Até praticamente ao século XIX a falta de médicos e o elevado
preço dos medicamentos (ou drogas como se dizia na altura) oriundos de Portugal
e de outras partes do mundo, bem como a sua deterioração ao longo do transporte
até ao território fizeram com que localmente se tivesse que recorrer ao que a
natureza (fauna e flora) oferecia para curar doenças como a malária, sarampo, beribéri,
febre-amarela, desinteria, varíola, entre outras, e ferimentos provocados no
dia-a-dia ou em lutas.
A Companhia de Jesus, formada em 1540, por iniciativa de
Inácio de Loyola vai ter um papel decisivo neste assunto em Macau. A par da
missão evangelizadora e educacional os jesuítas assumem também o papel de
médicos e curandeiros beneficiando da experiência e conhecimentos adquiridos em
paragens tão diversas como a Europa, África e Brasil, estabelecendo um
intercâmbio entre si. Curam a alma e o corpo… e no contacto com a população
chinesa local – que também tinha os seus remédios – absorvem ensinamentos.
Estudiosos minuciosos da fauna e flora e dos seus poderes
curativos os jesuítas elaboraram fórmulas e receitas. Assim, logo em 1766 ‘publicam’
a “Coleção de várias receitas e segredos
particulares das principais boticas da nossa companhia de Portugal, da Índia,
de Macau e do Brasil, compostas e experimentadas pelos melhores médicos e
boticários mais célebres que têm havido nessas partes. Aumentada com alguns
índices e notícias muito curiosas e necessárias para a boa direção e acerto
contra as enfermidades.” São mais de 200 receitas (inclui indicações de dosagem,
modo de preparação e de administração ao paciente) organizadas por ordem
alfabética e provenientes dos diversos colégios da Companhia, incluindo o de S.
Paulo, de Macau. É também neste colégio que surge a primeira enfermaria. Num
relato sobre o ataque dos holandeses em 1622 pode ler-se: “Os hollandezes perderam entre mortos e prisioneiros 500 homens, 8
bandeiras, uma peça, 5 tambores e muitas armas e bagagens. (…) do nosso lado perdemos
4 portuguezes, 2 hespanhoes e alguns escravos, tendo 20 feridos. Os feridos
baixaram à enfermaria do Colégio de S. Paulo e o que mais agradecemos a estes
religiosos no tempo deste aperto foi que os feridos que houve da nossa parte os
recolheram, os agasalharam com muita caridade (…) e a todos curaram com as suas
mezinhas”.
Para além de enfermaria, o colégio tinha uma botica e boticários.
Um deles, em 1625, relata as condições da assistência médica em Macau. “Vai em seis anos que curo nesta cidade e
neste curso de tempo tenho curado 92 homens e 39 mulheres, tudo por ordem dos
superiores gastando com estes enfermos todas as mezinhas que lhes foram
necessárias (…) Eu propriamente sou boticário, ocupação que em nossas Casas tem
qualquer irmão de bom talento.”
Com a expulsão dos jesuítas em meados do século XVIII seria
a Santa Casa e o Senado a criarem as suas próprias boticas.
Em meados do século XIX existiam em Macau três farmácias, ou
boticas, como também se chamavam, do estilo ocidental. A Pharmacia Lisbonense,
propriedade do “pharmaceutico" Joaquim das Neves e Sousa, a Pharmacia
Macaense de Thomaz José de Freitas, e a Pharmacia Nacional, de José Severo da
Silva Telles “pharmaceutico habilitado em Goa”. Num relato da época fica-se a
saber que “a primeira destas boticas
continua a fornecer os medicamentos aos dois hospitaes da cidade, e todas são
aceiadas e sufficientemente providas”.
Coluna "Macau Antigo" às quintas-feiras no Jornal Tribuna de Macau - JTM de 27.3.2014PS: Este ano celebra-se o bicentenário da restauração (1814) da Companhia de Jesus tem a abordar em futuros posts.
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