O tema é controverso. São várias e distintas as opiniões sobre se Camões viveu de facto em Macau. Aqui fica mais um elemento para consulta.
Artigo "Camões em Macau" da autoria de José Hermano Saraiva (JHS) publicado na "RC: Revista de Cultura", Macau, S. 2 (22) Jan. - Mar. 1995, p. 161-168. JHS Nasceu em Leiria (1919) e licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas (1939), e em Direito (1945). Dedicou-se à advocacia e ao ensino. Foi Ministro da Educação Nacional e Embaixador de Portugal no Brasil. Investigador prolífero, é autor de mais de quarenta títulos de temas históricos. Comunicador extraordinário, revolucionou a divulgação da História de Portugal em programas televisivos de excepcional audiência. É Doutor honoris causa e membro de várias Universidades e Academias, portuguesas e internacionais.
O período da vida de Camões compreendido entre 1553, ano do embarque para a Índia, e 1569, data do regresso a Lisboa, só muito imperfeitamente tem sido descrito pelos biógrafos. Não se sabe o que fez, que relações manteve com as autoridades que em seu tempo governaram a Índia, que cargos terá exercido. Um ponto particularmente enigmático e polémico é o da estadia em Macau. Camões esteve realmente em Macau, ou tudo quanto a esse respeito se tem dito se deve atribuir à atmosfera mítica que, a partir do séc. XVII, envolveu a memória do Poeta?
Há na obra do escritor, quer nos "Lusíadas" quer na "Lírica", abundantes referências a esses anos obscuros, mas ainda se não tentou um trabalho global de coordenação dos elementos proporcionados por esse amplo material informativo. Com base nele e em condições complementares, podemos estabelecer que Camões chegou à Índia em Setembro de 1553 e, ainda nesse ano, tomou parte na expedição à Ilha de Porca. Ia arrolado como escudeiro e a comissão do serviço militar tinha a duração obrigatória de três anos; como escudeiro terá, portanto, servido até aos fins de 1556. Os militares cujo serviço terminava pediam, em seguida, a nomeação para funções civis ou administrativas, mas tinham de esperar durante muito tempo que as suas pretensões fossem realizadas. Diogo do Couto conta um episódio passado com o Vice-Rei D. Pedro de Mascarenhas, que exerceu funções no curto espaço de dez meses: Um militar, que terminara o tempo de serviço e se fazia atrevido por ter protecções em Lisboa, insistia por uma nomeação recordando que havia já três anos que esperava. O VizoRei respondeu "por agora, nomeio os que esperam há quinze; quando chegar a vossa vez...". Não seria, portanto, natural que Camões logo encontrasse nomeação. É, aliás, possível asseverar ter estado desempregado até 1560, pois nas oitavas dirigidas a D. Constantino de Bragança, que sabemos terem sido escritas entre Janeiro e Setembro de 1561, mostra que não tem qualquer ocupação. Esse poema contém um hábil e sinuoso pedido de emprego, mas o irmão do Duque de Bragança não satisfez a pretensão, o que não deve ter surpreendido muito o Poeta, pois os Noronhas eram havidos, na genealogia das prosápias, como uma vergôntea da Casa de Bragança.
A D. Constantino de Bragança sucedeu, no governo da Índia, D. Francisco Coutinho, 2º Conde do Redondo, que exerceu as funções durante apenas dois anos e cinco meses, desde Outubro de 1561 até 28 de Fevereiro de 1564, data da morte. Pode asseverar-se, com segurança, que foi ele quem encontrou um emprego para Camões visto que nas redondilhas "Conde cujo ilustre peito" se faz clara referência ao facto do Conde se ter dignado conceder-lhe finalmente uma ocupação, contra o que parecia ser uma maldição do destino:
Servirdes de me ocupar
Tanto contra meu praneta
Não foi senão asas dar-me
Com que irei a queimar-me
Como faz a borboleta.
Estes últimos versos são tão proféticos que bem podem representar um acrescentamento tardio, porventura da mão do próprio Camões. O que importa salientar é que o único cargo para o qual Camões foi nomeado, enquanto permaneceu no Oriente, foi a provedoria dos defuntos, em Macau. E, na verdade, este emprego serviu para o poeta mais uma vez se queimar e esteve na origem das perseguições relacionadas com o "injusto mando", a que se refere na Est. 58, do Canto X dos Lusíadas.
O Vizo-Rei da Índia corria algum risco ao dar emprego, embora num lugar remoto, a um banido perseguido por uma família tão poderosa como a dos Noronhas. A nomeação podia representar uma injúria ou um ajuste de contas. Do mesmo modo que o 2º Duque de Aveiro protegeu Camões porque os Condes de Linhares estavam em conflito com a casa de Aveiro, a pretexto de primazias na etiqueta cortesã, também é fortemente provável que os Coutinhos ajudassem o Poeta por motivos de rivalidade familiar.
Um velho rancor inimizava os Noronhas e os Coutinhos. Cerca de 1530, deu-se em Lisboa um crime que causou grande indignação entre a nobreza. Um D. António de Noronha desafiou um D. Hilário Coutinho para um duelo, mas, quando este último se dirigia para o local marcado para o combate, o Noronha armou-lhe uma cilada e fê-lo morrer sob as cutiladas dos seus criados. Esse António de Noronha era muito poderoso, por pertencer a uma ordem militar com jurisdição própria e, dessa maneira, escapou ao julgamento pelo crime praticado. Esta circunstância faria pensar no 1º Conde de Linhares, D. António de Noronha, pai de D. Francisco, que foi Chanceler-Mor da Ordem de Cristo, o que explicaria a facilidade com que a Instituição fez valer em Roma as suas prerrogativas. Mas, este António de Noronha era, ao tempo, velho demais para aventuras galantes e os fidalgos com este nome são numerosos. Este facto vem narrado em "La correspondence des premiers nonces permanents au Portugal 1523-1535", Vol. II, Academia Portuguesa de História, Lisboa 1980, pp. 20-21. O núncio chama a atenção para o escândalo que o caso causou entre a nobreza de Lisboa. Penso que há relação entre esse episódio e uma das estrofes cortadas dos Lusíadas:
De três lanças passado Hilário cai;
Mas primeiro vingado a sua tinha;
Não lhe pesa porque a alma a si lhe sai,
Mas porque a linda Antónia nele vinha:
O fugitivo esprito se lhe vai;
E nele o pensamento que o sustinha,
E saindo da alma a quem servia
O nome lhe cortou na boca fria.
A estrofe estava incluída no canto IV, e fazia parte de um núcleo com referências a episódios e pessoas que ele situava na Batalha de Aljubarrota. Essa, e mais dezasseis estrofes foram suprimidas, ou por sugestão do censor ou porque o próprio Camões sentiu que a descrição do episódio central da batalha só tinha a ganhar com a supressão desses pormenores que lhe eram alheios. De qualquer forma, é seguro que em nenhuma das fontes relativas a Aljubarrota se faz referência à morte de um Hilário ou aos seus amores com uma Antónia. É, com grande probabilidade, um eco do drama que opôs os Coutinhos aos Noronhas. E será ainda essa rivalidade que explica que, muito mais tarde, D. Gonçalo Coutinho faça dar sepultura honrada aos ossos do Poeta que, pobre e plebeiamente, jaziam numa cova junto ao Mosteiro de SantÁna. É ainda fortemente provável que esse D. Gonçalo Coutinho tenha tido alguma intervenção na reunião e publicação das rimas que tinham ficado dispersas depois da morte de Camões. Essa edição é, como se sabe, consagrada a D. Gonçalo e a portada do livro contém uma gravura, especialmente desenhada para a obra, com o emblema e a obscura divisa do fidalgo: A oliveira com a legenda Mihi Taxus.
