Na ponte Marco Polo nos arredores de Pequim, soldados japoneses e chineses envolviam-se em confronto. Uma escaramuça de pequenas dimensões despoletava a invasão da China pelas tropas do «Império do Sol Nascente». Corria o ano de 1937. Do outro lado do Pacífico, George Ghershwin morria deixando um imenso vazio no mundo da música.
Em dois anos, de vitória em vitória, os japoneses conquistavam toda a faixa litoral da China, ocupando Cantão. A hecatombe que vai envolver o Extremo Oriente está cada vez mais perto.
Em Macau, numa tarde quente de Setembro, alguns ouvintes debruçam-se sobre os pesados aparelhos de rádio para ouvirem os acordes suaves de «Um americano em Paris».
Depois da Emissora e da Rádio Polícia, uma nova estação decide ocupar o espaço radiofónico nascente em Macau.
Quem transmite Ghershwin é a nova estação XKRA, na banda dos 200,7 metros em 1380 quilociclos por segundo. A XKRA difunde às 14 e às 20 horas a partir da Ilha da Lapa, operada por uma locutora de Cantão. Com uma potência de 100 wats, destinava-se a dinamizar o comércio de Macau, numa iniciativa da comunidade local dos negócios.
A proibição de instalar emissoras privadas no Território levou a nova rádio para a Ilha da Lapa, lugar que, teoricamente sob administração portuguesa, era na verdade geográfica e politicamente separado de Macau. A criação da nova estação, completa um panorama inteiramente novo no domínio da comunicação social do Território, abalado pelo aparecimento, dois anos antes, do primeiro jornal diário de expressão chinesa feito em moldes modernos: o «Va Kio». A nova situação ocorre no limiar da segunda guerra mundial, o conflito de maiores dimensões da história da humanidade e ao qual Macau se manteve neutral, mas não imune aos sofrimentos e sequelas que provocou.
ONDE TUDO COMEÇOU
Tudo começou no já longínquo ano de 1932, quando um atentado bombista destruiu uma pequena extensão da linha de caminho de ferro de Mukden, servindo para justificar a ocupação da Manchúria e a formação do estado fantoche de Manchucuo comparável aos bantustões sul-africanos de hoje.
O jovem príncipe Pu Yi, que acabaria jardineiro em Pequim em 1959, encabeçava o novo império que satisfazia a política japonesa apostada na divisão formal da China, já cindida no terreno pelos «senhores da guerra».
Chiang Kai-shek, presidente do Kuomintang e comandante chefe das forças nacionalistas, nada fez, se é que alguma coisa poderia ter feito para travar o avanço japonês.
O chefe nacionalista continuava a considerar os comunistas como o inimigo principal e esperava o desfecho da história para se tornar no único polo de salvação do país.
Apesar da passividade de Chiang Kai-shek a China reaje boicotando os produtos japoneses. O Japão retalia ocupando Xangai. A notícia da ocupação de Xangai surge em grandes títulos na imprensa local. A «Voz de Macau» explica aos leitores portugueses o que sabia sobre a evolução da conjuntura militar na China e sobre a comunidade portuguesa residente naquela cidade.
O tom é aparentemente neutral.
Portugal pende então, notoriamente, para o «Eixo». Apesar da aliança com a Grã-Bretanha, o governo de Salazar é de facto amigo da Alemanha, da Itália e também do longínquo Japão.
A «Voz de Macau» não explica claramente a política portuguesa na Ásia, mas na China há a percepção de que Macau ficará fora do conflito, cujos contornos se desenham cada vez com mais nitidez.
Em dois anos, de vitória em vitória, os japoneses conquistavam toda a faixa litoral da China, ocupando Cantão. A hecatombe que vai envolver o Extremo Oriente está cada vez mais perto.
Em Macau, numa tarde quente de Setembro, alguns ouvintes debruçam-se sobre os pesados aparelhos de rádio para ouvirem os acordes suaves de «Um americano em Paris».
Depois da Emissora e da Rádio Polícia, uma nova estação decide ocupar o espaço radiofónico nascente em Macau.
Quem transmite Ghershwin é a nova estação XKRA, na banda dos 200,7 metros em 1380 quilociclos por segundo. A XKRA difunde às 14 e às 20 horas a partir da Ilha da Lapa, operada por uma locutora de Cantão. Com uma potência de 100 wats, destinava-se a dinamizar o comércio de Macau, numa iniciativa da comunidade local dos negócios.
