terça-feira, 22 de outubro de 2013

Quando Macau teve aviação naval

 Década 1920
Antes do Aeroporto Internacional de Macau inaugurado a 8 de Dezembro de 1995... Antes da ligação aérea com Hong Kong, assegurada por uma empresa local — a Macao Aerial Transport Company (MATCO) — desde finais da década de 40 até princípios de 60... Antes da Pan American Airways ter estabelecido uma carreira, com paragem em Macau, entre S. Francisco e Manila, com recurso a hidroaviões, numa viagem inaugural que remonta a 23 de Outubro de 1936... Antes de tudo isto já tinha existido aviação em Macau.
A zona do hangar da Taipa cerca de três décadas depois de ter sido desactivado
e a mesma perspectiva mas já no século XXI
No hipódromo da Areia Preta chegou a ser construída uma pista de 1.200 metros onde aterrou (atolou) um DC 3 (na década de 1940), em voo experimental destinado a abrir uma ligação regular com a colónia britânica. Foi aí que em Novembro de 1934, o tenente aviador Humberto da Cruz e o sargento-mecânico Gonçalves Lobato, num arrojado raid Lisboa-Dili, aterraram. Mas em Novembro de 1927 a Marinha Portuguesa inaugura um Centro de Aviação Naval na ilha da Taipa. O Comandante Adelino Rodrigues da Costa em “A Marinha Portuguesa em Macau, edição da Capitania dos Portos de Macau, 1999, conta essa história.
 “Macau foi o primeiro território de soberania portuguesa onde se instalou um serviço de aviação e a iniciativa pertenceu à Marinha. Alguns incidentes graves acontecidos no Porto Interior em 1921, quando a canhoneira chinesa ‘Kwang-Tai’ e um pequeno torpedeiro guarnecidos por elementos adversos ao governo de Cantão não acataram as instruções das autoridades marítimas portuguesas, revelaram as vantagens da existência de um serviço de aviação no território. Então, sob proposta da Capitão do Porto, capitão-de-fragata Magalhães Corrêa, e com o apoio do Governador comandante Henrique Correia da Silva, foi adquirido algum material à Macao Aerial Transport Co., nomeadamente dois aparelhos para treino do antigo tipo Aeromarine, chegando a montar-se uma escola e a contratar-se um instrutor americano. De seis alunos civis, só dois macaenses concluíram as provas e voaram desacompanhados, chegando também a especializar-se algumas praças do Armada. Porém, em 1923 o instrutor retirou-se, não foi substituído e a experiência caiu no esquecimento.
Quando em 1927 se verificaram perturbações na China, sobretudo na região de Shanghai, algumas nações ocidentais concentraram forças na região para a protecção dos seus nacionais. O Governo Português também reforçou a sua Estação Naval de Macau com os cruzadores ‘Adamastor’ e ‘República’, fazendo deslocar uma secção de 3 hidroaviões ‘Fairey III D’ para Macau, entre os quais se incluía o histórico ‘Santa Cruz’ que concluíra em 1922 a primeira travessia aérea do Atlântico Sul. Os aparelhos foram transportados desde Lisboa no transporte ‘Pero de Alenquer’ e desembarcados em Macau no dia 26 de Outubro de 1927. O objectivo da presença desta secção era o de assegurar rápidas ligações a Hong Kong e o de auxiliar a Polícia Marítima na fiscalização das águas do Rio das Pérolas, então cenário frequente de acções de pirataria e contrabando. Com os hidroaviões ‘Fairey 17’, ‘Fairey 19’ e ‘Fairey 20’ seguiu o pessoal de apoio e os pilotos, respectivamente o 1.º tenente Marcos Vieira Garin e o 2.º tenente Neves Ferreira, a que se juntou depois o 1.º tenente José Cabral, para comandar aquela secção. Na costa sul da Ilha da Taipa foi improvisado e depois construído um hangar para os hidroaviões e algumas moradias para o pessoal deslocado no local.
O Fairey nº 20 voando junto a Hong Kong
