Em 2011 a investigadora Cristina Moreno (viveu em Macau nos anos 80 e 90) preparava no âmbito de uma tese de mestrado e projecto de doutoramento, na FCSH-Universidade Nova de Lisboa, um estudo que pretendia averiguar como a comunidade macaense se recompôs ao longo deste último século e meio de história e de como as migrações macaenses jogaram um papel na oscilação de uma “comunidade que sempre se sentiu ameaçada”. Segue-se a entrevista dada na altura ao jornal Hoje Macau.
Como é que surge este seu interesse académico pela questão das migrações e pela comunidade macaense, ou em rigor, pelas comunidades, no plural?
- O tema das migrações é um tema que me interessa, principalmente perceber como os movimentos de população se ligam às questões transnacionais, da globalização etc. O meu interesse pelas migrações macaenses vem da minha estadia em Macau. São um grupo social que sempre me interessou imenso. São um grupo de charneira por estarem, assim em termos muito gerais, entre a comunidade portuguesa - e dizer isto é bastante problemático - e a comunidade chinesa; de serem filhos de um processo de colonização, sempre abandonados ou ostracizados. Mesmo dentro de Macau, pelos vários poderes, seja pelos chineses seja pela administração colonial.
Quando eu comecei a estudar melhor a comunidade macaense apercebi-me que havia um movimento migratório bastante antigo que tinha começado, mais ou menos, na altura da guerra do ópio, cerca de 1840, quando pessoas que trabalhavam para as companhias inglesas que, na altura estavam sediadas em Macau e que com a formação de Hong Kong se mudaram para lá. Este fenómeno levou uma série de famílias macaenses a deslocarem-se para aquele território e daí para cidades chinesas, principalmente Xangai.
Como caracterizaria este processos migratórios?
- Penso que estes processos migratórios - e esta é uma das minhas interrogações mas eu acho que pelas pesquisas exploratórias que fiz até agora se confirma - assentam em redes familiares. Nessa altura, há um triângulo que se forma, muito importante, entre Macau, Xangai e Hong Kong. Há uma série de macaenses que vão trabalhar, primeiro, para Hong Kong e depois para Xangai com essas companhias inglesas. A partir deste momento, dá-se o início daquilo a que os macaenses hoje chamam a si próprios uma diáspora. Ou seja, a partir daqui registam-se fluxos migratórios constantes, dependentes das situações e contingências político-sociais. Neste momento, existem comunidades macaenses no Brasil, nos Estados Unidos, na Austrália, no Canadá, em vários pontos da Europa e em Portugal. A diáspora começa a ser uma expressão usada para designar as comunidades que mantém laços entre elas – não só os mantém como os recompõem, reforçam e até lhes dão uma dinâmica que tinham vindo a perder.
Começa-se a falar de diáspora macaense mais ou menos na altura em que fica decidida a data da passagem da administração para a China. Por exemplo, há instituições que são formadas em Macau, como o Instituto Internacional de Macau que hoje estão viradas para as comunidades macaenses no exterior. Mas, enfim, o meu foco não vai ser tanto esse, das redes institucionais, mas vai antes ser mais baseado no estudo das próprias redes familiares. Aquilo que eu estou a tentar fazer é, através dos estudos de histórias de vida, da genealogia, através do confronto comparativo entre várias gerações, perceber como é que entre final dos anos 80 até hoje, os grupos dispersos de macaenses vão reconstruindo esses laços que tinham perdido e com base em quê. É curiosíssimo que o patuá, já ninguém o falava, e agora na internet vêm-se fóruns em patuá, por exemplo.
Trata-se de uma estratégia de sobrevivência?
- Poderá ser, sim. A comunidade macaense sempre viveu ameaçada pela extinção. Cada catástrofe socioeconómica ou política ameaçava a comunidade macaense – ou ela se sentia ameaçada. Refiro-me, pelo menos, aos discursos. É muito curioso ler, por exemplo, o livro “Macau histórico” do Montalto de Jesus, de cerca de 1920. Ali estão todos os fantasmas ligados a esta situação de permanente indefinição. Acho que há ainda poucos estudos nas ciências sociais sobre os macaenses e, principalmente, sobre as migrações macaenses. Outro ponto que me interessa é cruzar este estudo das migrações macaenses com o das grandes correntes migratórias, através da História e da Geografia Humana, - desde finais do século XIX - e com a recomposição dessas grandes correntes migratórias ao longo dos tempos.
Entrevista de Carlos Picassinos publicada no HM de 14-7-2011
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