Entre todos estes Coutinhos há relações de parentesco. Assim, o assassinado D. Hilário Coutinho era filho de um D. Gonçalo Coutinho, que descendia de D. Fernando Coutinho (de quem era bisneto),o 2º Conde de Redondo, que protegeu Camões, era também bisneto de D. Fernando Coutinho. Por outro lado, este Fernando Coutinho foi irmão do 2º Conde de Marialva, de nome Gonçalo Coutinho e que foi avô do D. Gonçalo Coutinho que vimos mandar colocar a lápide recordando a memória de Camões. Não fica a despropósito dizer que também irmão do 2º Conde de Marialva foi Álvaro Fernandes Coutinho, "o Magriço", figura central dos Doze Pares de Inglaterra, ao qual Camões deu insólito relevo nos "Lusíadas". Talvez isso represente o seu agradecimento ao homem que se serviu de o nomear "tanto contra seu praneta".
É muito possível que nesta linha de rancores encaroçados, e transmitidos de geração em geração, se deva inserir a nomeação de Camões por D. Francisco Coutinho. Nomeação para que cargo? O único que as biografias referem é o da provedoria dos órfãos em Macau.
A nomeação, que dependia do Vizo-Rei da Índia e era trienal, só pode datar dos finais do governo de D. Francisco, pois que Camões ainda dedicou, em Goa, uma elegia à morte do fidalgo D. Telo de Meneses, facto que ocorreu em 1563. Neste mesmo ano foram publicados, em Goa, os "Colóquios" de Garcia de Orta, que incluem uma ode de Camões, a qual foi, aliás, o primeiro poema que o Vate viu impresso em letra de forma. O impressor foi o Irmão Bustamente, da Companhia de Jesus. É também em 1563 que se vão instalar em Macau, definitivamente, os três primeiros jesuítas, que chegam àquele território em 29 de Julho. Não fica fora dos limites de uma probabilidade admitir que Camões tenha chegado pela mesma altura. Se assim foi, a memória do Poeta está ligada à primeira incipiente organização administrativa dos portugueses em Macau. O Provedor dos Defuntos não é um agente de autoridade ou soberania, função esta que, na realidade, se não justificava nem talvez pudesse funcionar nesses primeiros tempos de Macau. Competia-lhe apenas recolher os bens dos mercadores mortos durante as andanças pelos mares do Oriente, para evitar o seu descaminho e garantir o direito que a eles tinham os órfãos seus sucessores.
Ignoramos se Camões exerceu até ao fim do triénio o seu cargo. Pouco depois de ele partir para a Índia morreu o seu protector, D. Francisco Coutinho, que foi substituído durante seis meses pelo Governador João de Mendonça, que esteve apenas seis meses à frente do governo pois, em Setembro de 64, chegava o novo VizoRei, D. Antão de Noronha. Este tinha sido designado em Lisboa para substituir o Conde de Redondo, ainda em vida deste e antes do termo do triénio. É possível que essa substituição do Vizo-Rei se explique pela mudança do Regente: No fim de 1563 a Rainha D. Catarina renunciou à regência e foi substituída pelo Cardeal D. Henrique. Por alguma razão, a acção do VizoRei foi censurada em Lisboa e a sua substituição decidida. De qualquer modo, pode, com segurança, afirmar-se que só o sucessor do Conde de Redondo podia ter sido o autor do "injusto mando". O seguinte quadro dos Governadores e Vice-Reis da Índia esclarece a questão:
1550/1554 Vizo-Rei D. Afonso de Noronha
1554/1555 Vizo-Rei D. Pedro de Mascarenhas (apenas 9 meses)
1555/1558 Governador Francisco Barreto
1558/1561 Vizo-Rei D. Constantino de Bragança
1561/1564 Vizo-Rei D. Francisco Coutinho (Conde de Redondo)
1564 Governador João de Mendonça
1564/1568 Vizo-Rei D. Antão de Noronha
Há na obra do escritor, quer nos "Lusíadas" quer na "Lírica", abundantes referências a esses anos obscuros, mas ainda se não tentou um trabalho global de coordenação dos elementos proporcionados por esse amplo material informativo. Com base nele e em condições complementares, podemos estabelecer que Camões chegou à Índia em Setembro de 1553 e, ainda nesse ano, tomou parte na expedição à Ilha de Porca. Ia arrolado como escudeiro e a comissão do serviço militar tinha a duração obrigatória de três anos; como escudeiro terá, portanto, servido até aos fins de 1556. Os militares cujo serviço terminava pediam, em seguida, a nomeação para funções civis ou administrativas, mas tinham de esperar durante muito tempo que as suas pretensões fossem realizadas. Diogo do Couto conta um episódio passado com o Vice-Rei D. Pedro de Mascarenhas, que exerceu funções no curto espaço de dez meses: Um militar, que terminara o tempo de serviço e se fazia atrevido por ter protecções em Lisboa, insistia por uma nomeação recordando que havia já três anos que esperava. O VizoRei respondeu "por agora, nomeio os que esperam há quinze; quando chegar a vossa vez...". Não seria, portanto, natural que Camões logo encontrasse nomeação. É, aliás, possível asseverar ter estado desempregado até 1560, pois nas oitavas dirigidas a D. Constantino de Bragança, que sabemos terem sido escritas entre Janeiro e Setembro de 1561, mostra que não tem qualquer ocupação. Esse poema contém um hábil e sinuoso pedido de emprego, mas o irmão do Duque de Bragança não satisfez a pretensão, o que não deve ter surpreendido muito o Poeta, pois os Noronhas eram havidos, na genealogia das prosápias, como uma vergôntea da Casa de Bragança.
A D. Constantino de Bragança sucedeu, no governo da Índia, D. Francisco Coutinho, 2º Conde do Redondo, que exerceu as funções durante apenas dois anos e cinco meses, desde Outubro de 1561 até 28 de Fevereiro de 1564, data da morte. Pode asseverar-se, com segurança, que foi ele quem encontrou um emprego para Camões visto que nas redondilhas "Conde cujo ilustre peito" se faz clara referência ao facto do Conde se ter dignado conceder-lhe finalmente uma ocupação, contra o que parecia ser uma maldição do destino:
Servirdes de me ocupar
Tanto contra meu praneta
Não foi senão asas dar-me
Com que irei a queimar-me
Como faz a borboleta.
Estes últimos versos são tão proféticos que bem podem representar um acrescentamento tardio, porventura da mão do próprio Camões. O que importa salientar é que o único cargo para o qual Camões foi nomeado, enquanto permaneceu no Oriente, foi a provedoria dos defuntos, em Macau. E, na verdade, este emprego serviu para o poeta mais uma vez se queimar e esteve na origem das perseguições relacionadas com o "injusto mando", a que se refere na Est. 58, do Canto X dos Lusíadas.
