda inteiramente com o que nos diz o P. Ricci sobre a existência da Câmara nesse ano.”
No ano seguinte, a povoação era elevada a cidade. É também do Pe. Manuel Teixeira esta assertiva conclusão: “Temos, pois: em 1557, uma povoação com casas de palha ou de ramos de árvores sem ‘ordem de governo’; em 1585, uma cidade com alvará e com uma organização perfeita de governo.”
Pe. Manuel Teixeira in “Primórdios de Macau”, ICM, 1990
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