No interior da igreja do Seminário de S. José existem várias lápides. Uma delas é de Hermelinda Joaquina Leiria Salatwichy Pitter falecida em 1855 com apenas 25 anos. Trata-se do nome de casada de Hermelinda Joaquina Cortela Leiria (1830-1855).
Vicente de Paulo Salatwichy Pitter nasceu em Macau a 10 de Janeiro de 1813 e morreu a 9 de Julho de 1882. Era filho (um de um total de sete) de Pedro Alexandre Salatwichy e Josefa Antónia Favacho, naturais de Macau. Casou em S. Lourenço a 6 de Novembro de 1849 com Hermelinda Joaquina Cortela Leiria com quem teve quatro filhos. Tendo a mulher morrido voltou a casar a 16 de Fevereiro de 1858 com a sua cunhada Eugénia Norberta Cortela Leiria (1831-1902), um casamento do qual resultaram três filhos.
Vicente de Paulo era formado em medicina pela Escola Médica de Goa tendo exercido na Ala de Medicina do Hospital Real a partir de 1839. Regressado a Macau foi nomeado cirurgião ajudante interino do Batalhão de linha do qual seria exonerado em 1865 conservando as honras de cirurgião ajudante honorário do referido batalhão. Em Macau foi ainda facultativo da superintendência da emigração chinesa, redactor do jornal o Imparcial (fundado em 1873), membro da Santa Casa da Misericórdia, representante consular de França, vereador do Senado e membro do Conselho do Governo.
No Boletim da Província de Macau e Timor de 17 de Junho de 1867 pode ler-se que "o aterro da Ponte da Rede, pertencente ao sr. Dr. Pitter, tem sido feito sob as vistas deste cavalheiro com tanta expedição como acerto". Refere-se ao Porto Interior, uma zona próxima da actual Rua da Praia do Manduco onde o Dr. Pitter possuía vários "godões" (grandes armazéns).
Na edição de 13 de julho de 1882 o jornal "O Macaense" informa que "Pelos serviços que prestou gratuitamente às guarnições de vários navios de guerra franceses durante a epidemia de cólera-morbus, que assolou a cidade, foi condecorado com o hábito da Legião de Honra. Mais tarde o governo português agraciou-o com os de Cavaleiros da Legião d´Honra de Cristo e da Conceição e depois de Torre e Espada".
Na edição de 15 de Julho de 1882 (sábado) o Boletim da Província de Macau e Timor dá conta da morte do ilustre médico macaense:
A fama do Dr. Pitter não tem origem nos seus actos médicos mas sim num chá. Luís Gonzaga Gomes refere-o nas Curiosidades da História de Macau (1954) tal como um artigo publicado em 1988 a professora Ana Maria Amaro (que na década de 1970 ainda conheceu a neta do Dr. Pitter - Maria Teresa Pitter que em Dezembro de 1999 ainda estava viva com 91 anos - explica que o referido preparado medicinal por ele descoberto e manipulado, tinha por designação "Sin Cap Dr. Pitter" ou "Chá do Dr. Pitter" estando muito em voga em Macau ainda na década 1970 quando "era vendido (em farmácias chinesas) em embrulhinhos de papel de seda cor-de-rosa e apresentava-se sob o aspecto de um pó muito fino". Tratava-se de uma infusão de oito espécies de plantas que tratavam doenças do sistema digestivo. Usada na medicina tradicional chinesa a infusão era "considerada um bom estomáquico e eupéptico, usava-se como profiláctico, após um chá gordo ou lauto banquete, e era também muito estimada em Macau contra afecções gastro-intestinais de diferentes etiologias."
O médico José Caetano Soares num livro publicado em 1850 - Macau e a Assistência - refere que Pitter era de "origem estrangeira mas nascido e velho residente em Macau". Monsenhor Manuel Teixeira dá a explicação afirmando que "aparentemente o apelido Piter parece ser uma corruptela do nome próprio do pai – Pedro ou seja, Pietro em italiano. Assim, Piter terá funcionado como um autêntico patronímico, logo assumido como apelido em detrimento do próprio apelido original da família."
Voltando à lápide que referi no início deste post, a mesma foi mandada fazer na Europa pelo marido de Hermelinda em 1860. A mulher começou por ser sepultada no jazigo de família no Cemitério de S. Miguel e mais tarde o bispo de Macau autorizou a transladação para a igreja do Seminário de S. José.
Como costumo dizer em Macau há história ao virar de cada esquina. Basta olhar como olhos de ver. E por isso sabe tão bem voltar (a casa) como aconteceu no passado mês de Abril onde a igreja do Seminário de S. José foi uma das paragens obrigatórias.
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