O Vizo-Rei da Índia corria algum risco ao dar emprego, embora num lugar remoto, a um banido perseguido por uma família tão poderosa como a dos Noronhas. A nomeação podia representar uma injúria ou um ajuste de contas. Do mesmo modo que o 2º Duque de Aveiro protegeu Camões porque os Condes de Linhares estavam em conflito com a casa de Aveiro, a pretexto de primazias na etiqueta cortesã, também é fortemente provável que os Coutinhos ajudassem o Poeta por motivos de rivalidade familiar.
Um velho rancor inimizava os Noronhas e os Coutinhos. Cerca de 1530, deu-se em Lisboa um crime que causou grande indignação entre a nobreza. Um D. António de Noronha desafiou um D. Hilário Coutinho para um duelo, mas, quando este último se dirigia para o local marcado para o combate, o Noronha armou-lhe uma cilada e fê-lo morrer sob as cutiladas dos seus criados. Esse António de Noronha era muito poderoso, por pertencer a uma ordem militar com jurisdição própria e, dessa maneira, escapou ao julgamento pelo crime praticado. Esta circunstância faria pensar no 1º Conde de Linhares, D. António de Noronha, pai de D. Francisco, que foi Chanceler-Mor da Ordem de Cristo, o que explicaria a facilidade com que a Instituição fez valer em Roma as suas prerrogativas. Mas, este António de Noronha era, ao tempo, velho demais para aventuras galantes e os fidalgos com este nome são numerosos. Este facto vem narrado em "La correspondence des premiers nonces permanents au Portugal 1523-1535", Vol. II, Academia Portuguesa de História, Lisboa 1980, pp. 20-21. O núncio chama a atenção para o escândalo que o caso causou entre a nobreza de Lisboa. Penso que há relação entre esse episódio e uma das estrofes cortadas dos Lusíadas:
De três lanças passado Hilário cai;
Mas primeiro vingado a sua tinha;
Não lhe pesa porque a alma a si lhe sai,
Mas porque a linda Antónia nele vinha:
O fugitivo esprito se lhe vai;
E nele o pensamento que o sustinha,
E saindo da alma a quem servia
O nome lhe cortou na boca fria.
A estrofe estava incluída no canto IV, e fazia parte de um núcleo com referências a episódios e pessoas que ele situava na Batalha de Aljubarrota. Essa, e mais dezasseis estrofes foram suprimidas, ou por sugestão do censor ou porque o próprio Camões sentiu que a descrição do episódio central da batalha só tinha a ganhar com a supressão desses pormenores que lhe eram alheios. De qualquer forma, é seguro que em nenhuma das fontes relativas a Aljubarrota se faz referência à morte de um Hilário ou aos seus amores com uma Antónia. É, com grande probabilidade, um eco do drama que opôs os Coutinhos aos Noronhas. E será ainda essa rivalidade que explica que, muito mais tarde, D. Gonçalo Coutinho faça dar sepultura honrada aos ossos do Poeta que, pobre e plebeiamente, jaziam numa cova junto ao Mosteiro de SantÁna. É ainda fortemente provável que esse D. Gonçalo Coutinho tenha tido alguma intervenção na reunião e publicação das rimas que tinham ficado dispersas depois da morte de Camões. Essa edição é, como se sabe, consagrada a D. Gonçalo e a portada do livro contém uma gravura, especialmente desenhada para a obra, com o emblema e a obscura divisa do fidalgo: A oliveira com a legenda Mihi Taxus.
Entre todos estes Coutinhos há relações de parentesco. Assim, o assassinado D. Hilário Coutinho era filho de um D. Gonçalo Coutinho, que descendia de D. Fernando Coutinho (de quem era bisneto),o 2º Conde de Redondo, que protegeu Camões, era também bisneto de D. Fernando Coutinho. Por outro lado, este Fernando Coutinho foi irmão do 2º Conde de Marialva, de nome Gonçalo Coutinho e que foi avô do D. Gonçalo Coutinho que vimos mandar colocar a lápide recordando a memória de Camões. Não fica a despropósito dizer que também irmão do 2º Conde de Marialva foi Álvaro Fernandes Coutinho, "o Magriço", figura central dos Doze Pares de Inglaterra, ao qual Camões deu insólito relevo nos "Lusíadas". Talvez isso represente o seu agradecimento ao homem que se serviu de o nomear "tanto contra seu praneta".
É muito possível que nesta linha de rancores encaroçados, e transmitidos de geração em geração, se deva inserir a nomeação de Camões por D. Francisco Coutinho. Nomeação para que cargo? O único que as biografias referem é o da provedoria dos órfãos em Macau.
A nomeação, que dependia do Vizo-Rei da Índia e era trienal, só pode datar dos finais do governo de D. Francisco, pois que Camões ainda dedicou, em Goa, uma elegia à morte do fidalgo D. Telo de Meneses, facto que ocorreu em 1563. Neste mesmo ano foram publicados, em Goa, os "Colóquios" de Garcia de Orta, que incluem uma ode de Camões, a qual foi, aliás, o primeiro poema que o Vate viu impresso em letra de forma. O impressor foi o Irmão Bustamente, da Companhia de Jesus. É também em 1563 que se vão instalar em Macau, definitivamente, os três primeiros jesuítas, que chegam àquele território em 29 de Julho. Não fica fora dos limites de uma probabilidade admitir que Camões tenha chegado pela mesma altura. Se assim foi, a memória do Poeta está ligada à primeira incipiente organização administrativa dos portugueses em Macau. O Provedor dos Defuntos não é um agente de autoridade ou soberania, função esta que, na realidade, se não justificava nem talvez pudesse funcionar nesses primeiros tempos de Macau. Competia-lhe apenas recolher os bens dos mercadores mortos durante as andanças pelos mares do Oriente, para evitar o seu descaminho e garantir o direito que a eles tinham os órfãos seus sucessores.