A proibição de instalar emissoras privadas no Território levou a nova rádio para a Ilha da Lapa, lugar que, teoricamente sob administração portuguesa, era na verdade geográfica e politicamente separado de Macau. A criação da nova estação, completa um panorama inteiramente novo no domínio da comunicação social do Território, abalado pelo aparecimento, dois anos antes, do primeiro jornal diário de expressão chinesa feito em moldes modernos: o «Va Kio». A nova situação ocorre no limiar da segunda guerra mundial, o conflito de maiores dimensões da história da humanidade e ao qual Macau se manteve neutral, mas não imune aos sofrimentos e sequelas que provocou.
ONDE TUDO COMEÇOU
Tudo começou no já longínquo ano de 1932, quando um atentado bombista destruiu uma pequena extensão da linha de caminho de ferro de Mukden, servindo para justificar a ocupação da Manchúria e a formação do estado fantoche de Manchucuo comparável aos bantustões sul-africanos de hoje.
O jovem príncipe Pu Yi, que acabaria jardineiro em Pequim em 1959, encabeçava o novo império que satisfazia a política japonesa apostada na divisão formal da China, já cindida no terreno pelos «senhores da guerra».
Chiang Kai-shek, presidente do Kuomintang e comandante chefe das forças nacionalistas, nada fez, se é que alguma coisa poderia ter feito para travar o avanço japonês.
O chefe nacionalista continuava a considerar os comunistas como o inimigo principal e esperava o desfecho da história para se tornar no único polo de salvação do país.
Apesar da passividade de Chiang Kai-shek a China reaje boicotando os produtos japoneses. O Japão retalia ocupando Xangai. A notícia da ocupação de Xangai surge em grandes títulos na imprensa local. A «Voz de Macau» explica aos leitores portugueses o que sabia sobre a evolução da conjuntura militar na China e sobre a comunidade portuguesa residente naquela cidade.
O tom é aparentemente neutral.
Portugal pende então, notoriamente, para o «Eixo». Apesar da aliança com a Grã-Bretanha, o governo de Salazar é de facto amigo da Alemanha, da Itália e também do longínquo Japão.
A «Voz de Macau» não explica claramente a política portuguesa na Ásia, mas na China há a percepção de que Macau ficará fora do conflito, cujos contornos se desenham cada vez com mais nitidez.
UMA PEDRADA NO CHARCO
Por isso, em 1937, o jornal «Va Kio» de Hong Kong decide criar em Macau uma publicação com o mesmo nome, para salvar a edição no caso de uma eventual ocupação da vizinha colónia britânica.
Tsiu Pan Lam e Loi Wai Leng foram os fundadores do novo «Va Kio», que constituiu uma pedrada no charco editorial chinês do Território.
«Wan San», «Peng Man», «Chi Yen», «Tai Chung», «San Seng» e «Tai Lok» eram os títulos dos jornais chineses que eram oferecidos ao público leitor de Macau no limiar da segunda guerra mundial.
O «Va Kio», dotado de telex e de uma linha editorial completamente revolucionária, para o panorama incipiente local, dominou rapidamente o mercado.
Num clima de incerteza sobre o futuro, o «Va Kio» passou a ser o jornal mais procurado tendo em conta a sua capacidade de fornecer ao público leitor informação rápida e actualizada.
A súbita conquista do mercado local provocou uma violenta reacção da restante imprensa e dos seus trabalhadores.
Essa reacção foi tão violenta que deu origem à formação da primeira associação dos jornalistas de Macau, destinada exclusivamente a boicotar o «Va Kio».
Mas a reacção não logrou os seus efeitos e os jornais concorrentes do novo diário acabaram por encerrar as suas portas, um a um, com excepção do «Tai Chung Pou», deixando numa posição de liderança o «Va Kio». Posição de liderança que manteria até 1958 quando o «Ou Mun» surge pela primeira vez nas bancas.
O cenário da guerra torna-se cada vez mais evidente, com a ascenção dos militares no Japão.
Inukai Ki, constitui a última barreira aos militaristas, mas acaba por ser assassinado por um grupo de oficiais da marinha e a opção militar para a resolução dos problemas do Japão prevalece definitivamente.
UMA HISTÓRIA AINDA POR FAZER
No continente chinês a escalada militar acentuava-se e em 1938 os japoneses ocuparam Hankow e depois Cantão.
Os nacionalistas de Chiang Kai-shek mantêm uma atitude passiva e é o oitavo exército de campanha de Mao Tse-tung que trava definitivamente o avanço japonês para o nordeste do país.
Ao longo de seis anos o Exército Popular de Libertação (EPL) garante a defesa dessa fronteira sem que o Japão volte a efectuar ofensivas de vulto.