O primeiro voo realizou-se no 5 de Março de 1928. Porém, não foi intensa a actividade da secção estacionada em Macau e o ‘Fairey 17’ pouco voou: tomou parte em pesquisas de aviões franceses e americanos perdidos no mar da China, colaborou com as autoridades francesas de Hanói e com as autoridades inglesas de Hong-Kong, tendo sobrevoado território chinês. Em 1929, tal como os navios, também os aviões receberam ordens para retirar para Lisboa. Estavam já encaixotados a bordo do transporte ‘Pero de Alenquer’ para regressar a Lisboa, quando o Governo de Macau insistiu para que permanecessem no território. O ‘Fairey 19’ e o ‘Fairey 20’ foram desencaixotados mas, devido a pressões da Direcção da Aeronáutica Naval, foi decidido que o ‘Fairey 17’ regressasse a Lisboa, pelo que ainda hoje está no Museu de Marinha, constituindo uma das mais importantes peças do seu acervo.
Em Março de 1932 o 1.º tenente José Cabral regressou a Lisboa e o Centro de Aviação Naval de Macau foi encerrado, vindo a ser extinto em 1933. Contudo, a Capitania dos Portos de Macau continuou a assegurar a conservação do hangar da Ilha da Taipa, nele se mantendo o ‘Fairey 19’ e o ‘Fairey 20’.
A instabilidade por que passava a China, com a guerra civil e a invasão japonesa, levaram o Governo Português a destacar para Macau o aviso ‘Bartolomeu Dias’, que embarcou os hidroaviões ‘Ospray 71’ e ‘Ospray 72’, além dos pilotos 1.º tenente Aires de Sousa, 2.º tenente Cardoso Barata e 2.º tenente Rodrigo Silveirinha. O navio chegou a Macau no dia 25 de Outubro de 1937 e os dois aparelhos ‘Fairey’, que desde 1933 se mantinham no hangar da Ilha da Taipa, foram desmantelados para que os ‘Ospray’ pudessem ocupar os seus lugares no hangar, que foi ampliado para receber os novos aviões que tinham maiores dimensões.
Por decreto de 8 de Dezembro de 1937 foi reactivado o Centro de Aviação Naval de Macau, primeiro sob o comando do 1.º tenente Namorado Júnior e, mais tarde, sob o comando do 2.º tenente Freitas Ribeiro. Logo em Maio de 1938 chegaram a Macau 4 novos ‘Ospray’, pelo que a Marinha passou a dispor de 6 hidroaviões em Macau, que nesse ano de 1938 foram integrados na Marinha privativa da colónia. Em 1939 foi criada uma Escola de Aviação Naval e a actividade operacional do Centro de Aviação Naval era intensa, com uma média de quase uma hora de voo diário. (...) Quando o ‘Bartolomeu Dias’ regressou a Lisboa, deixou em Macau os seus hidroaviões, que foram integrados na esquadrilha de Macau e os pilotos destacaram para o ‘Gonçalo Velho’, que entretanto chegara ao território.
Nesta imagem ainda se vê ao fundo, do lado direito, parte do hangar na Taipa
A utilização da Ilha da Taipa era condicionada pelas marés e o uso do hangar era limitado pela escassez de espaço, que obrigava os aparelhos a dobrar as asas para nele entrar ou sair, factos que limitavam a sua utilização em casos de emergência. Além disso, havia as dificuldades na ligação entre a Taipa e Macau. Por isso, foi decidida a construção de um novo hangar nos aterros do Porto Exterior da península de Macau, que foi inaugurado em Março de 1941. Condicionado pelas circunstâncias da Guerra, foi curta a vida do Centro de Aviação Naval de Macau, que passou por dois momentos particularmente graves em Junho de 1942 e em Janeiro de 1945.
No dia 26 de Junho de 1942, quando um ‘Ospray’ voava sobre Macau, teve uma avaria no motor e despenhou-se sobre o casario da rua do Tap Seac, explodindo e incendiando-se, tendo os seus ocupantes — 1.º tenente Rodrigo Silveirinha e 1.º sargento mecânico Macedo Girão — morrido carbonizados. O Centro de Aviação Naval foi extinto pouco tempo depois, mas o hangar foi mantido e nele conservados os 5 hidroaviões existentes. No dia 16 de Janeiro de 1945, quando já estava definido o resultado da Guerra, a aviação americana baseada no porta-aviões ‘Enterprise’ bombardeou o hangar do Centro de Aviação Naval de Macau, destruindo-o com bombas de 50 libras e tiros de metralhadora.”

1 comentário:

  1. A minha Mãe lembrava-se muito bem do bombardeamento do hangar do CANM, um acto de guerra gratuito, como muito bem refere, sem qualquer justificação estratégica, num território que sempre primou, à custa de muitos sacrifícios, pela coexistência das partes beligerantes.

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