Ignoramos se Camões exerceu até ao fim do triénio o seu cargo. Pouco depois de ele partir para a Índia morreu o seu protector, D. Francisco Coutinho, que foi substituído durante seis meses pelo Governador João de Mendonça, que esteve apenas seis meses à frente do governo pois, em Setembro de 64, chegava o novo VizoRei, D. Antão de Noronha. Este tinha sido designado em Lisboa para substituir o Conde de Redondo, ainda em vida deste e antes do termo do triénio. É possível que essa substituição do Vizo-Rei se explique pela mudança do Regente: No fim de 1563 a Rainha D. Catarina renunciou à regência e foi substituída pelo Cardeal D. Henrique. Por alguma razão, a acção do VizoRei foi censurada em Lisboa e a sua substituição decidida. De qualquer modo, pode, com segurança, afirmar-se que só o sucessor do Conde de Redondo podia ter sido o autor do "injusto mando". O seguinte quadro dos Governadores e Vice-Reis da Índia esclarece a questão:
1550/1554 Vizo-Rei D. Afonso de Noronha
1554/1555 Vizo-Rei D. Pedro de Mascarenhas (apenas 9 meses)
1555/1558 Governador Francisco Barreto
1558/1561 Vizo-Rei D. Constantino de Bragança
1561/1564 Vizo-Rei D. Francisco Coutinho (Conde de Redondo)
1564 Governador João de Mendonça
1564/1568 Vizo-Rei D. Antão de Noronha
Apesar de opiniões discordantes, julgo acima de qualquer dúvida que Camões esteve na China. No "Cancioneiro" de Madrid, cuja parte camoniana foi publicada num valioso estudo por Maria Isabel S. Ferreira da Cruz, as redondilhas "Sobre os rios que vão" aparecem sob esta epígrafe: "O psalmo super flumina, do mesmo poeta o qual compôs, indo para a China no qual caminho fez um grande naufrágio". O códice é provavelmente posterior à morte de Camões (contém poemas sobre o desastre de Alcácer Quibir) e, por isso, o valor do informe não é definitivo. Mas a publicação, por Francis Lee Hastings, do "Cancioneiro" de Cristóvão Borges contém a primeira parte das mesmas redondilhas com este título: De L. de C. a sua perdição na China. Ora este último cancioneiro tem data precisa: 1578. E Cristóvão Borges era desembargador do Paço, portanto homem bem informado, ou com boa possibilidade de se informar, da vida de um seu contemporâneo. A estada na China e um naufrágio relacionado com ela (à ida, como resultaria do Cancioneiro de Madrid, à vinda, como decorre do informe de Pedro de Mariz) são, portanto, factos que se devem hoje dar por admitidos. E nos "Lusíadas" ficou um eco dos acontecimentos:
Este receberá, plácido e brando,
No seu regaço, o Canto que molhado
Vem do naufrágio triste e miserando,
Dos procelosos baxos escapado,
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
Naquele cuja Lira sonorosa
Será mais afamada que ditosa.
("Os Lusíadas", X, 128)
É flagrante a relação que Camões estabelece entre o naufrágio e o "injusto mando", expressão que, com toda a verosimilhança, significa uma injusta ordem, uma acusação iníqua. O leitor de hoje sente dificuldade em relacionar os dois factos: Porquê uma perseguição(possivelmente uma prisão) em consequência de um naufrágio no qual o Poeta perdeu tudo e, segundo uma tradição (que, aliás, julgo abusiva), só teria salvo os molhados Cantos dos "Lusíadas"? Na verdade, penso que foi a expressão de Camões "molhado Canto" que fez nascer a lenda da salvação do manuscrito. Mas, nem na Épica nem na Lírica a palavra canto aparece com o sentido de poema, mas sempre no de inspiração poética, o de voz que canta; o sentido da alusão é pois o de que, no naufrágio, perdeu absolutamente tudo o que tinha, o que é uma resposta à acusação que lhe foi feita de que teria enriquecido com o desastre. A mesma acepção tem o adjectivo miserando, que significa, à letra, gerador de miséria. Mas também isto se esclarece com o informe de Pedro de Mariz: é que no naufrágio perdeu "o das partes", isto é, perdeu valores que lhe não pertenciam mas dos quais tinha de prestar contas. Naufrágios nessas condições eram muito frequentes. Ficou célebre o de D. Duarte de Menezes, Governador da Índia, que, em 1524, conseguiu que a nau em que regressava a Portugal se afundasse diante de Sesimbra, levando para o fundo os tesouros que devia entregar ao Rei. Não havia tempestade, toda a gente se salvou e ninguém acreditou que o naufrágio fosse casual. O ex-Governador passou sete anos preso no Castelo de Torres Vedras. A fazer fé nos "Ditos Portugueses", chegou-se a falar na sua condenação à morte e, decorridos muitos anos sobre o caso, ainda havia quem atribuísse ao desastre a enorme fortuna de que se vangloriava.
Estoutro episódio, relatado na mesma fonte, mostra até que ponto o naufrágio fraudulento era frequente:
"Uns homens ricos deram fazenda a outro para que fosse com ela a outra parte, e que partiriam o ganho; e perdendo-se desta vez e outras algumas que o armaram de todas disse que não salvara nada. Vendo os merca-dores que eles sós perdiam tudo, e que o outro ganhava aquilo que salvava dos naufrágios, não lhe quiseram dar mais fazenda. Andando este homem depois muito mal roupado e pobre, disse-lhe um Rui Novais:
- Fuão, que remédio tendes agora, pois há tanto tempo que vos não perdestes?"
O Vizo-Rei não acreditou que a perda dos valores que Camões trazia da China resultasse apenas dos perigos do mar. O "injusto mando" mostra que não se tratava de haveres de mercador, mas sim de quantias que deveria oficialmente entregar em Goa. Era esse o caso dos espólios arrecadados pelos provedores, que de Goa deviam ser trazidos a Portugal e aqui entregues aos herdeiros, mas que, realmente, acabavam por não sair da Índia porque os governadores, sempre aflitos com falta de recursos, recorriam a esses valores para outras necessidades.
O "injusto mando" só pode ter sido ordenado por D. Antão de Noronha, visto que, não considerando a fugaz passagem de João de Mendonça, foi este o único Governador da Índia durante os anos que decorrem desde a nomeação para Macau ao regresso do Poeta ao reino. D. Antão era neto de D. Fernando de Menezes, 2º Marquês de Vila Real, e este era irmão de D. António de Noronha, pai do amo de Camões. Portanto, um parentesco muito próximo e o Vizo-Rei não soube superar o espírito de família e agir com isenção.
Pode haver alguma relação entre o "injusto mando" e uma fama nascida pouco depois e relacionada com Antão de Noronha: A fama do "injusto papel". É pura possibilidade, e com todas as reservas a sugiro. D. Antão terminou o seu quadriénio em 1568 e embarcou, de regresso a Portugal. Durante a viagem, adoeceu e morreu. Escreve Faria e Sousa na Ásia Portuguesa: "Encontrou-se no seu testamento que lhe cortassem o braço direito e o guardassem para ser levado à sepultura de seu tio, D. Nuno Álvares, em Ceuta, e que o corpo se lançasse ao mar. Executou-se, e não faltou quem observasse que este golpe, mandado dar em si mesmo e neste membro, foi a sentença dada contra si próprio, porque, ao assinar certo papel injusto, disse 'mão que tal assina bem merece ser cortada'. Tanto pode um respeito que faz fazer a um aquilo mesmo que o próprio abomina" (Ásia Portuguesa, parte III do 2º tomo, captº 3º, nº 12). Também Faria e Sousa se faz eco dessa mesma estranha opinião. O que ela tem de surpreendente é a evidência do disparate. É claro que o Vizo-Rei não se quis punir de coisa nenhuma, mas preservar uma relíquia de si próprio. Mas o facto de uma tão desrazoável suposição ter ocorrido a Couto e a Faria e Sousa (dois nomes interessados na biografia camoniana) leva, eventualmente, a relacionar o papel injusto com o injusto mando.
A informação, triplamente atestada pelos cancioneiros de Madrid e de Cristóvão Borges e por Pedro Mariz, é confirmada, como atrás referimos, pela notícia dada pelo próprio Luís de Camões acerca do naufrágio na foz do Rio Mecom. Esse incidente implica uma viagem dos mares da China para os mares da Índia, ou vice-versa, e é evidente que o facto de ter feito uma tal viagem implica que Camões esteve na China.
