Antes do aparecimento da fotografia, a pintura era a única maneira de registar imagens para a posteridade. Desde há muito que os artesãos do Ocidente sempre procuraram uma forma adequada de reproduzir o que é visto a olho nu.
Nesta busca da pintura realística a China não foi tão inovadora, embora os artistas chineses de há muito seguissem a norma tradicional de “reter a aparência física dos sábios, ilustrando os seus grandes feitos e virtudes”, que originou obras-primas notáveis como, por exemplo, “Qingming Shanghe Tu”, (Cena Ribeirinha na Festa dos Antepassados), do pintor Zhang Zeduan (1085-1145). Como tal não deve constituir surpresa a menção de obras de artistas ocidentais, ao falarmos da pintura histórica de Macau do século XIX, que descrevia as paisagens costeiras, a vida e os costumes do Sul da China.
E foi aqui que chegou, vindo da Índia, em 1825, no 5º ano do período Daoguang da dinastia Qing, o pintor britânico George Chinnery (1774-1852). Durante a sua estadia de 27 anos, sempre com base em Macau, ele retratou de forma subtil mas vívida em desenhos, aguarelas e pinturas a óleo, as paisagens, cenas e costumes da região do delta do Rio das Pérolas, na segunda metade do século XIX. O conjunto da sua obra constitui um tesouro único, não só pelo seu elevado valor artístico como sobretudo por constituir a memória de um período único da História da China. Durante a sua longa estadia em Macau, Chinnery encorajou vários pintores como Thomas Watson (1815-1860), Marciano António Baptista (1826-1896), e também um pintor de origem chinesa, Lamqua, também conhecido por Kwan Kiu Cheong (1801-1854).
Guangzhou era o único porto chinês autorizado a comerciar com os estrangeiros, até 1842, no 22º ano do período de Daoguang, quando a China e a Grã-Bretanha assinaram o tratado desigual de Nanjing. Este ambiente comercial muito especial deu origem a um mercado de pinturas para exportação, centrado nas principais 13 feitorias estrangeiras (Hongs) de Guangzhou, mas que se estendeu também a Macau e, mais tarde, a Hong Kong. As pinturas de exportação, que incluíam trabalhos a óleo, aguarelas, guaches e pintura em vidro, surgiram em meados do século XVIII, atingiram o seu apogeu em meados do século XIX e começaram a declinar pouco antes do século XX, quando a fotografia se tornou popular. Mas durante muitos anos os mercadores e visitantes compraram estas pinturas que mostravam paisagens e costumes chineses, para as oferecerem como recordação de viagem aos amigos e familiares no ocidente.
Pintores ocidentais de visita à China, bem como pintores chineses locais, recebiam muitas encomendas para este tipo de trabalhos. É durante este período que se destacam os famosos pintores britânicos, George Chinnery (1774-1852) e Thomas Watson (1814-1860), além do francês Auguste Borget (1808-1877), do macaense Marciano António Baptista (1826-1896) além de muitos outros que produziram inúmeras obras sobre as paisagens costeiras da China, Macau e Delta do Rio das Pérolas. Muitas das suas obras tornaram-se amostras de pintura de exportação, sendo objecto de estudo, imitação e reprodução pelos artistas chineses. Na época, havia muitas fábricas de pinturas em Guangzhou, concentradas nas ruas Tongwen e Jingyuan, na zona das 13 feitorias, onde os estrangeiros estavam autorizados a residir. Havia emprego para muitos pintores e aprendizes que, em estilo de linha de montagem, produziam pinturas a granel sobre figuras, paisagens, hábitos e costumes. Como se tratava de facto de obras de feitura colectiva, em regra não eram assinadas, ostentando apenas o nome da fábrica de pintura. Embora estas pinturas seguissem muitas vezes as preferências temáticas dos pintores, as exigências do cliente ou os imperativos do mercado, o seu estilo é em regra subtil na descrição, realista de conteúdo e muito vívido na apresentação. Estas obras descrevem-nos pormenores da vida diária do povo, das maneiras de vestir, das actividades comerciais e cívicas de todos os estratos sociais desse tempo, oferecendo uma imagem clara e informativa para o estudo da história moderna de Macau, Guangzhou e outras regiões costeiras da China. Estas pinturas constituem por isso importantes registos históricos, que devem ser explorados nos estudos sobre o intercâmbio artístico entre a China e o Ocidente, as relações diplomáticas e até a maneira como certas cidades se desenvolveram.
Texto do Museu de Arte de Macau
Sampana e Tancareira de Macau de George Chinnery (1774-1852)
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