A fixação dos portugueses em Macau que se pensa ter sido pelo ano de 1557, deveu-se em grande parte, não a um interesse directo no comércio com a China, mas decorreu antes da rivalidade existente à época entre a China e o Japão. De facto, as duas nações estavam de costas voltadas e os portugueses aproveitaram essa oportunidade, para servirem de intermediários no comércio.
Macau passava também a ser uma excelente escala na rota da “grande nau” que anualmente efectuava a viagem entre o Japão e a Índia. Aliás, antes de existirem governadores, quem administrava Macau era precisamente o “capitão da nau da viagem”, como lhe chamavam nesses tempos os cronistas e que o historiador Charles Boxer tão cuidadosamente estudou, nomeadamente no seu livro a “Grande Nau de Amacon”. Não é de admirar por isso, que os canteiros que fizeram a admirável fachada das ruínas de S. Paulo tenham sido, e poucos saibam, japoneses. Igualmente japoneses foram os construtores e moradores das casas da Rua da Palha.
Hoje, desses tempos, restam creio que apenas uma, ou duas, que conservam a traça original, junto à embocadura da rua com a escadaria que dá acesso às ruínas. Portanto nessa época, eram os portugueses que serviam de intermediários entre a China e O Japão, comprando nomeadamente a seda chinesa, com a prata abundantemente extraída das minas do Império do Sol Nascente.Mas porquê japoneses construtores em Macau.
A razão está explicada neste livro de Benjamim Videira Pires chamado “A Embaixada Mártir”. Nesta obra, dada à estampa em 1965, embora a edição que tenho aqui seja do Instituto Cultural datada de 1988, o historiador jesuíta relata os tempos conturbados do Japão, à época da unificação do império e da luta entre os “shoguns”, ou seja os grandes senhores da guerra que dividiam o arquipélago nipónico em feudos.
Essa luta apanhou de permeio os portugueses, que acabariam por ser atingidos. É que, principalmente através dos jesuítas, a religião católica encontrava-se na altura em pleno florescimento e alguns “shoguns” tinham mesmo adoptado o novo credo nas regiões que dominavam.
Esta situação verificava-se principalmente no Sul do país e particularmente em Nagazaqui o grande porto onde os navios portugueses ancoravam. Na luta pelo predomínio entre os “shoguns”, alguns deles adoptaram mesmo o catolicismo como bandeira política e saíam para a guerra com os estandartes de Cristo, da Virgem e de vários santos em vez das flâmulas militares. Os que o fizeram porém acabariam por se ver derrotados. Em consequência, os decretos de proibição da religião católica sucederam-se a partir de 1614 e um conjunto de massacres contra cristãos foi tendo lugar nas décadas subsequentes, cada um mais sangrento que o seguinte.
Tudo isto concorreu para que o comércio de Portugal com o Japão conhecesse um fim dramático com o encerramento dos Portos, a fuga dos comerciantes, soldados, marinheiros, e também dos japoneses convertidos. Já depois do fim das relações entre Portugal e o Japão, Macau fez ainda uma tentativa de reabrir o comércio com o Império do Sol Nascente que tinha cessado e arruinado, por isso, a cidade. É dessa tentativa que Benjamim Videira Pires nos fala em a Embaixada Mártir. Uma tentativa fracassada que terminou em mais um massacre, ou seja o de toda a embaixada enviada por Macau, trucidada em Nagazaqui.
Resta lembrar quem foi o autor desta monografia. O padre jesuíta Benjamim Videira Pires nasceu em Torre de D. Chama, Mirandela, em 1916 e ali faleceu, em Janeiro de 1999. A maior parte da sua vida viveu-a aqui em Macau. Exactamente meio século. Licenciado em teologia pela universidade Cartuja, foi ordenado padre em 1945. Em 1948 embarcou para Macau. Este homem que viria a notabilizar-se, sobretudo, como historiador, iniciar-se-ia na escrita com uma biografia, intitulada “Carminda”, obra dada à estampa no Porto, em 1939, seguindo-se-lhe, já em Macau, a publicação, em 1954, de duas pequenas peças de teatro, “Liberdade de Consciência” e “Fé como Grão de Mostarda”. Dedicou-se também à poesia, escrevendo nomeadamente “Jardins Suspensos”, publicado em 1955, e “Descobrimentos: Poesias” de 1958. “Espelho do Mar” encerraria a sua obra poética. De resto distribuiu colaboração na imprensa local também portuguesa, publicando várias monografias sobre Macau. Uma obra que merece também referência é “Portugal no Tecto do Mundo”, onde relata a descoberta europeia do Tibete, protagonizada pelo padre Jesuíta, português António de Andrade em 1624.
Artigo da autoria de João Guedes publicado no seu blog Tempos d'Oriente em Junho de 2010
Nota: aos títulos mencionados por JG acrescento mais dois: "Taprobana e mais além... presenças de Portugal na Ásia" (1995) e "A vida marítima de Macau no século XVIII".
Nota: aos títulos mencionados por JG acrescento mais dois: "Taprobana e mais além... presenças de Portugal na Ásia" (1995) e "A vida marítima de Macau no século XVIII".
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