Os primórdios de Macau estão ainda toldados por algumas incertezas e a data segura da instalação dos portugueses não está definitivamente estabelecida. Penso que essa incerteza reflecte o carácter vago dos próprios acontecimentos. O estabelecimento dos portugueses deu-se de uma forma progressiva, sem um acto formal de concessão ou de radicação oficial. A mais antiga notícia que alude aos portugueses em Macau é a que Jordão de Freitas nos deu no pequeno, mas precioso, estudo "Macau, materiais para a sua história no século XVI" publicado no Arquivo Histórico Português e reeditado, em 1988, pelo Instituto Cultural de Macau. A notícia é a seguinte: "No anno 3º do reinado de Kia-ching da Dymnastia Mim (1553) navios estrangeiros chegarão ao porto de Hao-King - (Macáo) dizendo que tendo soffrido huma tormenta, e achando-se molhados os artigos de tributo para o Imperador dezejavão que por emquanto se lhes cedessem as praias de HaoKing para enxuga-los; e sendo-lhes permitido por Vampó, segundo Inspector das Costas, principiarão a fazer algumas palhoças." Não falta pitoresco à informação. Por aquele tempo já os navios dos portugueses vagabundeavam há muito tempo pelos Mares da China mas a desorganização, as agressões e os latrocínios cometidos, provocaram o fracasso das sucessivas tentativas de fixação em Liampo, Chincheo, e nas ilhas de Sanchoão, onde estiveram até 1553, e de Lampacao, onde tiveram assento até 1560. Na base da hostilidade chinesa estava não só a má fama, resultante de excessos e injúrias, mas também o facto de se recusarem a pagar impostos às autoridades chinesas. Por isso, e no caso desta informação, pediram licença para desembarcar os valores com os quais, diziam eles, queriam pagar o imposto, com o pretexto de os enxugar ao sol. Mas eles próprios fizeram abrigos de palha para ficar algum tempo em terra.
A situação só se alterou quando o Capitão-Mor Leonel de Sousa fez com os chineses um acordo comprometendo-se a pagar os impostos. O texto do acordo não é conhecido, visto que foi verbal, mas a primeira notícia que temos dele, contida no Tratado das Coisas da China, de Frei Gaspar da Cruz, dominicano que, em 1555,esteve em Cantão, é a de que o acordo não foi com vista à instalação em terra mas apenas a uma pacífica permanência nos portos. A notícia é a seguinte: "As-sentou com os chinas que pagariam seus direitos e que lhes deixassem fazer suas fazendas nos seus portos. E de então para cá as fazem em Cantão, que é o primeiro porto da China; e ali acodem os chinas com suas sedas e almíscar, que são as fazendas principais que na China fazem os portugueses. Ali têm portos seguros onde estão quietos, sem risco e sem inquietar ninguém". Fazenda significa, como se sabe, negócio. O acordo tinha em vista deixar estar os portugueses nos portos da China, negociando tranquilamente e sem risco com os mercadores locais.
Este receberá, plácido e brando,
No seu regaço, o Canto que molhado
Vem do naufrágio triste e miserando,
Dos procelosos baxos escapado,
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
Naquele cuja Lira sonorosa
Será mais afamada que ditosa.
("Os Lusíadas", X, 128)
É flagrante a relação que Camões estabelece entre o naufrágio e o "injusto mando", expressão que, com toda a verosimilhança, significa uma injusta ordem, uma acusação iníqua. O leitor de hoje sente dificuldade em relacionar os dois factos: Porquê uma perseguição(possivelmente uma prisão) em consequência de um naufrágio no qual o Poeta perdeu tudo e, segundo uma tradição (que, aliás, julgo abusiva), só teria salvo os molhados Cantos dos "Lusíadas"? Na verdade, penso que foi a expressão de Camões "molhado Canto" que fez nascer a lenda da salvação do manuscrito. Mas, nem na Épica nem na Lírica a palavra canto aparece com o sentido de poema, mas sempre no de inspiração poética, o de voz que canta; o sentido da alusão é pois o de que, no naufrágio, perdeu absolutamente tudo o que tinha, o que é uma resposta à acusação que lhe foi feita de que teria enriquecido com o desastre. A mesma acepção tem o adjectivo miserando, que significa, à letra, gerador de miséria. Mas também isto se esclarece com o informe de Pedro de Mariz: é que no naufrágio perdeu "o das partes", isto é, perdeu valores que lhe não pertenciam mas dos quais tinha de prestar contas. Naufrágios nessas condições eram muito frequentes. Ficou célebre o de D. Duarte de Menezes, Governador da Índia, que, em 1524, conseguiu que a nau em que regressava a Portugal se afundasse diante de Sesimbra, levando para o fundo os tesouros que devia entregar ao Rei. Não havia tempestade, toda a gente se salvou e ninguém acreditou que o naufrágio fosse casual. O ex-Governador passou sete anos preso no Castelo de Torres Vedras. A fazer fé nos "Ditos Portugueses", chegou-se a falar na sua condenação à morte e, decorridos muitos anos sobre o caso, ainda havia quem atribuísse ao desastre a enorme fortuna de que se vangloriava.
Estoutro episódio, relatado na mesma fonte, mostra até que ponto o naufrágio fraudulento era frequente:
"Uns homens ricos deram fazenda a outro para que fosse com ela a outra parte, e que partiriam o ganho; e perdendo-se desta vez e outras algumas que o armaram de todas disse que não salvara nada. Vendo os merca-dores que eles sós perdiam tudo, e que o outro ganhava aquilo que salvava dos naufrágios, não lhe quiseram dar mais fazenda. Andando este homem depois muito mal roupado e pobre, disse-lhe um Rui Novais:
- Fuão, que remédio tendes agora, pois há tanto tempo que vos não perdestes?"
O Vizo-Rei não acreditou que a perda dos valores que Camões trazia da China resultasse apenas dos perigos do mar. O "injusto mando" mostra que não se tratava de haveres de mercador, mas sim de quantias que deveria oficialmente entregar em Goa. Era esse o caso dos espólios arrecadados pelos provedores, que de Goa deviam ser trazidos a Portugal e aqui entregues aos herdeiros, mas que, realmente, acabavam por não sair da Índia porque os governadores, sempre aflitos com falta de recursos, recorriam a esses valores para outras necessidades.
O "injusto mando" só pode ter sido ordenado por D. Antão de Noronha, visto que, não considerando a fugaz passagem de João de Mendonça, foi este o único Governador da Índia durante os anos que decorrem desde a nomeação para Macau ao regresso do Poeta ao reino. D. Antão era neto de D. Fernando de Menezes, 2º Marquês de Vila Real, e este era irmão de D. António de Noronha, pai do amo de Camões. Portanto, um parentesco muito próximo e o Vizo-Rei não soube superar o espírito de família e agir com isenção.
