Quando por ordem do Conselheiro Borja se começou em 1890 a construir o dique para ligar a ilha Verde à península de Macau, o bispo D. António Joaquim de Medeiros começou a perceber quais poderiam ser as intenções do governador. Lembrou-se então que, já em 1873 o delegado do Procurador da Coroa e Fazenda contestara o direito do Seminário de S. José à posse da Ilha Verde, pois aí pretendia fazer um logradouro público. Como o tribunal decidira a favor do Seminário, o problema parecia ter ficado resolvido. Agora, seria possível que, com a construção do istmo, se voltasse a pensar fazer da Ilha Verde, com uma frondosa vegetação, um lugar privilegiado de recreio para a população de Macau?
Pelo sim, pelo não, o bispo D. António Joaquim de Medeiros (1885-97) mandou amuralhar a ilha, que pertencia ao Seminário de S. José. Também a questão do muro, que em 1834 estava já feito em três quartas partes, apesar do edital de 3 de Setembro de 1831, redigido pelo mandarim Cso-tang de Macau, proibir a construção de muros na ilha Verde pois o terreno fora dos muros (da cidade cristã) pertencia ao palácio imperial, parecia ter ficado resolvida após 1849, com Ferreira do Amaral. Assim, ao terminar a obra do dique, o bispo mandou fechar o portão da ilha Verde, participando em 19 de Janeiro de 1892 ao governador que todas as vezes que quisesse ir lá para piquenique, pedisse a chave ao reitor do Seminário.
No dia da inauguração do dique, o prelado “escreveu ao governador a felicitá-lo e a oferecer-lhe hospedagem na Ilha” nestes termos: “Quando lá quiser ir descansar ou veranear, é só pedir a chave ao Reitor do Seminário, que terá muito gosto em lhe ser agradável”. Foi só pelo “memorandum” n.º 2 apresentado pelo Comissário Chinês Kao, na 3ª sessão de 2 de Agosto de 1909, da Comissão de delimitação de Macau e suas dependências, que teve lugar em Hong Kong, sendo Alto-Comissário por parte do Governo Português o general Joaquim Machado, que o governo chinês reconheceu expressamente a ocupação portuguesa na Ilha Verde.
Os aterros da Ilha Verde
Não deixa de ser curioso o facto da propriedade da diocese se restringir à parte montanhosa da ilha e a algumas dependências da antiga fábrica de cimento, com os seus campos de recreio e anexos. Já a parte plana, que se estende até à beira do rio e ao Canal dos Patos, foi sendo ocupada por população chinesa. De ambos os lados da montanha, com o tempo, os terrenos foram invadidos e depois vendidos, a particulares, para construção. Dado o grande número de refugiados chineses devido à Guerra Sino-nipónica, as casas da Ilha Verde que ficavam fora do muro do Seminário foram já antes de 1940 arrendadas a vários chineses para habitação, indústria, armazém e escolas.
O Bairro da Ilha Verde foi construído com barracas e as 12 ruas que o compõem têm o nome com números. Em 13 de Dezembro de 1950, o bairro foi palco de um incêndio, que deixou sem abrigo 2.500 chineses pobres. O Governo da Província, com a colaboração da Comissão Central de Assistência Pública e das três principais associações chinesas, reconstruiu no espaço de um mês o bairro. Para a sua segurança, a C.C.A.P. dotou-o com um posto de incêndio e uma retrete pública. Também foi construído um amplo barracão onde foi instalada uma escola gratuita para as crianças aí residentes.
Mas de novo, em 10 de Janeiro de 1955, um outro incêndio devorou todas as casas feitas de madeira, ficando sem habitações cerca de 5 mil chineses. Com a contribuição de Macau, passado um mês e meio já as novas casas de zinco estavam prontas.
O padre Lancelote angariou apoios para serem construídas centenas de casas de pedra, no istmo da Ilha Verde e aí fundou a Casa de S. José em 1957, hoje Escola de Santa Teresa do Menino Jesus.
O padre Manuel Teixeira diz: “Na zona SW desta pequena ilha, ora ligada à Península pelo Istmo Conselheiro Borja, encontra-se um vasto recinto vedado, ainda hoje (1960) ocupado por dependências do Seminário de S. José. Este recinto, que pela vegetação existente, facilmente se constata que seguia pela orla oriental englobando, antigamente, terrenos que, hoje, fazem parte da Companhia Independente de Caçadores nº 3, que, por aluguer, os ocupa”...”Hoje da opulenta e riquíssima vegetação, já, pouco, resta, pois, entregues à Natureza, à míngua de cuidados especiais, que o seu exotismo requeria, muitas espécies foram degenerando e morrendo. Por outro lado, a cobiça e a ignorância de certos homens, a pouco e pouco acabaram por destruir as espécies mais valiosas tais como árvores de sândalo, que, há menos de meio século, ainda existiam dentro da zona militar.”
Nos anos 80 em torno da ilha foi-se conquistando terra ao rio, para onde foram colocadas muitas empresas. Segundo Silveira Machado no seu livro Macau na Memória do Tempo “O aplanamento à volta da ilha (realizado nos anos 80 do século XX), a construção de cais e pontes ali próximo, o alinhamento do rio naquela extensão e para o lado do istmo, permitiram que outras indústrias ali se instalassem, contando-se entre elas, além de outras de menor volume, uma fábrica de papel de embalagem, cartão e cartolina, uma fábrica de gelo, outra de fabrico de louça esmaltada e, ainda uma de produtos de espuma de borracha. Assim, foi-se modificando o aspecto físico e paisagístico da ilha, o que levou a um crescimento das actividades concentradas nessa zona. E, hoje, a par de outras unidades industriais, de oficinas de reparação de carros, e de bastante comércio, ali laboram dois complexos de relevante importância para a economia de Macau e abastecimento da sua população: o Matadouro de Macau e a Fábrica de Coca-Cola.”
No final do primeiro decénio do terceiro milénio, na parte Noroeste da zona da Ilha Verde começou a construção de dois enormes edifícios para habitação económica. Parada há uns anos, encontra-se a fase de preparação do terreno para albergar a Universidade de S. José em terrenos da Ilha Verde. Presente na memória de todos está a recente demolição das barracas nos aterros da Ilha Verde.
Artigo da autoria de José Simões Morais, investigador, publicado no JTM de 5-9-2011
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