Desde o início da diáspora
Foi a primeira Casa de Macau criada no exterior, embora seja e tenha sido muito mais que isso. A presença da comunidade portuguesa e macaense em Hong Kong tem origens desde o início da colonização britânica na sequência da Guerra do Ópio. Tudo começou em 1841, quando vários portugueses de Macau rumaram a Hong Kong para trabalhar na recém-criada administração pública colonial
A primeira grande vaga de emigração macaense para o outro lado do Delta do Rio das Pérolas começou em 1849 após o assassinato do governador Ferreira do Amaral. Fundado em 1866, o Clube Lusitano nasceu da vontade de várias dezenas de portugueses e macaenses que trabalhavam para a administração do território vizinho, com especial destaque para o papel desempenhado por J. A. Barretto e Delfino Noronha, de quem partiu a ideia de criar um clube que representasse uma comunidade que ia cimentando o seu lugar na sociedade de Hong Kong. Na altura em que foi criado o Clube Lusitano, já estavam em actividade duas associações que congregavam a comunidade: Clube Venatório e o Club de Recreio (entidade que ao longo de décadas foi a grande rival do Clube Lusitano em Hong Kong). Ao longo do século XX, seguiram-se outras vagas migratórias de Macau para Hong Kong, o que sucedia em alturas de maiores dificuldades económicas no território então administrado por Portugal ou em fases de tensão política com a China, como foi o caso dos acontecimentos que ficaram conhecidos como o “um, dois, três” durante a Revolução Cultural. Actualmente existem vários milhares de cidadãos com nacionalidade portuguesa em Hong Kong, a maioria dos quais com origens em Macau. Contudo, strictu sensu, a comunidade de cultura portuguesa e macaense é bem mais reduzida do que há algumas décadas. Isto acontece porque uma parte dos macaenses que emigraram para Hong Kong rumaram posteriormente para outros países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, Brasil ou Portugal. São comuns as histórias de pessoas que saíram de Macau nos anos 60 para Hong Kong, sobretudo para trabalhar no Hong Kong and Shanghai Banking Corporation, e que nas décadas de 70 e 80 decidiram abandonar o Delta do Rio das Pérolas para a Europa, América ou Austrália. Em declarações à MACAU, o comendador Arnaldo Oliveira Sales, presidente do Clube Lusitano desde 1967, reconhece que “é difícil saber ao certo quantos portugueses vivem em Hong Kong, uma vez que muitos dos que vieram de Xangai, após a II Guerra Mundial, e de Macau acabaram por ir para os Estados Unidos, Austrália ou Portugal”. Actualmente o Clube Lusitano conta com mais de 400 sócios, embora apenas pouco mais de 100 sejam considerados sócios activos. Dos cerca de 400 associados, várias pessoas já não vivem em Hong Kong, embora mantenham ligações fortes ao Clube Lusitano.
Almoçar sem pagar
Durante várias décadas, era promovida, no dia 10 de Junho, Dia de Portugal, uma corrida de cavalos no Hong Kong Jockey Club. Esse actividade foi abandonada recentemente “por falta de apoios”, explica Arnaldo Oliveira Sales, decano da comunidade cuja carreira profissional e cívica ficou marcada pelos vários cargos de serviços público que ocupou – com destaque para a presidência do Urban Coucil – e pelas medalhas e menções de mérito que teve por parte das autoridades de Hong Kong, Macau e Portugal. Sales foi também um dos principais responsáveis pela elevação do Clube Lusitano em termos de solidez financeira e pelo facto do Clube ter sede e dar nome a um dos mais marcantes edifícios do sky line de Hong Kong: o Lusitano Club Building. No 27º andar, está à disposição dos sócios um “Salão Nobre” para promoverem actividades culturais e recreativas, ao passo que no 24º piso os associados têm acesso a uma sala onde podem organizar almoços e jantares em ocasiões especiais. Além disso, diz Oliveira Sales, com visível orgulho, “todos dos dias os sócios podem almoçar no Clube sem pagar um avo”.