Pode haver alguma relação entre o "injusto mando" e uma fama nascida pouco depois e relacionada com Antão de Noronha: A fama do "injusto papel". É pura possibilidade, e com todas as reservas a sugiro. D. Antão terminou o seu quadriénio em 1568 e embarcou, de regresso a Portugal. Durante a viagem, adoeceu e morreu. Escreve Faria e Sousa na Ásia Portuguesa: "Encontrou-se no seu testamento que lhe cortassem o braço direito e o guardassem para ser levado à sepultura de seu tio, D. Nuno Álvares, em Ceuta, e que o corpo se lançasse ao mar. Executou-se, e não faltou quem observasse que este golpe, mandado dar em si mesmo e neste membro, foi a sentença dada contra si próprio, porque, ao assinar certo papel injusto, disse 'mão que tal assina bem merece ser cortada'. Tanto pode um respeito que faz fazer a um aquilo mesmo que o próprio abomina" (Ásia Portuguesa, parte III do 2º tomo, captº 3º, nº 12). Também Faria e Sousa se faz eco dessa mesma estranha opinião. O que ela tem de surpreendente é a evidência do disparate. É claro que o Vizo-Rei não se quis punir de coisa nenhuma, mas preservar uma relíquia de si próprio. Mas o facto de uma tão desrazoável suposição ter ocorrido a Couto e a Faria e Sousa (dois nomes interessados na biografia camoniana) leva, eventualmente, a relacionar o papel injusto com o injusto mando.
A informação, triplamente atestada pelos cancioneiros de Madrid e de Cristóvão Borges e por Pedro Mariz, é confirmada, como atrás referimos, pela notícia dada pelo próprio Luís de Camões acerca do naufrágio na foz do Rio Mecom. Esse incidente implica uma viagem dos mares da China para os mares da Índia, ou vice-versa, e é evidente que o facto de ter feito uma tal viagem implica que Camões esteve na China.
Os primórdios de Macau estão ainda toldados por algumas incertezas e a data segura da instalação dos portugueses não está definitivamente estabelecida. Penso que essa incerteza reflecte o carácter vago dos próprios acontecimentos. O estabelecimento dos portugueses deu-se de uma forma progressiva, sem um acto formal de concessão ou de radicação oficial. A mais antiga notícia que alude aos portugueses em Macau é a que Jordão de Freitas nos deu no pequeno, mas precioso, estudo "Macau, materiais para a sua história no século XVI" publicado no Arquivo Histórico Português e reeditado, em 1988, pelo Instituto Cultural de Macau. A notícia é a seguinte: "No anno 3º do reinado de Kia-ching da Dymnastia Mim (1553) navios estrangeiros chegarão ao porto de Hao-King - (Macáo) dizendo que tendo soffrido huma tormenta, e achando-se molhados os artigos de tributo para o Imperador dezejavão que por emquanto se lhes cedessem as praias de HaoKing para enxuga-los; e sendo-lhes permitido por Vampó, segundo Inspector das Costas, principiarão a fazer algumas palhoças." Não falta pitoresco à informação. Por aquele tempo já os navios dos portugueses vagabundeavam há muito tempo pelos Mares da China mas a desorganização, as agressões e os latrocínios cometidos, provocaram o fracasso das sucessivas tentativas de fixação em Liampo, Chincheo, e nas ilhas de Sanchoão, onde estiveram até 1553, e de Lampacao, onde tiveram assento até 1560. Na base da hostilidade chinesa estava não só a má fama, resultante de excessos e injúrias, mas também o facto de se recusarem a pagar impostos às autoridades chinesas. Por isso, e no caso desta informação, pediram licença para desembarcar os valores com os quais, diziam eles, queriam pagar o imposto, com o pretexto de os enxugar ao sol. Mas eles próprios fizeram abrigos de palha para ficar algum tempo em terra.
A situação só se alterou quando o Capitão-Mor Leonel de Sousa fez com os chineses um acordo comprometendo-se a pagar os impostos. O texto do acordo não é conhecido, visto que foi verbal, mas a primeira notícia que temos dele, contida no Tratado das Coisas da China, de Frei Gaspar da Cruz, dominicano que, em 1555,esteve em Cantão, é a de que o acordo não foi com vista à instalação em terra mas apenas a uma pacífica permanência nos portos. A notícia é a seguinte: "As-sentou com os chinas que pagariam seus direitos e que lhes deixassem fazer suas fazendas nos seus portos. E de então para cá as fazem em Cantão, que é o primeiro porto da China; e ali acodem os chinas com suas sedas e almíscar, que são as fazendas principais que na China fazem os portugueses. Ali têm portos seguros onde estão quietos, sem risco e sem inquietar ninguém". Fazenda significa, como se sabe, negócio. O acordo tinha em vista deixar estar os portugueses nos portos da China, negociando tranquilamente e sem risco com os mercadores locais.
Sabe-se como, nos portos chineses, uma grande parte da população vive dentro das embarcações. Os portugueses não tinham, na sua terra, esse costume mas viam-se obrigados a fazer o mesmo, visto que a construção de casas não lhes era permitida. É à luz dessa situação que se devem ler as sucessivas referências ao porto de Macau que, por vezes, são citadas como documentando uma permanência em terra mas podem aludir apenas aos navios estacionados no porto. Já em 1565 o padre jesuíta Manuel Peres foi a Cantão submeter aos mandarins a sua pretensão de se instalar em Macau. A forma como justificou o pedido foi esta: "Minha idade e achaques não são para estar em a nau". No entanto, sabe-se que já alguns portugueses tinham conseguido essa autorização visto que, em Agosto de 1562, um outro membro da Companhia de Jesus foi agasalhado em Macau, na casa de Guilherme Pereira, de onde depois passou para a casa de outro português onde, para se instalarem, construíram duas câmaras, boas e cómodas, e alargaram uma varanda onde armaram um altar para dizer missa. O número dos portugueses que então estavam "em esta terra" seria de perto de 800. "Antes que os padres da Companhia chegassem viviam muito desacostumadamente, mas agora emendaramse muito." Uma descrição de Macau bastante mais tardia (de 1573 a 1575) diz que Macau tinha apenas uma rua, cercada de grades de madeira, que dava aces-so a quatro quarteirões. Trata-se certamente, agora, da Macau onde os portugueses residiam, em rua fechada e separada do povoado nativo, que certamente antecedeu a povoação portuguesa.
Todas esta indicações revelam que é no início da década de sessenta e, portanto, depois do governo de Francisco Barreto, que se inicia a permanência dos portugueses em Macau. Foi no ano de 1562 que o ViceRei Conde de Redondo fez uma tentativa para estabelecer uma relação mais duradoura com a China, enviando para esse efeito, a Macau, Diogo Pereira, irmão daquele Guilherme Pereira que vimos ser dos primeiros a ter casa em terra. O número de habitantes aumentou depressa, constituído principalmente por chineses e outros asiáticos ali atraídos pelo contacto e comércio com os portugueses. Mas, em 1576, o edifício que servia de Sé era apenas uma "pequena ermida" de madeira e, junto a ela, uma "casinha" também de madeira. As alfaias sagradas reduziam-se a um cálice de chumbo. Todos estes elementos convergem no sentido de revelar o carácter provisório e recente da povoação.
Não temos outra prova para o facto de Camões ter ocupado o cargo de Provedor dos Defuntos além da informação dada pelo biógrafo Pedro de Mariz. É possível que a notícia esteja estropiada de alguns aspectos, como, por exemplo, o da pessoa que fez a nomeação, mas fica fora de probabilidade que não existia uma situação verdadeira na base do informe. De resto, todos os biógrafos posteriores reproduzem a informação, embora modificando-lhe as circunstâncias; enquanto para uns foi uma punição por indiscrições cometidas em Goa, para outros foi um prémio para livrar o Poeta da permanente penúria. Em qualquer caso, a nomeação de um Provedor dos Órfãos só podia ter lugar quando uma população relativamente numerosa já existisse no lugar. Ora essa situação verificou-se posteriormente a 1560 mas não anteriormente. Tudo isto se relaciona directamente com a lenda da gruta de Camões.
