terça-feira, 29 de outubro de 2013

Estátua Gov. Ferreira do Amaral: mais alguns dados

Em 1940 comemora-se o chamado duplo centenário (1140 - independência e 1640 - restauração). Em Macau o feito é assinalado ao mais alto nível. Entre as comemorações conta-se inauguração, a 24 de Junho de 1940, desta estátua do governador Ferreira do Amaral, da autoria Maximiliano Alves, que foi colocada na rotunda com o mesmo nome nos então muito recentes aterros da Praia Grande. A estátua pesava cinco toneladas e tinha 15 metros de altura. Só a figura do governador montado a cavalo, em bronze, tinha 4,5 metros.
Ali ficou até Outubro de 1992 (faz agora 21 anos) ano em que foi removida e transportada para Portugal. Hoje está no Bairro da Encarnação (junto ao aeroporto de Lisboa) colocada sem o pedestal original.
 
Década 1980 - Foto de Lee Chu To
Década 1990 (do livro As Seitas, de João Guedes)
 
Para se perceber melhor a razão da retirada da estátua - cada um fará a interpretação que bem entender - recordo alguns dados com a publicação de um texto que não consegui identificar o autor e que a julgar pela grafia do português é bastante antigo. Não obstante o tema já te sido por diversas vezes abordado aqui no blog, a verdade é que são vários os pedidos que me chegam para voltar ao tema. 
Por decreto de 20 de Setembro de 1844, o governo de Macau foi separado e tornado independente do de Goa, ficando a constituir uma Província independente com as ilhas de Timor e Solor. A 21 de Abril de 1846 tomou posse o governador João Maria Ferreira do Amaral cuja principal missão era estabelecer a absoluta independência da Colónia face à China e potências estrangeiras. Um dos primeiros exemplos data de 8 de Outubro de 1846 quando "sufocou a célebre revolta chinesa denominada dos faitiões. que se amotinaram por ter sido lançado o impôsto de uma pataca sôbre as suas embarcações (faitiões)". A Taipa e Coloane foram ocupadas militarmente, construindo-se, em 1847, uma fortaleza na primeira, a pedido e «com ininterrupta satisfação dos habitantes délla e sem litígio de senhorio differente». Mandou também ocupar as ilhas de D.João e Tai-Vong-Cam ou da Montanha. A ilha da Lapa (Patera ou ilha dos Padres), onde outrora existira uma bateria militar, foi reocupada. No domínio territorial, destaque ainda para a 'recuperação' do território ocupado pelos chinas, entre a Porta do Campo e a Porta do Cerco. Ferreira do Amaral vai ainda 'impôr a sua lei' ao suprimir os direitos de tonelagem chamados de medição que os chineses cobravam sobre os navios portugueses que entravam em Macau indo as receitas para o imperador. 
Proibiu certas demonstrações de autoridade com que os mandarins costumavam entrar em Macau e reprimiu com vigor alguns atentados cometidos pelos chinas. A 5 de Março de 1849 deu o 'golpe de misericórdia' do seu mandato ao proclamar a abolição e expulsão do ho-pu, a alfândega chinesa de Macau. Ordenou o seu encerramento a 13 do mesmo mês, uma medida que 'libertou' o território da influência política chinesa e que mudou para sempre o status quo da vida em Macau.
Ferreira do Amaral instituiu ainda o pagamento de fôro dos terrenos aos cidadãos chineses, o que pode ser interpretado como uma espécie de confissão tácita de que a posse territorial era portuguesa.
A 7 de Junho de 1849, por ocasião da procissão do Corpo de Deus, Amaral mandou prender um inglês, Jaime Summers, que recusou descobrir-se à passagem do Santíssimo. O preso avisou o Capitão da marinha inglesa, Keppel, e os ingleses foram libertar o preso ao Leal Senado, tendo nessa ocasião matado um soldado português. Amaral, furioso, chamou as tropas às armas com intuito de atacar a frota inglêsa; por fim, desistiu, levando, porém, a questão a Londres e a Lisboa. O ministro inglês, Lord Palmerston, censurou Keppel e deu a Portugal todas as satisfações, concedendo uma pensão à família do soldado assassinado. Todos estes incidentes excitaram a atenção pública e os chineses começaram a recriminar a «ferocidade» do governador. Em Cantão, a sua cabeça foi posta a preço. Na tarde de 22 de Agosto de 1849, saíra a cavalo a passear, como de costume, acompanhado apenas pelo seu ajudante, tenente Pereira Leite, e dirigiu-se para a Porta do Cerco; quando se achava a 300 passos aquém da Porta do Cerco e estendia o seu óbolo a uma velha china que ali vivia, um rapaz chinês bateu-lhe no rosto com um bambu; ao voltar-se para o seu agressor, precipitaram-se sobre ele cinco bandidos chinas com grandes facas, e, depois duma luta desesperada, trucidaram-no e fugiram, levando a cabeça e a mão deste ínclito governador, mártir da Pátria. Aterrada e consternada a cidade, foi postar-se na Porta do Cerco, na manhã de 25 de Agosto, uma força portuguesa, contra a qual os chinas ramperam o primeiro fogo, que foi sustentado com ardor desde as 10 da manhã às 4 da tarde. Nas proximidades da cidade estavam postadas as tropas chinesas, num total de 2.000 soldados, 400 ou 500 dos quais na fortaleza do Passaleão. A posição chinesa não era atingida pelas fortalezas de Macau, enquanto que a artilharia do Passaleão alcançava a Porta do Cerco.
Tornava-se, pois, insustentável a posição portuguesa; a única solução era ir atacar os chineses. Reinava, porém, grande indecisão, devido aos escrúpulos e observações dos diplomatas estrangeiros, residentes em Macau, que auguravam trágicas consequências da violação do território chinês. O tenente de artilharia, Vicente Nicolau de Mesquita, quebrou esta indecisão e convidou os soldados a segui-lo. «Trinta e seis bravos, narra Caldeira, voluntariamente responderam ao seu brado, e avançaram para o forte debaixo do mais aturado fogo de artilharia e fuzil deste e das imminencias, atravez de difficil terreno, caminhando apenas os soldados um a um, sobre os estreitos vallados que em frente do forte cortam o terreno, todo alagado com plantações de arroz; apesar de tudo dentro de uma hora aquella força se assenhoreou do forte Passaleão, que estava guarnecido com 20 grossos canhões e 400 homens, coadjuvados por mais 2.000 nas alturas visinhas: todos fugiram abandonando a artilharia, armas e munições».