Em 1941, o general Tojo Hideki sobe ao poder à frente de um gabinete de guerra que dirige até à assinatura da rendição em 1945.
A escalada militar japonesa no Oriente abate-se directamente sobre Macau que conhece momentos de crise aguda como único ponto neutral num conflito que tudo avassala.
Até ao final da segunda guerra mundial Macau vive um drama contínuo cuja história está ainda por fazer.
Em 1945, com a rendição do Japão, Macau prepara-se para regressar à normalidade, vendo os milhares de refugiados que por cá se acolheram, regressarem aos seus lares.
A GUERRA CIVIL
Mas o Território apenas parou como que para tomar fôlego perante nova crise que se avizinhava.
Afastados os japoneses do cenário chinês, comunistas e nacionalistas encontram-se de novo na ponta das baionetas.
A frente comum de Chu En-lai fracassara há muito, quando o quarto exército de campanha e as tropas do Kuomintang se defrontaram em 1941 rompendo um acordo precário.
O general norte-americano Marshal deixa a China em 1947, fracassando na sua missão de obter um acordo durável entre os comunistas e as tropas nacionalistas que, de vitória em vitória, abriam caminho para a conquista do poder pelo Kuomintang.
No entanto, a situação começa a alterar-se em 1948, quando o EPL isola as guarnições nacionalistas da Manchúria.
A 10 de Janeiro de 1949 nas planícies de Hsuchow a cerca de 140 quilómetros de Nanquim trava-se uma batalha decisiva.
Os comunistas ganham-na matando 200 mil nacionalistas e capturando 325 mil. O Exército Popular de Libertação inicia a contra-ofensiva destinada a expulsar do país os exércitos de Chiang Kai-shek.
Lin Piao comanda as forças que avançam sobre Guangdong e é o «Notícias de Macau» que a 10 de Outubro de 1949 anuncia que a cidade de Cantão aguarda a mudança de regime e que o governo nacionalista inicia a mudança para Chungking.
É também o «Notícias» que reproduz em primeira página os vaticínios do arcebispo de Nanquim, Paul Yu Pin, prevendo que o regime comunista não durará muito tempo!
O arcebispo enganava-se redondamente.
MACAU E A DEBANDADA NACIONALISTA
As tropas nacionalistas em debandada concentram-se nas imediações de Macau fugindo aos soldados de Lin Piao
Na ilha da Montanha, fronteira a Coloane, as forças nacionalistas actuando como piratas desembarcaram pilhando as aldeias. Os relatos da situação são esclarecedores:
«Há dias as tropas nacionalistas compostas de uns 800 homens e adoptando os complicados títulos de Forças do Rio das Pérolas, Exército Anti-Comunista de Salvação do País, Forças da Guarnição do general Lei Tchong-si e Forças da 10.º Zona de Guerra de Tchok Tcheng, conseguiram refugiar-se na grande e pequena Uang Kam (ilha da Montanha).
Essas tropas ocupam presentemente os cumes das montanhas de Uang Kam devendo ser facilmente batidas devido ao seu fraco espírito combativo. O pior é que causam grandes tormentas ao povo, pois praticaram atrocidades assim que ocuparam a ilha.
As violações e as pilhagens fizeram levantar os clamores de todos os habitantes de Tai Uang Kam, Siu Uang Kam, Ma Li Ho e Tchou Sa Wan.
Os aldeões dessas ilhas, principalmente as mulheres e as crianças, fugiram escondidamente pela calada da noite através das montanhas e do mar para se refugiarem na zona de segurança da ilha de Coloane pertencente à colónia de Macau.
Confrange o coração ver as crianças e jovens sem casa, pois um total de cerca de 300 pessoas vagueiam na ilha de Coloane, só encontrando onde se albergarem aquelas que possuem parentes que vivem nesta ilha.
Pelo facto de Tai Uang Kam e Siu Uang Kam estarem separadas de Ma Liu Ho apenas por um estreito braço de rio, podendo as suas margens ser mutuamente avistadas o governo de Macau com o fim de impedir a entrada secreta de bandidos na ilha de Coloane reforçou ontem a guarnição dessa ilha.
O repórter deste jornal seguiu ontem à tarde num barco a motor para ver o que se estava passando na ilha de Coloane e quando chegou avistou sete barcos ancorados em frente de Ma Liu Ho, sendo um deles o barco de passageiros 'Hoi Neng', dois barcos a motor, duas embarcações de madeira e um patrulheiro das alfândegas que tinha sido apresado pelos nacionalistas.»