Foi a primeira Casa de Macau criada no exterior, embora seja e tenha sido muito mais que isso. A presença da comunidade portuguesa e macaense em Hong Kong tem origens desde o início da colonização britânica na sequência da Guerra do Ópio. Tudo começou em 1841, quando vários portugueses de Macau rumaram a Hong Kong para trabalhar na recém-criada administração pública colonial
A primeira grande vaga de emigração macaense para o outro lado do Delta do Rio das Pérolas começou em 1849 após o assassinato do governador Ferreira do Amaral. Fundado em 1866, o Clube Lusitano nasceu da vontade de várias dezenas de portugueses e macaenses que trabalhavam para a administração do território vizinho, com especial destaque para o papel desempenhado por J. A. Barretto e Delfino Noronha, de quem partiu a ideia de criar um clube que representasse uma comunidade que ia cimentando o seu lugar na sociedade de Hong Kong. Na altura em que foi criado o Clube Lusitano, já estavam em actividade duas associações que congregavam a comunidade: Clube Venatório e o Club de Recreio (entidade que ao longo de décadas foi a grande rival do Clube Lusitano em Hong Kong). Ao longo do século XX, seguiram-se outras vagas migratórias de Macau para Hong Kong, o que sucedia em alturas de maiores dificuldades económicas no território então administrado por Portugal ou em fases de tensão política com a China, como foi o caso dos acontecimentos que ficaram conhecidos como o “um, dois, três” durante a Revolução Cultural. Actualmente existem vários milhares de cidadãos com nacionalidade portuguesa em Hong Kong, a maioria dos quais com origens em Macau. Contudo, strictu sensu, a comunidade de cultura portuguesa e macaense é bem mais reduzida do que há algumas décadas. Isto acontece porque uma parte dos macaenses que emigraram para Hong Kong rumaram posteriormente para outros países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, Brasil ou Portugal. São comuns as histórias de pessoas que saíram de Macau nos anos 60 para Hong Kong, sobretudo para trabalhar no Hong Kong and Shanghai Banking Corporation, e que nas décadas de 70 e 80 decidiram abandonar o Delta do Rio das Pérolas para a Europa, América ou Austrália. Em declarações à MACAU, o comendador Arnaldo Oliveira Sales, presidente do Clube Lusitano desde 1967, reconhece que “é difícil saber ao certo quantos portugueses vivem em Hong Kong, uma vez que muitos dos que vieram de Xangai, após a II Guerra Mundial, e de Macau acabaram por ir para os Estados Unidos, Austrália ou Portugal”. Actualmente o Clube Lusitano conta com mais de 400 sócios, embora apenas pouco mais de 100 sejam considerados sócios activos. Dos cerca de 400 associados, várias pessoas já não vivem em Hong Kong, embora mantenham ligações fortes ao Clube Lusitano.
Almoçar sem pagar
Durante várias décadas, era promovida, no dia 10 de Junho, Dia de Portugal, uma corrida de cavalos no Hong Kong Jockey Club. Esse actividade foi abandonada recentemente “por falta de apoios”, explica Arnaldo Oliveira Sales, decano da comunidade cuja carreira profissional e cívica ficou marcada pelos vários cargos de serviços público que ocupou – com destaque para a presidência do Urban Coucil – e pelas medalhas e menções de mérito que teve por parte das autoridades de Hong Kong, Macau e Portugal. Sales foi também um dos principais responsáveis pela elevação do Clube Lusitano em termos de solidez financeira e pelo facto do Clube ter sede e dar nome a um dos mais marcantes edifícios do sky line de Hong Kong: o Lusitano Club Building. No 27º andar, está à disposição dos sócios um “Salão Nobre” para promoverem actividades culturais e recreativas, ao passo que no 24º piso os associados têm acesso a uma sala onde podem organizar almoços e jantares em ocasiões especiais. Além disso, diz Oliveira Sales, com visível orgulho, “todos dos dias os sócios podem almoçar no Clube sem pagar um avo”.
Artigo da autoria de Gilberto Lopes, José Carlos Matias e Mariana Palavra publicado na Revista Macau em Novembro de 2009.
Um clube único no mundo
Prestes a completar 140 anos, o Club Lusitano de Hong Kong é uma das mais pujantes associações de portugueses em todo o Mundo e a sua rica história confunde-se com a de uma cidade em cuja fundação intervieram decisivamente Macau e a sua população
Não é muito fácil imaginar hoje a “zona portuguesa” de Hong Kong quando a então colónia britânica tinha pouco mais de duas décadas de existência e as comunidades ocidentais ocupavam no litoral da ilha de Victoria uma estreita faixa conhecida como Praya, numa óbvia réplica da Praia Grande, a elegante marginal de Macau na outra margem do estuário.