Já na primeira metade do século XVII, se chamava aos penedos que formam a gruta "Penedos de Camões". A referência ocorre numa enumeração de propriedades da Companhia de Jesus. Este facto já tem sido alegado, e tem grande peso, embora não se possa considerar definitivo. Mas, se pensarmos que Luís de Camões, nomeado para um cargo trienal, tinha de permanecer em terra não só enquanto as naus hibernavam, mas também durante o período em que elas abandonavam o porto para se dirigir ao Japão, e se conjugarmos esse facto com a proibição da construção de habitações permanentes, a hipótese de o Poeta ter utilizado o habitáculo que a gruta proporcionava tem toda a consistência.
Deve ainda acentuar-se a ideia de que, para um poeta lírico do século XVI, uma gruta num local isolado era um lugar poético por excelência. Dois dos sonetos de Camões sugerem situações muito semelhantes àquelas que ele pode ter conhecido entre os penedos de Patane. No soneto "Sustenta meu viver uma esperança", descreve-se enlaçado em redes e acompanhado dos silvos de uma pedra:
( ............... )
Assim que, nestas redes enlaçado,
A penas dou vida, sustentando
Uma nova matéria a meu cuidado;
Suspiros dálma tristes arrancando
Dos silvos de uma pedra acompanhado,
Estou matérias tristes lamentando.
As palavras e as imagens podem ter sido usadas simbolicamente mas não podemos pôr de parte a possibilidade de uma sobreposição entre o sentido poético e a realidade vivida. Era em redes que os portugueses viviam, quer nos seus pequenos abrigos em terra quer nas câmaras das naus. Se esteve na gruta, seria enlaçado em redes e a única companhia seria a da música do vento silvando nos penhascos. No soneto "Onde acharei lugar tão apartado", o Poeta situa-se nas "entranhas dos penedos":
...ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida
Me queixe copiosa e livremente.
O mais natural é que tudo isto sejam apenas tropos poéticos, lugares-comuns no seu tempo. Mas a própria existência desses lugares-comuns sugere que, estando Camões em Macau, não podendo construir casa própria porque a autoridade chinesa lho vedava, e seduzido pela própria metáfora poética do lugar, tenha, de forma duradoura ou não, permanecido nos penedos aos quais a sua memória ficou para sempre ligada.
O argumento, que já tem sido aduzido, de que há na obra de Camões referência expressa à sua estadia na China, carece de peso porque, como já sabemos, na viagem de regresso, o naufrágio arrebatou ao Poeta tudo quanto trazia consigo. Das poesias escritas em Lisboa ou em Goa ficaram as cópias que amigos e curiosos guardavam e transcreviam nos seus cancioneiros. Mas, da poesia escrita durante os anos da China, não deve ter ficado qualquer traslado. Ainda assim, a descrição da Ásia que Camões faz, no Canto X dos "Lusíadas", sugere fortemente que evoca um caminho percorrido até chegar à China. Aí termina a sugestão de viagem. Fala ainda do Japão, mas já como um lugar a que se vai a partir do ponto onde se está; era efectivamente a partir de Macau que as naus do trato partiam para o Japão.
Um facto que pode não ser mais que curiosidade eventual é o de que, no mapa da China, contido no atlas de Fernão Vaz Dourado (que vários biógrafos supõem ter sido um dos amigos de Camões na Ásia), figura, em frente de Macau, na outra margem do Rio das Pérolas, um lugar assinalado pelo topónimo Camão. A relação entre Camão e Camões é ironicamente estabelecida pelo próprio Poeta quando fala, na sua "Carta a uma dama", e recorda a ave chamada Camão, que morre de desgosto quando vê ser adúltera a senhora da casa em que mora:
Experimentou-se algu'hora
Da ave que chamam Camão
Vê adúltera a senhora
Morre de pura paixão.
(...)
O sarcasmo e o carácter autobiográfico da alusão tornam-se claros quando os aproximamos de vários outros textos em que o Poeta exprime o mais indiscreto desgosto pelas infidelidades da senhora em cuja casa serve. Não pode haver qualquer dúvida de que é essa a situação que se descreve nas redondilhas "Se derivais de verdade...".
Da conjugação de todas estas pistas resulta, com segurança, a confirmação da tradição da estadia de Camões em Macau. Estamos perante um facto com tripla atestação documental, e corroborado por todos os elementos circunstanciais conhecidos. O único óbice que existia à aceitação dessa tradição por parte de alguns biógrafos modernos era o anacronismo da intervenção de Francisco Barreto. Tal indicação estava em contradição com todas as outras datas conhecidas e introduzia o caos em qualquer tentativa de ordenação cronológica dos anos de Camões no Oriente. Mas, substituído o nome do governador Barreto pelo do Vizo-Rei D. Antão de Noronha, tudo se toma claro. E sabemos agora que havia motivos fortes para esse falseamento.
É possível determinar, com muita aproximação, a data do regresso a Goa e do naufrágio na foz do Rio Mecom. Nomeado em 1563 para uma função trienal, a viagem do regresso deve ter ocorrido nos finais de 1566. Essa datação está inteiramente de acordo com a conhecida informação que o cronista Diogo do Couto nos deu: quando em 1568 viajava da Índia para Lisboa e foi forçado a hibernar na Ilha de Moçambique, encontrou ali Camões em situação de miséria. Foi o socorro proporcionado pelos amigos que viajavam na mesma nau de Couto que valeu ao Poeta o poder regressar a Lisboa.
Faz-se, portanto, luz sobre esse enigma fechado que têm sido os anos de Camões no Oriente. Entre 1553/56 prestou o seu serviço militar de escudeiro. Entre 1556/63 vegetou na Índia, fez versos de circunstância, saudou com uma peça de teatro a entrada de Barreto no governo, pediu emprego a D. Constantino de Bragança, conviveu com Garcia de Orta e conseguiu, por fim, conquistar alguma simpatia do Vice-Rei Francisco Coutinho. Nomeado por este, em 1563, para as partes da China, lá esteve até 1566. Os últimos dois anos são ocupados pelo regresso e pelo naufrágio na Ásia, pela iníqua perseguição em Goa, pelo embarque à força para o Reino e, enfim, pelo abandono na Ilha de Moçambique.
Todas esta indicações revelam que é no início da década de sessenta e, portanto, depois do governo de Francisco Barreto, que se inicia a permanência dos portugueses em Macau. Foi no ano de 1562 que o ViceRei Conde de Redondo fez uma tentativa para estabelecer uma relação mais duradoura com a China, enviando para esse efeito, a Macau, Diogo Pereira, irmão daquele Guilherme Pereira que vimos ser dos primeiros a ter casa em terra. O número de habitantes aumentou depressa, constituído principalmente por chineses e outros asiáticos ali atraídos pelo contacto e comércio com os portugueses. Mas, em 1576, o edifício que servia de Sé era apenas uma "pequena ermida" de madeira e, junto a ela, uma "casinha" também de madeira. As alfaias sagradas reduziam-se a um cálice de chumbo. Todos estes elementos convergem no sentido de revelar o carácter provisório e recente da povoação.
