Na opinião do autor, estava em risco a continuidade da tradição culinária macaense, que combina elementos do Oriente e Ocidente, numa fusão que afirma ser “única”. Por isso, decidiu dedicar-se a seu estudo, do qual resulta a obra apresentada na passada sexta-feira.
O livro “Culinária Macaense – 100 Especialidades” foi lançado na sexta-feira em Macau, durante um jantar dedicado à culinária macaense. Com edição trilingue – em chinês, português e inglês -, o livro reúne uma centena de receitas locais, a maioria caseiras e pouco conhecidas, seleccionadas a partir de um vasto espólio que João António Ferreira Lamas recolheu para ajudar a manter viva a velha “cozinhaçã macaísta”.
O livro “Culinária Macaense – 100 Especialidades” foi lançado na sexta-feira em Macau, durante um jantar dedicado à culinária macaense. Com edição trilingue – em chinês, português e inglês -, o livro reúne uma centena de receitas locais, a maioria caseiras e pouco conhecidas, seleccionadas a partir de um vasto espólio que João António Ferreira Lamas recolheu para ajudar a manter viva a velha “cozinhaçã macaísta”.
O livro partiu de um convite da Direcção dos Serviços de Turismo, que convidou o nonagenário para fazer uma espécie de antologia do seu livro de receitas “A Culinária dos Macaenses”, que teve duas edições em Portugal em 1995 (esgotada) e em 1997. Ali estão recolhidas cerca de 600 receitas, das quais Lamas escolheu agora as que lhe pareceram ser “as receitas mais características de Macau”, dado que muitas daquelas patentes na anterior antologia são “muito próximas das chinesas ou portuguesas”.
Engenheiro de formação, João António Ferreira Lamas interessou-se pela Ásia por influência do seu trisavó paterno, comerciante de Lisboa com negócios no Extremo Oriente. Apesar de nunca ter residido em Macau, o seu interesse aumentou por via do casamento com Ercília Nolasco da Silva, uma macaense radicada em Lisboa. Na capital portuguesa, frequentou casas de famílias macaenses e começou a “adorar a comida que degustava em casa da família da mulher”.
Aquando da sua primeira visita ao território, em 1971, o autor apercebeu-se que praticamente já não se fazia comida macaense, “a não ser a dos chás-gordos [misto de chá e de jantar, servido de pé em dias festivos, com iguarias salgadas e doces, frias e quentes] no Palácio do Governo e no Leal Senado, devido à saída continuada de famílias tradicionais macaenses do território a partir da II Guerra Mundial”. “Não havia um único restaurante que a confeccionasse a cozinha local típica e, mesmo nas casas macaenses, isso tinha sido quase esquecido”, declarou.
Com a aproximação da transição de poderes, Ferreira Lamas começou a antever que a comida macaense “poderia deixar de ser conhecida” e achou que era “uma pena” perde-se o registo de tal tradição. Dedicou-se então ao estudo das suas origens e da sua evolução ao longo dos tempos, e, como membro da direcção da Casa de Macau em Lisboa, fez um pedido para que os sócios lhe dessem receitas macaenses. Conseguiu recolher 800, das quais publicou 600 no já referido “A Culinária dos Macaenses”.
Para este apaixonado pela comida da Macau, o facto de “uma minoria étnico-cultural de um pequeno enclave localizado num gigantesco território ter criado uma culinária própria” consubstancia “um caso único no mundo”. O seu livro pretendeu desmentir uma ideia feita segundo a qual a comida macaense era igual à comida chinesa. “Tem muitas influências chinesas, mas também de outros lados. A comida macaense é das mais heterogéneas que conheço. Uma das razões que a fazem muito diferente da chinesa é porque os portugueses que aqui se fixaram não gostavam da comida chinesa. Fernão Mendes Pinto, por exemplo, dizia que a comida chinesa era pestilenta. Faziam comidas com base na portuguesa. Ora, como os portugueses andaram por todo o mundo e os navegadores que aportavam a Macau já tinham passado pela Índia e pela Malásia, houve uma mistura de condimentos e modos de cozinhar”, contou ao PONTO FINAL o autor.
Na lista de iguarias incluídas em “Culinária Macaense – 100 Especialidades” encontram-se várias formas de cozinhar o “adem” (expressão antiga para designar o pato), o “cozido macaense”, o diabo (que mistura de carnes de porco, vaca e carneiro), ou a sopa de lacassá (uma sopa de aletria de arroz, com balichão, tempero originário da Malásia, que é feito à base de camarão minúsculo e leva folhas de louro, sal, cravinho, pimenta preta em grão e vinho). No domínio dos doces, onde culinária macaense é riquíssima, estão incluídos o alua (massa fina frita recheada com coco ralado, jagra, amêndoa moída, pinhões cortados e manteiga) e o farte (massa fina frita recheada com coco ralado, pinhões, amêndoa, biscoitos moídos, cravinho em pó e manteiga).
Artigo da autoria de Paulo Barbosa publicado a 16-11-2009 no jornal Ponto Final
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