segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

"Notas sobre a Arte Chinesa" de J. V .Jorge

José Vicente Jorge era um coleccionador de arte muito conhecido no seio da comunidade macaense nos anos 30 e 40. A colecção, exposta na sua casa da Rua da Penha que se tornara um verdadeiro museu, era reputada como a melhor de Macau e uma das melhores do mundo pela quantidade e qualidade dos objectos reunidos. No livro "Notas sobre a Arte Chinesa" (1940) impresso na Tipografia Mercantil de N. T. Fernandes & Filho, José Vicente Jorge (1872-1948) deixa testemunho da sua paixão ao fazer um autêntico catálogo de arte chinesa.
Reedição ICM, 1995
A obra insere-se na promoção das manifestações e produções artísticas coloniais da Exposição do Mundo Português de 1940. Fornece toda a descrição cronológica da arte chinesa e das suas principais produções em cada dinastia. O trabalho tem o propósito de servir de guia ao coleccionador de arte chinesa através da descrição das marcas dos fabricantes, nomeadamente da dinastia Ming e Tsing; das marcas de sala e marcas de sala do palácio; marcas para exprimir bons desejos e felicitações; os símbolos chineses e sua interpretação; as preciosidades e os emblemas budistas; descrição dos objectos de bronze, de vidro, de jade, de pintura, e ainda: caligrafia, esmalte, gravuras, talha, laca, tecidos, brocados e bordados, etc. No final da obra são reproduzidas imagens de parte da colecção de 10.000 objectos que o autor reuniu durante 40 anos
Notas sobre a Arte Chinesa foi reeditado em 1995 pelo Instituto Cultural de Macau continuando a ser uma uma obra de referência sobre arte chinesa.
 Aspecto de uma das divisões da casa de JVJ com centenas de objectos de arte chinesa.
Em Maio de 1943 Luís Gonzaga Gomes escreve na revista Renascimento um longo artigo a que chama "Curiosidades Chinesas: o Museu do Senhor José Vicente Jorge” e onde se pode ler que "A (colecção) do senhor Jorge é sem dúvida… a mais rica e a mais numerosa. O seu palacete é hoje um verdadeiro e valiosíssimo museu, pletórico de incalculáveis preciosidades (...) Nos tempos mais recentes podemos citar o nome de várias pessoas que se dedicaram a formar com paixão colecções de objectos de arte antiga, principalmente da arte chinesa, como Camilo Pessanha, Silva Mendes e o Sr. José Jorge. Dos novos apraz-nos lembrar o do Sr. Dr. José Ferreira de Castro, possuidor de uma interessantíssima colecção escolhida com delicado gusto e em que predominam os bronzes e o do Sr. Dr. Pedro Guimarães Lobato, cuja ecléctica colecção azul e branco, é constituída por peças meticulosamente seleccionadas.
Pessanha, antes de falecer, oferecera as melhores peças da sua colecção ao Museu das Janelas Verdes de Lisboa. Da colecção de Silva Mendes, grande parte foi adquirida depois do seu falecimento, pelo Governo, para o Museu local. A do Sr. Jorge é sem dúvida das três a mais rica e a mais numerosa. O seu palacete é hoje um verdadeiro e valiosíssimo museu, pletórico de incalculáveis preciosidades, que nenhum estrangeiro ilustre, de passagem por esta Colónia, deixa de visitar. Tivemos ainda há dias mais uma vez o prazer de ir deleitar os nossos olhos nesta admirável colecção, hoje devidamente inventariada e classificada. […] A formar o ambiente, as salas estão repletas de ricos móveis de pau preto, admiravelmente esculpidos e reluzentes por constantes bruniduras de encáustica.
Para decoração dos interiores, foram inteligentemente aproveitados os belos frisos e lambrequins dos velhos tempos numa apoteose de estranhos rendilhados a oiro fulvo; e dos tectos pendem candelabros, lanternas ilustres de uma sumptuosidade ornamental de pasmar. Até as portas dos diversos compartimentos são autênticas portas antigas de casas chinesas, que se desfizeram, e onde se encontram encaixilhadas preciosas hialografias e vitrais com desenhos isentos de intervenção de ácidos. Logo no vestíbulo pode o visitante admirar dois manipanços em madeira doirada e esculpidos com notável perfeição, estando os mesmos assentes em dois artísticos escaparates prodigiosamente arrendilhados, na sua pompa de passarinhos, de folhas, de exóticos e enigmáticos símbolos. Na sala de espera, não saberá o visitante deter-se diante de qual objecto para o apreciar, tal a profusão de preciosas coisas ordenada e gracilmente distribuídas. O centro é ocupado por um gigantesco jarrão, raro quanto mais não seja pelo seu descomunal tamanho.
Um par de aguarelas, executadas em duas enormes lápides de mármore e devidamente encaixilhadas em pau preto, ocupam a parede que fica à mão direita de quem sobe a escada. Por outras paredes estão afixados variados pratos, tabuletas com perfeitíssimos embutidos de bambu e delicadíssima factura, quadros notáveis pela harmoniosa distribuição das cores e, dispersos por vários cantos, em desordem ordenada, hastarias com nitentes lanças, bisarmas, partasanas, tridentes e gládios de antigos guerreiros chineses, em cobre finamente cinzelados. A vasta sala de jantar é ocupada ao centro por uma enorme mesa de nara, a preciosa madeira em que se talhavam as ricas mobílias das famílias abastadas do velho Macau, e estonteia o visitante a formidável profusão de travessas, salvas e pratos em azul e branco que reveste de alto a baixo todas as quatro paredes deste compartimento. […]”
No palacete de José Vicente Jorge, na Rua da Penha, existiam “cerca de 10.000 peças, representando os principais ramos de arte chinesa – cerâmica, bronze, jade, pintura, caligrafia, escultura, gravura, esmalte, laca, bordado e mobília”. Ainda segundo JVJ, o livro “não é um tratado sobre cerâmica chinesa, pois a tanto não me abalançava”, mas “simples apontamentos, tirados de vários livros, de conversas com alguns coleccionadores chineses… e do que me foi possível observar, durante o longo período de 50 anos, em que tenho andado a coleccionar, pois que, no desempenho das minhas funções oficiais, tive a ocasião de visitar palácios de príncipes e reis, o Palácio Imperial, os museus do imperador e da imperatriz, tendo ficado maravilhado com as preciosidades que vi, tanto de arte cerâmica como das outras, todas de autenticidade absolutamente indiscutível”. 
José Vicente Jorge nasceu em Macau a 27 de Dezembro de 1872, sendo neto e filho de dois influentes macaenses, respectivamente, José Vicente Caetano Jorge, próspero comerciante que foi vereador, procurador do concelho e provedor da Santa Casa da Misericórdia, e Câncio José Jorge, intérprete-tradutor, que também foi vereador e ainda vice-presidente e presidente do Leal Senado, cônsul-interino de Portugal no Sião e nos estabelecimentos britânicos dos estreitos de Singapura, Malaca e suas dependências, advogado provisionário, juíz substituto e delegado interino do procurador da Coroa.
Após os estudos secundários, José Vicente Jorge fez o curso da escola de intérpretes da Repartição do Expediente Sínico, passando a integrar o quadro desse serviço público, a que dedicou a primeira fase da actividade profissional, ao mesmo tempo que dava colaboração nas áreas cultural, social e intelectual de Macau, e desempenhava funções docentes no Instituto Comercial, anexo ao Liceu de Macau.
Esteve colocado na Legação de Portugal em Pequim, como secretário-intérprete, de Junho de 1908 a Março de 1911, tendo chefiado interinamente a Legação durante seis meses e contribuído eficazmente para assegurar o seu regular funcionamento no período de mudança do regime político em Portugal.
Família de JVJ

