Estamos a muito poucos dias da véspera do grande dia de Natal e por isso nada melhor do que recordar o que eram as ceias das casas maquistas de outrora, se bem que ainda se mantenham muitos costumes e se celebrem em algumas famílias mais tradicionais, não mais nas antigas casas senhoriais da baía da Praia Grande ou Penha, mas sim em apartamentos de prédios ou torres que agora são a nova cara de Macau moderno.
Nunca nos poderemos esquecer que a presença dos portugueses em Macau data de meados do século XVI e que aqui chegavam mercadorias e especiarias que eram trazidas da Índia, de África, de Malaca e outras paragens por onde navegavam estas pequenas embarcações que necessitavam de lastro. Nelas também vinham novas gentes que se foram estabelecendo. Os casamentos, muitas vezes por motivo de trocas comerciais, terão trazido para cá não só comerciantes, mas também mulheres de diferentes etnias. Com elas vieram conhecimentos culinários distintos, usos e costumes tradicionais das suas terras de origem. Outra particularidade, espiritualmente falando, era a fé cristã que vinha e era espalhada pelos missionários, figuras imprescindíveis e inseparáveis das naus portuguesa, nestas expedições ao Oriente.
É tradição do Macaense ter uma mesa “farta” quando recebe alguém em sua casa e a consoada não foge à regra, mas esta era celebrada com simplicidade, pois de acordo com os dogmas antigos da Igreja Apostólica Romana, nessa época praticava-se a abstinência o que significava a não ingestão de carnes até à ceia de Natal. Por isso ao jantar, antes da Missa do Galo, esta refeição era composta somente de sopa de lacassá (aletria) e empada de peixe. O momento mais alto nas celebrações passou a ser a ceia, depois da missa da meia-noite e o do almoço do dia de Natal, no dia 25 de Dezembro, onde a mesa era então composta de imensas carnes e doces, quebrado que estava o jejum e a abstinência dos dias anteriores. Depois da ceia ou do almoço da família, tinha lugar a distribuição de presentes entre todos. Embora estas práticas estejam profundamente alteradas, ainda restam algumas famílias que mantêm esta forma de celebrar o Natal.
A exiguidade das áreas de habitação, nestas novas “torres de babel”, não é muito favorável a grandes reuniões familiares, nem à inclusão de todos os pratos que antigamente enchiam por completo uma mesa maquista nas casas senhoriais ou mesmo apalaçadas. Podemos até enumerar algumas das razões: O espaço das actuais cozinhas é minúsculo; a falta de pessoal doméstico como outrora, para ajudar a dona de casa; o emprego e a profissão desta última, faz com que ela tenha de dividir o seu dia-a-dia entre a casa a família e a sua vida profissional.
Algumas das famílias mais numerosas, que não querem perder por completo estas tradições natalícias, procuram dividir as tarefas entre várias famílias, consoante a especialidade em que cada uma se especializou melhor. Assim temos quem faça a “Sola de Anjo” ou “cavacas”, cuja origem é sem dúvida portuguesa, outras que preparam os “sonhos”, “fartes” ou almofada do Menino Jesus, no que respeita aos salgados, nas carnes, temos as carnes assadas, o “porco bafá-assá”, o perú, que foi com certeza um hábito trazido pelos ingleses em finais do século XIX com a entrada em Hong Kong, assim como o “Christmas cake” ou só “cake” um bolo muito apreciado nesta época, assim como nos baptizados e casamentos, cuja particularidade é ser confeccionado com uma variedade de frutas cristalizadas e licores. Estas são algumas especialidades desta terra na época natalícia.
A tradicional consoada, mais recentemente, em nossas casas, começa com a canja de galinha, ou o lacassá e toda uma variedade de pratos da gastronomia macaense, tais como:
- O “tacho” (ou chau chau de peles, espécie de cozido à portuguesa, adaptado localmente); O porco bafassá; O apa-bico, Os chilicotes. E nas sobremesas temos sempre: Os “cabelos de noiva” (fios de ovos); O popular bolo menino; O alua; Os ginetes; o bicho-bicho; o muchi –muchi, etc..
Para concluir podemos ainda dizer que com estas festas todas e com esta abundância, resultou na criação de um novo “prato de assinatura” maquista! Nada mais, nada menos, do que o “Diabo”, pois para nada se deitar fora, com todas estas sobras de comida da véspera, nasce o que, mal comparado, em Portugal dá pelo nome de “Roupa Velha”, aqui é baptizado de “Diabo”, mas que raio de nome, tão oposto á época e espírito natalício! Será que alguém me pode explicar a razão de ser deste nome!?
Valha-nos o Menino Jesus! Um Feliz e Santo Natal!
Artigo da autoria de Luis Machado publicado no JTM de 21-12-2011
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