Há portugueses de Macau presentes no momento da fundação de Hong Kong, em 1841, alguns ocupam até cargos administrativos de relevo, mas o grande êxodo para a nova colónia sucede em 1849, após o assassinato do governador Ferreira do Amaral, e os que chegam à nova cidade albergam-se à sombra da Igreja da Nossa Senhora da Imaculada Conceição, erigida em 1842 em Wellington Street. É esse, na actual zona de Central, o espaço inicial da presença portuguesa em Hong Kong, que ocupa ruas e locais que farão parte da história de uma comunidade, nomeadamente: Elgin, Upper Mosque Terrace, Albuthout, Wyndham, Connaught, Caine, Robinson.
consulado português funcionava em Wyndham Street, assim como a maioria das companhias comerciais portuguesas que adoptaram igualmente a mesma zona para se fixarem. É desse núcleo constituído por comerciantes e funcionários da administração colonial britânica que surge, em 1866, a iniciativa de se criar uma associação da comunidade portuguesa, numa altura em que expatriados de outras nacionalidades, como os alemães e o seu Germania Clube, já dispunham de espaços próprios de convívio. A ideia partiu de dois dos mais bem sucedidos imigrantes, J. A. Barretto e Delfino Noronha, provavelmente descontentes com o crescente carácter selectivo do Hong Kong Club, que exclui a comunidade da sua frequência, e foi apadrinhada em Macau pelo governador Coelho do Amaral, que no dia 17 de Dezembro de 1866 o inaugura na companhia de um representante do seu homólogo de Hong Kong.
A primeira sede do Club Lusitano situava-se em Shelley Street, num edifício onde tinha funcionado o Cosmopolitan Hotel, e, apesar do seu emblema original representar uma mulher num acto de protecção a duas crianças, teriam que passar mais de cem anos para que caísse um das “regras de ouro” do clube, que interditava o acesso de mulheres a boa parte das suas instalações.
Quando da fundação do Lusitano, que surge apenas um ano mais tarde do que o Hongkong and Shanghai Bank, a instituição que é um dos emblemas de Hong Kong, havia já referências à actividade na colónia de um Clube Venatório e de um Club de Recreio, este uma antecipação da colectividade que, com o mesmo nome, se tornou no grande rival do Lusitano.
Pelo Lusitano passa então o núcleo da actividade de lazer de uma comunidade cada vez mais numerosa e com maior influência na vida da colónia e os anos que se seguem assistem a espectáculos e a iniciativas tão variadas como encenação de peças de teatro, ensino da língua portuguesa, oferta de lembranças ao escritor Camilo Castelo Branco, celebração do tricentenário da morte de Luís de Camões e hospedagem de “ilustres hóspedes” oriundos de Macau. O Lusitano consolida a sua fama e influência e, em 1920, muda a sede para Ice Street.
Clube de comunidade num meio fechado como foi durante muitos anos a colónia, o Lusitano não esteve imune às divisões e intrigas que não poucas vezes afectaram os portugueses de Hong Kong e a sua história é também marcada por tentativas de dissidência, de formação de novas colectividades, por gorados movimentos de fusão com outros clubes, pelo alinhamento ou oposição face ao poder em Macau, pela polémica sobre os desnacionalizados (portugueses que tinham obtido a nacionalidade britânica) mas a tudo resistiu, inclusivamente a grandes dívidas bancárias que contraiu na década de 1960 quando o espectro da Revolução Cultural lançou fortes dúvidas sobre o futuro e a viabilidade de Hong Kong.
Um dos momentos mais nobres do Lusitano foi a sua transformação em sede das companhias portuguesas de Voluntários, perante a ameaça de invasão japonesa de Hong Kong, e, quando esta se concretizou no dia de Natal de 1941, em centro de acolhimento de refugiados portugueses, antes da sua evacuação para Macau, um dos raros locais na Ásia que escapou aos movimentos do exército nipónico.
Hoje, o Lusitano procura na sua incrível solidez financeira argumentos para combater o progressivo esvaziamento da comunidade portuguesa em Hong Kong e deve muito da sua pujança aquele que foi, sem dúvida, o mais influente dos seus presidentes, Arnaldo de Oliveira Sales, eleito para o cargo em 1967. Oliveira Sales, que desempenhou inúmeros cargos de relevo na administração de Hong Kong, como o de presidente do Urban Council, nasceu em Cantão mas viveu a maior parte da sua vida em Hong Kong, onde, a partir de 1967, lançou as reformas que permitiram ao Lusitano ser aquilo que hoje é: um dos clubes de comunidade mais sólidos do Mundo.
Texto de Luís Sá também publicado na revista Macau em Dezembro de 2009. Luis Sá é o autor de “The Boys from Macau” - Edição Livros do Oriente.
Prestes a completar 140 anos, o Club Lusitano de Hong Kong é uma das mais pujantes associações de portugueses em todo o Mundo e a sua rica história confunde-se com a de uma cidade em cuja fundação intervieram decisivamente Macau e a sua população
Não é muito fácil imaginar hoje a “zona portuguesa” de Hong Kong quando a então colónia britânica tinha pouco mais de duas décadas de existência e as comunidades ocidentais ocupavam no litoral da ilha de Victoria uma estreita faixa conhecida como Praya, numa óbvia réplica da Praia Grande, a elegante marginal de Macau na outra margem do estuário.