CONFRONTOS À VISTA DE MACAU
E prosseguiam os relatos na imprensa local:
«Na montanha dessa ilha encontram-se cerca de seiscentos soldados nacionalistas que não poderão defender-se por muito tempo, pois como os aldeões fugiram abandonando a ilha não conseguirão obter víveres.
Ontem, as forças comunistas da ilha de Sam Tchou enviaram um pequeno barco para experimentar a defesa da ilha, que, ao aproximar-se, foi recebido a tiro pelos soldados nacionalistas que se encontravam no alto da montanha, sendo por isso obrigados a retroceder para a ilha de Sam Tchou.
Dezenas dessas centenas de soldados nacionalistas, em parte devido aos ataques dos comunistas e em parte à falta de víveres, vendo o perigo da sua situação principiaram a fugir para a ilha de Coloane e para Macau, desarmados e em trajes civis.
Os habitantes de Coloane informaram também que na manhã de anteontem cerca de 50 soldados nacionalistas que fariam parte do último grupo que fugiu da ilha de Sam Tchou para Uang Kam foram presos e desarmados assim que desembarcaram nessa ilha pelas tropas nacionalistas que lá se encontravam.
Roubados de tudo quanto possuiam e escorraçados para a ilha de Coloane ali foram socorridos e conseguiram vir a Macau».
Pelo relato da imprensa de Novembro de 1949, é possível verificar o estado de total desmantelamento e de pouca convicção política dos nacionalistas, reduzidos a grupos de salteadores uniformizados e aterrorizados,
Perseguidos de perto pelas forças do Exército Popular de Libertação, os nacionalistas foram sendo empurrados para o mar, rendendo-se, aos milhares, às autoridades portuguesas.
Nas Portas do Cerco, os militares do Kuomintang depunham as armas sendo internados em seguida nas instalações preparadas para o efeito na esquadra n.º quatro da Polícia de Segurança Pública, no Canídromo.
Os combates que a população de Macau podia presenciar, de qualquer lado da cidade, nas ilhas montanhosas dos arredores, faziam renascer de novo a angústia num Território que há bem pouco tempo se tinha libertado da crise provocada pela segunda guerra mundial.
A situação e o futuro de Macau eram uma questão a jogar ente Lisboa e Pequim. No entanto, o exército de Lim Piao avançava para a costa limpando todo o delta do rio das Pérolas e aproximava-se perigosamente de Macau.
Este avanço preocupava a população de Macau.
É o «Tai Chung Pou» o primeiro a procurar desfazer dúvidas anunciando que «a posição de Macau vai ser respeitada».
O FUTURO DE MACAU
O «Tai Chung Pou» enviara a Tchong San, um repórter, para obter respostas precisas a perguntas precisas. Entre elas a questão da atitude das autoridades do «governo do povo para com Macau já que não tinham sido ainda restabelecidas relações entre o governo comunista do povo da China e Portugal».
Luís Chan, repórter do «Tai Chung» é o primeiro a obter uma declaração oficial sobre o futuro de Macau.
Quem a fez é Uong lok, um jovem guerrilheiro, de 29 anos, presidente do «Comité dos Serviços Militares» do distrito de Tchong San.
Uong lok define assim a posição do EPL: «As tropas de Libertação do Povo não são tropas de invasão, portanto a posição da vizinha Macau será absolutamente respeitada. Esperamos também que as autoridades do governo de Macau respeitem as tropas de libertação. Não foram enviadas tropas para vigiar a fronteira entre Macau e a China nem para a zona neutra entre os dois países. Isso demonstra claramente que as tropas de libertação respeitam em extremo o procedimento do governo da terra vizinha».
De facto, o «status quo» de Macau manter-se-ia inalterável, apesar da recusa de Salazar em reconhecer o novo regime da China, reconhecimento esse que apenas seria alcançado em 1978 muito depois da revolução de Abril de 1974 e no final de laboriosas negociações.
Em Portugal, no dia 8 de Novembro de 1949, o regime publicava uma das habituais notícias apaziguadoras filtradas nos corredores da censura da capital do «Império Colonial». Um exemplo:
«Informam de Macau que com a ocupação das ilhas da Lapa e de Chin San findaram as operações militares na vizinhança de Macau. As autoridades comunistas ocuparam já os postos alfandegários da fronteira com Macau, fixando novas tarifas para a exportação de gado.
As embarcações que faziam carreiras entre Macau e os portos da China, ocupados pelos comunistas, vão recomeçar as viagens para o que foram entabuladas negociações.