Os poucos soldados chineses que permaneceram no forte de Passaleão foram mortos por Mesquita e pelos seus companheiros; igual sorte teve um mandarim militar que apareceu nas ameias, apesar da sua resistência. Mesquita foi recebido triunfalmente em Macau. O mandarim do Tso-Tang foi imediatamente reenviado a Chin-Shan e nunca mais os mandarins tiveram ingerência na administração da Colónia. Assim ficou restabelecida a paz, coroada a obra gigantesca de Amaral e definitivamente assegurada a autonomia política e independência absoluta da colónia portuguesa de Macau.
 
 
 
 

Década 1970
Ca. 1956
Ca. 1975
Década 1980 e década 1990
Nestas últimas imagens já posteriores à década de 1960 percebe-se a localização da estátua e a sua proximidade com o edifício do liceu (tb já demolido) onde pontua o padrão colocado numa pequena rotunda frente à entrada principal; foi lai colocado em 1960 nas comemorações do V centenário da morte do Infante D. Henrique. A última imagem representa a rotunda depois da retirada da estátua.


Década 1980
1965
Em Lisboa

1948
ca. 1990. Pouco antes de ser removida
 1974
1982. Foto de Fang Chi Fung
 1968. Foto AJMN Silva
 
 

2 comentários:

  1. Estimado Amigo e Ilsutre Jornalista, João Botas,
    Bem recordado estou dessa monumental estátua, no ano de 1964, quando cheguei a Macau o local nada mais tinha para além da estátua, já que todo o local envolvente era mato, para além, do Liceu Nacional. Tenho algumas fotos tiradas junto à estátua.
    Abraço amigo, adorei este belo relato que nos ilucida melhor sobre a referida estátua.

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  2. Bela lição de história. Confesso que desconhecia a extensão dos conflitos que rodearam a afirmação de Portugal no extremo Oriente.
    Obrigado

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