Regressado a Macau e já subchefe da Repartição Técnica do Expediente Sínico, assumiu interinamente a chefia deste organismo, bem como a da Procuratura do Expediente Sínico, deslocando-se numerosas vezes a Cantão em comissões especiais, como delegado do Governador de Macau. Integrou também o Conselho da Província de Macau, a Comissão de Assistência Judiciária e a comissão directora do Colégio de Santa Rosa de Lima. Já aposentado, foi nomeado 2.° juíz substituto do Tribunal Privativo dos Chinas e vogal representante da comunidade chinesa no Conselho Legislativo, exercendo também a docência no Liceu Central de Macau e a actividade de solicitador. Integrou o Instituto de Macau, que reuniu os homens mais cultos da terra mas teve vida efémera, traduziu importantes obras sobre a cultura, usos e costumes chineses e foi agraciado pelo Estado Português com a comenda da Ordem Militar de Cristo. Morreu em Lisboa a 22 de Novembro de 1948, para onde fora viver com a família após a 2ª Guerra Mundial.

1 comentário:

  1. Um homem notável, cultíssimo esta obra é lindíssima tenho andado a namora-la num site de um alfarrabista de Lisboa há algum tempo.
    Tem também uns livros em colaboração com Camilo Pessanha no estudo do mandarim para portugueses que adoraria ter, mas que são livros muito raros.
    Julgo ser como o meu bisavô um homem muito esquecido que também deveria ter um página no Wikipédia e até no facebook para memória futura, um dia ainda vou tornar isso possível já que é um homem que muito admiro...
    uma homenagem bem merecida, parabéns João Botas realmente sempre atento a estas coisas

    ResponderEliminar