O quartel-general comunista ficou instalado no hospital Kuon Sin, da ilha da Lapa onde a vida decorre normalmente assim como nas vizinhanças de Macau. Por motivo da pressão exercida pelas forças comunistas sobre a ilha de Sam Chow, alguns barcos nacionalistas fundearam no ribeiro de Ma Lin, perto da ilha de Coloane, onde desembarcaram 8 soldados nacionalistas que se entregaram às autoridades portuguesas, sendo internados. As armas e munições depostas pelos nacionalistas internados foram arroladas pelas autoridades de Macau. A vida nessa colónia faz-se normalmente, não se tendo registado qualquer incidente. Todo o Território português é alvo de rigorosa vigilância das autoridades e das forças da marinha, exército e polícia de Portugal.
A população mantem-se calma, podendo dizer-se que a situação de Macau - mais de paz - é por todos desejada e representada. Desta maneira, são destituídas de todo o fundamento, notícias de outra origem que falam de anormalidades em Macau, as quais se desmentem categoricamente. Além disso, repete-se, findaram as operações militares nas vizinhanças de Macau.»
Por isso, em 1937, o jornal «Va Kio» de Hong Kong decide criar em Macau uma publicação com o mesmo nome, para salvar a edição no caso de uma eventual ocupação da vizinha colónia britânica.
Tsiu Pan Lam e Loi Wai Leng foram os fundadores do novo «Va Kio», que constituiu uma pedrada no charco editorial chinês do Território.
«Wan San», «Peng Man», «Chi Yen», «Tai Chung», «San Seng» e «Tai Lok» eram os títulos dos jornais chineses que eram oferecidos ao público leitor de Macau no limiar da segunda guerra mundial.
O «Va Kio», dotado de telex e de uma linha editorial completamente revolucionária, para o panorama incipiente local, dominou rapidamente o mercado.
Num clima de incerteza sobre o futuro, o «Va Kio» passou a ser o jornal mais procurado tendo em conta a sua capacidade de fornecer ao público leitor informação rápida e actualizada.
A súbita conquista do mercado local provocou uma violenta reacção da restante imprensa e dos seus trabalhadores.
Essa reacção foi tão violenta que deu origem à formação da primeira associação dos jornalistas de Macau, destinada exclusivamente a boicotar o «Va Kio».
Mas a reacção não logrou os seus efeitos e os jornais concorrentes do novo diário acabaram por encerrar as suas portas, um a um, com excepção do «Tai Chung Pou», deixando numa posição de liderança o «Va Kio». Posição de liderança que manteria até 1958 quando o «Ou Mun» surge pela primeira vez nas bancas.
O cenário da guerra torna-se cada vez mais evidente, com a ascenção dos militares no Japão.
Inukai Ki, constitui a última barreira aos militaristas, mas acaba por ser assassinado por um grupo de oficiais da marinha e a opção militar para a resolução dos problemas do Japão prevalece definitivamente.
UMA HISTÓRIA AINDA POR FAZER
No continente chinês a escalada militar acentuava-se e em 1938 os japoneses ocuparam Hankow e depois Cantão.
Os nacionalistas de Chiang Kai-shek mantêm uma atitude passiva e é o oitavo exército de campanha de Mao Tse-tung que trava definitivamente o avanço japonês para o nordeste do país.
Ao longo de seis anos o Exército Popular de Libertação (EPL) garante a defesa dessa fronteira sem que o Japão volte a efectuar ofensivas de vulto.
Em 1941, o general Tojo Hideki sobe ao poder à frente de um gabinete de guerra que dirige até à assinatura da rendição em 1945.
A escalada militar japonesa no Oriente abate-se directamente sobre Macau que conhece momentos de crise aguda como único ponto neutral num conflito que tudo avassala.
Até ao final da segunda guerra mundial Macau vive um drama contínuo cuja história está ainda por fazer.
Em 1945, com a rendição do Japão, Macau prepara-se para regressar à normalidade, vendo os milhares de refugiados que por cá se acolheram, regressarem aos seus lares.
A GUERRA CIVIL
Mas o Território apenas parou como que para tomar fôlego perante nova crise que se avizinhava.
Afastados os japoneses do cenário chinês, comunistas e nacionalistas encontram-se de novo na ponta das baionetas.
A frente comum de Chu En-lai fracassara há muito, quando o quarto exército de campanha e as tropas do Kuomintang se defrontaram em 1941 rompendo um acordo precário.
O general norte-americano Marshal deixa a China em 1947, fracassando na sua missão de obter um acordo durável entre os comunistas e as tropas nacionalistas que, de vitória em vitória, abriam caminho para a conquista do poder pelo Kuomintang.