Há portugueses de Macau presentes no momento da fundação de Hong Kong, em 1841, alguns ocupam até cargos administrativos de relevo, mas o grande êxodo para a nova colónia sucede em 1849, após o assassinato do governador Ferreira do Amaral, e os que chegam à nova cidade albergam-se à sombra da Igreja da Nossa Senhora da Imaculada Conceição, erigida em 1842 em Wellington Street. É esse, na actual zona de Central, o espaço inicial da presença portuguesa em Hong Kong, que ocupa ruas e locais que farão parte da história de uma comunidade, nomeadamente: Elgin, Upper Mosque Terrace, Albuthout, Wyndham, Connaught, Caine, Robinson.
consulado português funcionava em Wyndham Street, assim como a maioria das companhias comerciais portuguesas que adoptaram igualmente a mesma zona para se fixarem. É desse núcleo constituído por comerciantes e funcionários da administração colonial britânica que surge, em 1866, a iniciativa de se criar uma associação da comunidade portuguesa, numa altura em que expatriados de outras nacionalidades, como os alemães e o seu Germania Clube, já dispunham de espaços próprios de convívio. A ideia partiu de dois dos mais bem sucedidos imigrantes, J. A. Barretto e Delfino Noronha, provavelmente descontentes com o crescente carácter selectivo do Hong Kong Club, que exclui a comunidade da sua frequência, e foi apadrinhada em Macau pelo governador Coelho do Amaral, que no dia 17 de Dezembro de 1866 o inaugura na companhia de um representante do seu homólogo de Hong Kong.
A primeira sede do Club Lusitano situava-se em Shelley Street, num edifício onde tinha funcionado o Cosmopolitan Hotel, e, apesar do seu emblema original representar uma mulher num acto de protecção a duas crianças, teriam que passar mais de cem anos para que caísse um das “regras de ouro” do clube, que interditava o acesso de mulheres a boa parte das suas instalações.
Quando da fundação do Lusitano, que surge apenas um ano mais tarde do que o Hongkong and Shanghai Bank, a instituição que é um dos emblemas de Hong Kong, havia já referências à actividade na colónia de um Clube Venatório e de um Club de Recreio, este uma antecipação da colectividade que, com o mesmo nome, se tornou no grande rival do Lusitano.
Pelo Lusitano passa então o núcleo da actividade de lazer de uma comunidade cada vez mais numerosa e com maior influência na vida da colónia e os anos que se seguem assistem a espectáculos e a iniciativas tão variadas como encenação de peças de teatro, ensino da língua portuguesa, oferta de lembranças ao escritor Camilo Castelo Branco, celebração do tricentenário da morte de Luís de Camões e hospedagem de “ilustres hóspedes” oriundos de Macau. O Lusitano consolida a sua fama e influência e, em 1920, muda a sede para Ice Street.
Clube de comunidade num meio fechado como foi durante muitos anos a colónia, o Lusitano não esteve imune às divisões e intrigas que não poucas vezes afectaram os portugueses de Hong Kong e a sua história é também marcada por tentativas de dissidência, de formação de novas colectividades, por gorados movimentos de fusão com outros clubes, pelo alinhamento ou oposição face ao poder em Macau, pela polémica sobre os desnacionalizados (portugueses que tinham obtido a nacionalidade britânica) mas a tudo resistiu, inclusivamente a grandes dívidas bancárias que contraiu na década de 1960 quando o espectro da Revolução Cultural lançou fortes dúvidas sobre o futuro e a viabilidade de Hong Kong.
Um dos momentos mais nobres do Lusitano foi a sua transformação em sede das companhias portuguesas de Voluntários, perante a ameaça de invasão japonesa de Hong Kong, e, quando esta se concretizou no dia de Natal de 1941, em centro de acolhimento de refugiados portugueses, antes da sua evacuação para Macau, um dos raros locais na Ásia que escapou aos movimentos do exército nipónico.
Hoje, o Lusitano procura na sua incrível solidez financeira argumentos para combater o progressivo esvaziamento da comunidade portuguesa em Hong Kong e deve muito da sua pujança aquele que foi, sem dúvida, o mais influente dos seus presidentes, Arnaldo de Oliveira Sales, eleito para o cargo em 1967. Oliveira Sales, que desempenhou inúmeros cargos de relevo na administração de Hong Kong, como o de presidente do Urban Council, nasceu em Cantão mas viveu a maior parte da sua vida em Hong Kong, onde, a partir de 1967, lançou as reformas que permitiram ao Lusitano ser aquilo que hoje é: um dos clubes de comunidade mais sólidos do Mundo.
Texto de Luís Sá também publicado na revista Macau em Dezembro de 2009. Luis Sá é o autor de “The Boys from Macau” - Edição Livros do Oriente.
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