Não temos outra prova para o facto de Camões ter ocupado o cargo de Provedor dos Defuntos além da informação dada pelo biógrafo Pedro de Mariz. É possível que a notícia esteja estropiada de alguns aspectos, como, por exemplo, o da pessoa que fez a nomeação, mas fica fora de probabilidade que não existia uma situação verdadeira na base do informe. De resto, todos os biógrafos posteriores reproduzem a informação, embora modificando-lhe as circunstâncias; enquanto para uns foi uma punição por indiscrições cometidas em Goa, para outros foi um prémio para livrar o Poeta da permanente penúria. Em qualquer caso, a nomeação de um Provedor dos Órfãos só podia ter lugar quando uma população relativamente numerosa já existisse no lugar. Ora essa situação verificou-se posteriormente a 1560 mas não anteriormente. Tudo isto se relaciona directamente com a lenda da gruta de Camões.
Já na primeira metade do século XVII, se chamava aos penedos que formam a gruta "Penedos de Camões". A referência ocorre numa enumeração de propriedades da Companhia de Jesus. Este facto já tem sido alegado, e tem grande peso, embora não se possa considerar definitivo. Mas, se pensarmos que Luís de Camões, nomeado para um cargo trienal, tinha de permanecer em terra não só enquanto as naus hibernavam, mas também durante o período em que elas abandonavam o porto para se dirigir ao Japão, e se conjugarmos esse facto com a proibição da construção de habitações permanentes, a hipótese de o Poeta ter utilizado o habitáculo que a gruta proporcionava tem toda a consistência.
Deve ainda acentuar-se a ideia de que, para um poeta lírico do século XVI, uma gruta num local isolado era um lugar poético por excelência. Dois dos sonetos de Camões sugerem situações muito semelhantes àquelas que ele pode ter conhecido entre os penedos de Patane. No soneto "Sustenta meu viver uma esperança", descreve-se enlaçado em redes e acompanhado dos silvos de uma pedra:
( ............... )
Assim que, nestas redes enlaçado,
A penas dou vida, sustentando
Uma nova matéria a meu cuidado;
Suspiros dálma tristes arrancando
Dos silvos de uma pedra acompanhado,
Estou matérias tristes lamentando.
As palavras e as imagens podem ter sido usadas simbolicamente mas não podemos pôr de parte a possibilidade de uma sobreposição entre o sentido poético e a realidade vivida. Era em redes que os portugueses viviam, quer nos seus pequenos abrigos em terra quer nas câmaras das naus. Se esteve na gruta, seria enlaçado em redes e a única companhia seria a da música do vento silvando nos penhascos. No soneto "Onde acharei lugar tão apartado", o Poeta situa-se nas "entranhas dos penedos":
...ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida
Me queixe copiosa e livremente.
O mais natural é que tudo isto sejam apenas tropos poéticos, lugares-comuns no seu tempo. Mas a própria existência desses lugares-comuns sugere que, estando Camões em Macau, não podendo construir casa própria porque a autoridade chinesa lho vedava, e seduzido pela própria metáfora poética do lugar, tenha, de forma duradoura ou não, permanecido nos penedos aos quais a sua memória ficou para sempre ligada.
O argumento, que já tem sido aduzido, de que há na obra de Camões referência expressa à sua estadia na China, carece de peso porque, como já sabemos, na viagem de regresso, o naufrágio arrebatou ao Poeta tudo quanto trazia consigo. Das poesias escritas em Lisboa ou em Goa ficaram as cópias que amigos e curiosos guardavam e transcreviam nos seus cancioneiros. Mas, da poesia escrita durante os anos da China, não deve ter ficado qualquer traslado. Ainda assim, a descrição da Ásia que Camões faz, no Canto X dos "Lusíadas", sugere fortemente que evoca um caminho percorrido até chegar à China. Aí termina a sugestão de viagem. Fala ainda do Japão, mas já como um lugar a que se vai a partir do ponto onde se está; era efectivamente a partir de Macau que as naus do trato partiam para o Japão.
Um facto que pode não ser mais que curiosidade eventual é o de que, no mapa da China, contido no atlas de Fernão Vaz Dourado (que vários biógrafos supõem ter sido um dos amigos de Camões na Ásia), figura, em frente de Macau, na outra margem do Rio das Pérolas, um lugar assinalado pelo topónimo Camão. A relação entre Camão e Camões é ironicamente estabelecida pelo próprio Poeta quando fala, na sua "Carta a uma dama", e recorda a ave chamada Camão, que morre de desgosto quando vê ser adúltera a senhora da casa em que mora:
Experimentou-se algu'hora
Da ave que chamam Camão
Vê adúltera a senhora
Morre de pura paixão.
(...)
O sarcasmo e o carácter autobiográfico da alusão tornam-se claros quando os aproximamos de vários outros textos em que o Poeta exprime o mais indiscreto desgosto pelas infidelidades da senhora em cuja casa serve. Não pode haver qualquer dúvida de que é essa a situação que se descreve nas redondilhas "Se derivais de verdade...".
Da conjugação de todas estas pistas resulta, com segurança, a confirmação da tradição da estadia de Camões em Macau. Estamos perante um facto com tripla atestação documental, e corroborado por todos os elementos circunstanciais conhecidos. O único óbice que existia à aceitação dessa tradição por parte de alguns biógrafos modernos era o anacronismo da intervenção de Francisco Barreto. Tal indicação estava em contradição com todas as outras datas conhecidas e introduzia o caos em qualquer tentativa de ordenação cronológica dos anos de Camões no Oriente. Mas, substituído o nome do governador Barreto pelo do Vizo-Rei D. Antão de Noronha, tudo se toma claro. E sabemos agora que havia motivos fortes para esse falseamento.
É possível determinar, com muita aproximação, a data do regresso a Goa e do naufrágio na foz do Rio Mecom. Nomeado em 1563 para uma função trienal, a viagem do regresso deve ter ocorrido nos finais de 1566. Essa datação está inteiramente de acordo com a conhecida informação que o cronista Diogo do Couto nos deu: quando em 1568 viajava da Índia para Lisboa e foi forçado a hibernar na Ilha de Moçambique, encontrou ali Camões em situação de miséria. Foi o socorro proporcionado pelos amigos que viajavam na mesma nau de Couto que valeu ao Poeta o poder regressar a Lisboa.
Faz-se, portanto, luz sobre esse enigma fechado que têm sido os anos de Camões no Oriente. Entre 1553/56 prestou o seu serviço militar de escudeiro. Entre 1556/63 vegetou na Índia, fez versos de circunstância, saudou com uma peça de teatro a entrada de Barreto no governo, pediu emprego a D. Constantino de Bragança, conviveu com Garcia de Orta e conseguiu, por fim, conquistar alguma simpatia do Vice-Rei Francisco Coutinho. Nomeado por este, em 1563, para as partes da China, lá esteve até 1566. Os últimos dois anos são ocupados pelo regresso e pelo naufrágio na Ásia, pela iníqua perseguição em Goa, pelo embarque à força para o Reino e, enfim, pelo abandono na Ilha de Moçambique.
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