No entanto, a situação começa a alterar-se em 1948, quando o EPL isola as guarnições nacionalistas da Manchúria.
A 10 de Janeiro de 1949 nas planícies de Hsuchow a cerca de 140 quilómetros de Nanquim trava-se uma batalha decisiva.
Os comunistas ganham-na matando 200 mil nacionalistas e capturando 325 mil. O Exército Popular de Libertação inicia a contra-ofensiva destinada a expulsar do país os exércitos de Chiang Kai-shek.
Lin Piao comanda as forças que avançam sobre Guangdong e é o «Notícias de Macau» que a 10 de Outubro de 1949 anuncia que a cidade de Cantão aguarda a mudança de regime e que o governo nacionalista inicia a mudança para Chungking.
É também o «Notícias» que reproduz em primeira página os vaticínios do arcebispo de Nanquim, Paul Yu Pin, prevendo que o regime comunista não durará muito tempo!
O arcebispo enganava-se redondamente.
MACAU E A DEBANDADA NACIONALISTA
As tropas nacionalistas em debandada concentram-se nas imediações de Macau fugindo aos soldados de Lin Piao
Na ilha da Montanha, fronteira a Coloane, as forças nacionalistas actuando como piratas desembarcaram pilhando as aldeias. Os relatos da situação são esclarecedores:
«Há dias as tropas nacionalistas compostas de uns 800 homens e adoptando os complicados títulos de Forças do Rio das Pérolas, Exército Anti-Comunista de Salvação do País, Forças da Guarnição do general Lei Tchong-si e Forças da 10.º Zona de Guerra de Tchok Tcheng, conseguiram refugiar-se na grande e pequena Uang Kam (ilha da Montanha).
Essas tropas ocupam presentemente os cumes das montanhas de Uang Kam devendo ser facilmente batidas devido ao seu fraco espírito combativo. O pior é que causam grandes tormentas ao povo, pois praticaram atrocidades assim que ocuparam a ilha.
As violações e as pilhagens fizeram levantar os clamores de todos os habitantes de Tai Uang Kam, Siu Uang Kam, Ma Li Ho e Tchou Sa Wan.
Os aldeões dessas ilhas, principalmente as mulheres e as crianças, fugiram escondidamente pela calada da noite através das montanhas e do mar para se refugiarem na zona de segurança da ilha de Coloane pertencente à colónia de Macau.
Confrange o coração ver as crianças e jovens sem casa, pois um total de cerca de 300 pessoas vagueiam na ilha de Coloane, só encontrando onde se albergarem aquelas que possuem parentes que vivem nesta ilha.
Pelo facto de Tai Uang Kam e Siu Uang Kam estarem separadas de Ma Liu Ho apenas por um estreito braço de rio, podendo as suas margens ser mutuamente avistadas o governo de Macau com o fim de impedir a entrada secreta de bandidos na ilha de Coloane reforçou ontem a guarnição dessa ilha.
O repórter deste jornal seguiu ontem à tarde num barco a motor para ver o que se estava passando na ilha de Coloane e quando chegou avistou sete barcos ancorados em frente de Ma Liu Ho, sendo um deles o barco de passageiros 'Hoi Neng', dois barcos a motor, duas embarcações de madeira e um patrulheiro das alfândegas que tinha sido apresado pelos nacionalistas.»
CONFRONTOS À VISTA DE MACAU
E prosseguiam os relatos na imprensa local:
«Na montanha dessa ilha encontram-se cerca de seiscentos soldados nacionalistas que não poderão defender-se por muito tempo, pois como os aldeões fugiram abandonando a ilha não conseguirão obter víveres.
Ontem, as forças comunistas da ilha de Sam Tchou enviaram um pequeno barco para experimentar a defesa da ilha, que, ao aproximar-se, foi recebido a tiro pelos soldados nacionalistas que se encontravam no alto da montanha, sendo por isso obrigados a retroceder para a ilha de Sam Tchou.
Dezenas dessas centenas de soldados nacionalistas, em parte devido aos ataques dos comunistas e em parte à falta de víveres, vendo o perigo da sua situação principiaram a fugir para a ilha de Coloane e para Macau, desarmados e em trajes civis.
Os habitantes de Coloane informaram também que na manhã de anteontem cerca de 50 soldados nacionalistas que fariam parte do último grupo que fugiu da ilha de Sam Tchou para Uang Kam foram presos e desarmados assim que desembarcaram nessa ilha pelas tropas nacionalistas que lá se encontravam.
Roubados de tudo quanto possuiam e escorraçados para a ilha de Coloane ali foram socorridos e conseguiram vir a Macau».
