quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

O jesuíta João Rodrigues Girão e as "Cartas Anuas"

O padre João Rodrigues Girão (1559-1633), entrou na Companhia de Jesus em 1576 e recebeu a ordenação sacerdotal em 1585, já na Índia. No ano seguinte desembarcou no Japão, onde trabalharia ininterruptamente durante 28 anos - onde aprendeu japonês -, até seguir para Macau. 
Será ele a redigir as cartas anuais que resumem os principais acontecimentos da missão que incluía Japão, china e Conchichina. São dele as cartas de 1604, de 1606 a 1612, 1617, 1618, 1621, 1622, 1625 e 1626.
Em 1620 imprime em Macau a sua obra "Arte Breve da Língua Japôa", no Collegio da Madre de Deos. (ver imagem abaixo). O original é de 1604 e foi impresso no Japão.
A partir de 1604 redigiu muitas vezes a "carta anua" da missão jesuítica japonesa; depois da de 1604 escreveu as de 1606 a 1612, e mais tarde, reunindo os elementos que lhe chegavam dos companheiros que permaneciam clandestinamente sob o Sol Nascente, compilou pelo menos as cartas referentes aos anos de 1617, 1618,1621, 1622, 1625 e 1626.
Em 1624 o Colégio de Macau era tb conhecido como Seminário das Missões do Japão, China e Cochinchina, tendo como residentes 86 da Companhia, 47 sacerdotes e 36 irmãos.



Assina como Joam Roiz Giram e na tradução para italiano surge como Giovanni Roiz Giram.
Excerto da Carta anua de 1604 escrita em Nagasaki a 23 de Novembro desse ano:
X Christi. Larga matéria pêra a presente annua me dava a gloriosa morte que em Dezembro do anno passado de 1603 padecerão per nossa santa fee no Reyno de Fingo dous soldados nobres com suas molheres, may de hú delles, e hu filho mortos todos seis per mandado de Canzuyedono Senhor daquelle reyno; mas per que esta se tem escrito dififusamente a Vossa Paternidade este Março passado per via das Philippinas, escreverey agora somente as mais cousas que socederão neste Japão depois da que se escreveo a V. P.^ em outubro do dito anno per hu navio que deste porto de Nangasaqi partio pêra Macao, que o Padre Visitador Alexandre Valignano a elle mandou com a triste nova da tomada da nao de Japão na barra do mesmo Macao; esta nova tam sentida de todos foy nosso Senhor servido, que temperaçemos com a vinda tam desejada, e tam prospera da que este anno entrou neste porto com tanta alegria nossa, e dos christãos, e ainda dos gentios de todo Japão e muy particularmente do Senhor Universal delle. Nella alem de algu socorro temporal, vierão dezoito de nossa Companhia sete Padres e onze Irmãos, dos quais 4 com hum Padre, do mesmo numero se tornão logo na mesma nao pêra a China ordenados sacerdotes, pêra o que os mandou o Padre Visitador, por ategora não ter chegado a Macao o Bispo daquella cidade, os mais ficão neste Japão pêra ajudarem na christandade, e conversão de tantas almas, quantas nelle ha. (...)
Arte Breve da Lingoa Japoa (...) pello padre Joam Todriguez (...) dividida em 3 livros (...)
em Amacao no Collegio de Madre de Deos da companhia de Jesus. Anno 1620.
João Rodrigues embarcou com destino à Índia com 14 anos. Pouco depois da chegada ao Japão em 1577 dedicou-se ao ensino da gramática e do latim e à aprendizagem da língua japonesa e alguns anos mais tarde concluiu os estudos em teologia em Nagasaki.
No Japão, onde se tornou comerciante, diplomata, político e intérprete entre os japoneses e os navegadores estrangeiros. A sua fluência no idioma oriental mereceu-lhe uma relação especial com os principais líderes japoneses durante o período de guerra civil e da consolidação do xogunato de Tokugawa Ieyasu. Nesta época também testemunharia à expansão da presença portuguesa nesta nação e à chegada do primeiro inglês, William Adams.
Durante este período, teve a oportunidade de escrever as suas observações sobre a vida japonesa, incluindo eventos políticos da emergência do xogunato e uma descrição detalhada da cerimónia do chá (ainda hoje uma referência na matéria). 
João Rodrigues seria expulso do Japão no ano de 1610, como consequência de um incidente com o navio português Madre de Deus. Este navio tinha estado envolvido em um conflito em Macau em 1609, no qual foram mortos marinheiros japoneses. Ao voltar a Nagasaki, as autoridades japonesas tentaram abordar e prender o capitão André Pessoa. Na escaramuça, o navio foi incendiado e afundou ao tentar sair do porto da cidade e, em retaliação pelo incidente diplomático, os missionários cristãos foram expulsos do país.
Regressando a Macau, dedicou-se à investigação das origens das comunidades cristãs estabelecidas no local desde o século XIII. Morreu a 1 de Agosto de 1633, tendo ficado sepultado na então igreja de São Paulo, hoje Ruínas de São Paulo.

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