Pelo relato da imprensa de Novembro de 1949, é possível verificar o estado de total desmantelamento e de pouca convicção política dos nacionalistas, reduzidos a grupos de salteadores uniformizados e aterrorizados,
Perseguidos de perto pelas forças do Exército Popular de Libertação, os nacionalistas foram sendo empurrados para o mar, rendendo-se, aos milhares, às autoridades portuguesas.
Nas Portas do Cerco, os militares do Kuomintang depunham as armas sendo internados em seguida nas instalações preparadas para o efeito na esquadra n.º quatro da Polícia de Segurança Pública, no Canídromo.
Os combates que a população de Macau podia presenciar, de qualquer lado da cidade, nas ilhas montanhosas dos arredores, faziam renascer de novo a angústia num Território que há bem pouco tempo se tinha libertado da crise provocada pela segunda guerra mundial.
A situação e o futuro de Macau eram uma questão a jogar ente Lisboa e Pequim. No entanto, o exército de Lim Piao avançava para a costa limpando todo o delta do rio das Pérolas e aproximava-se perigosamente de Macau.
Este avanço preocupava a população de Macau.
É o «Tai Chung Pou» o primeiro a procurar desfazer dúvidas anunciando que «a posição de Macau vai ser respeitada».
O FUTURO DE MACAU
O «Tai Chung Pou» enviara a Tchong San, um repórter, para obter respostas precisas a perguntas precisas. Entre elas a questão da atitude das autoridades do «governo do povo para com Macau já que não tinham sido ainda restabelecidas relações entre o governo comunista do povo da China e Portugal».
Luís Chan, repórter do «Tai Chung» é o primeiro a obter uma declaração oficial sobre o futuro de Macau.
Quem a fez é Uong lok, um jovem guerrilheiro, de 29 anos, presidente do «Comité dos Serviços Militares» do distrito de Tchong San.
Uong lok define assim a posição do EPL: «As tropas de Libertação do Povo não são tropas de invasão, portanto a posição da vizinha Macau será absolutamente respeitada. Esperamos também que as autoridades do governo de Macau respeitem as tropas de libertação. Não foram enviadas tropas para vigiar a fronteira entre Macau e a China nem para a zona neutra entre os dois países. Isso demonstra claramente que as tropas de libertação respeitam em extremo o procedimento do governo da terra vizinha».
De facto, o «status quo» de Macau manter-se-ia inalterável, apesar da recusa de Salazar em reconhecer o novo regime da China, reconhecimento esse que apenas seria alcançado em 1978 muito depois da revolução de Abril de 1974 e no final de laboriosas negociações.
Em Portugal, no dia 8 de Novembro de 1949, o regime publicava uma das habituais notícias apaziguadoras filtradas nos corredores da censura da capital do «Império Colonial». Um exemplo:
«Informam de Macau que com a ocupação das ilhas da Lapa e de Chin San findaram as operações militares na vizinhança de Macau. As autoridades comunistas ocuparam já os postos alfandegários da fronteira com Macau, fixando novas tarifas para a exportação de gado.
As embarcações que faziam carreiras entre Macau e os portos da China, ocupados pelos comunistas, vão recomeçar as viagens para o que foram entabuladas negociações.
O quartel-general comunista ficou instalado no hospital Kuon Sin, da ilha da Lapa onde a vida decorre normalmente assim como nas vizinhanças de Macau. Por motivo da pressão exercida pelas forças comunistas sobre a ilha de Sam Chow, alguns barcos nacionalistas fundearam no ribeiro de Ma Lin, perto da ilha de Coloane, onde desembarcaram 8 soldados nacionalistas que se entregaram às autoridades portuguesas, sendo internados. As armas e munições depostas pelos nacionalistas internados foram arroladas pelas autoridades de Macau. A vida nessa colónia faz-se normalmente, não se tendo registado qualquer incidente. Todo o Território português é alvo de rigorosa vigilância das autoridades e das forças da marinha, exército e polícia de Portugal.
A população mantem-se calma, podendo dizer-se que a situação de Macau - mais de paz - é por todos desejada e representada. Desta maneira, são destituídas de todo o fundamento, notícias de outra origem que falam de anormalidades em Macau, as quais se desmentem categoricamente. Além disso, repete-se, findaram as operações militares nas vizinhanças de Macau.»
Os nacionalistas ainda se manterão por mais algum tempo efectuando operações que pouco mais seriam que meros assaltos.
Mas Lim Piao continuava a fazer avançar o seu exército, tomando Kueilin, enquanto junto a Macau o comandante naval das forças nacionalistas do Rio das Pérolas desmobilizava cerca de 300 homens que tinha sob o seu comando.
Tchu Hak Kan, compreendia que não tinha o apoio da população e licenciava os seus homens entregando-lhes o equivalente a cerca de 40 patacas, a cada um, em dinheiro de Hong Kong.
Os principais chefes militares nacionalistas «abandonavam o barco» e cinco generais chegavam a Karachi anunciando à imprensa a sua intenção de seguir para Hong Kong.
Em Lisboa, Albino dos Reis fazia na Assembleia Nacional um discurso reproduzido em grandes títulos pela imprensa portuguesa de Macau, no qual confessava o seu empenhamento na «luta contra a ditadura republicana em 28 de Maio de 1926» e intimava a história a reconhecer «que foi graças ao esforço titânico de monárquicos e republicanos que foi possível salvar do naufrágio e das ondas da demagogia infrene, depois do 5 de Outubro, algumas liberdades dos portugueses».
A uma coluna, o jornal «Notícias de Macau» anunciava, em telegrama de Lisboa, que António Ferro, director do SNI, tinha sido nomeado ministro plenipotenciário de Portugal em Berna.
Na vizinha Hong Kong tinham entrado 500 mil refugiados na sequência da ocupação de Xangai pelos comunistas.
Em Macau, a avaliar pela imprensa, de relevante apenas há a registar algumas reuniões eleitorais da União Nacional e do Rotary Clube o torneio de ténis que em 1949 foi ganho por Humberto Rodrigues numa disputada final contra Hoh Wing Chan.
Nos casinos, um general nacionalista «preparava-se» para perder uma imensa fortuna da guerra para pouco depois acabar em condutor de riquechós.
Para lá do horizonte da foz do rio das Pérolas, o Kuomintang reorganizava-se no bastião insular da Formosa.
Chiang Kai-shek não teria oportunidade de ascender ao poder absoluto de uma China unificada como era sua ambição.
No continente, uma fase inteiramente nova da história da China iniciava-se esbatendo as memórias da guerra civil até tornar possível enunciar o novo conceito de «um país dois sistemas».
Mas Lim Piao continuava a fazer avançar o seu exército, tomando Kueilin, enquanto junto a Macau o comandante naval das forças nacionalistas do Rio das Pérolas desmobilizava cerca de 300 homens que tinha sob o seu comando.
Tchu Hak Kan, compreendia que não tinha o apoio da população e licenciava os seus homens entregando-lhes o equivalente a cerca de 40 patacas, a cada um, em dinheiro de Hong Kong.
Os principais chefes militares nacionalistas «abandonavam o barco» e cinco generais chegavam a Karachi anunciando à imprensa a sua intenção de seguir para Hong Kong.
Em Lisboa, Albino dos Reis fazia na Assembleia Nacional um discurso reproduzido em grandes títulos pela imprensa portuguesa de Macau, no qual confessava o seu empenhamento na «luta contra a ditadura republicana em 28 de Maio de 1926» e intimava a história a reconhecer «que foi graças ao esforço titânico de monárquicos e republicanos que foi possível salvar do naufrágio e das ondas da demagogia infrene, depois do 5 de Outubro, algumas liberdades dos portugueses».
A uma coluna, o jornal «Notícias de Macau» anunciava, em telegrama de Lisboa, que António Ferro, director do SNI, tinha sido nomeado ministro plenipotenciário de Portugal em Berna.
Na vizinha Hong Kong tinham entrado 500 mil refugiados na sequência da ocupação de Xangai pelos comunistas.
Em Macau, a avaliar pela imprensa, de relevante apenas há a registar algumas reuniões eleitorais da União Nacional e do Rotary Clube o torneio de ténis que em 1949 foi ganho por Humberto Rodrigues numa disputada final contra Hoh Wing Chan.
Nos casinos, um general nacionalista «preparava-se» para perder uma imensa fortuna da guerra para pouco depois acabar em condutor de riquechós.
Para lá do horizonte da foz do rio das Pérolas, o Kuomintang reorganizava-se no bastião insular da Formosa.
Chiang Kai-shek não teria oportunidade de ascender ao poder absoluto de uma China unificada como era sua ambição.
No continente, uma fase inteiramente nova da história da China iniciava-se esbatendo as memórias da guerra civil até tornar possível enunciar o novo conceito de «um país dois sistemas».
A imprensa de Macau : como os jornais falavam da 2 guerra", artigo de João Guedes publicado na Revista "Macau" em Dezembro de 1987, p. 30-34.
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