Karl Ritter von Scherzer (1821-1903) foi um explorador austríaco, perito em problemas económicos e em ciências naturais. Em meados do Século XIX desejava fundar uma "literarisch-artistische Anstalt". Em 1851 conheceu em Viena o zoólogo Moritz Wagner, considerado um dos primeiros jornalistas modernos. Os dois homens ficaram ligados por amizade estreita. Sofreram com a desilusão provocada pelo fracasso da Revolução de 1848 e estavam cansados da Europa.
Depois de cuidadosos preparativos, que duraram mais de um ano, partiram de Bremen em 1852, visitaram os Estados Unidos e o Canadá no mesmo ano e a América Central de 1853 a 1855. Fizeram observações biológicas, geomorfológicas e económicas. Depois do seu regresso, em Maio de 1855, escreveram juntos uma obra em seis volumes sobre as suas viagens. A grande época de Scherzer só foi iniciada com o convite do arquiduque Max Ferdinand para tomar parte na viagem de circum-navegação da fragata austríaca Novara (1857-1859). Com esta viagem a Áustria pretendia participar na exploração científica do Oceano Pacífico. Scherzer seguiu viagem como repórter. A obra que escreveu em consequência da viagem, a Reise der österreichischen Fregatte Novara um die Erde, tem tido muitas edições.
Em 1869, Scherzer acompanhou uma segunda expedição à Tailândia, China e Japão. De 1872 a 1896 foi Cônsul-Geral em Smyrna (hoje Izmir) e depois ocupou o mesmo cargo em Londres, Génova e Leipzig. Morreu em 20 de Fevereiro de 1903.
Scherzer chegou a Macau em 1858. A situação em torno da cidade estava então muito agitada, devido às consequências da Guerra do Ópio (1839-44) que exacerbara o nacionalismo e a xenofobia nos chineses.
Scherzer partiu de Hong Kong no Sir Charles Forbes com grande atraso, devido ao embarque maciço de caixas de ópio, pelo qual se esperava conseguir um preço alto em Macau. A viagem, perigosa, devia durar 4 ou 5 horas. Devido ao tempo perdido no embarque do ópio e ao vento contrário só chegaram a Macau ao anoitecer. Scherzer ficou surpreendido quando viu a bordo do vapor muitos passageiros armados com revólveres. Foi informado que os passageiros europeus tinham sido assaltados recentemente durante uma viagem anterior por chineses que estavam a bordo, tendo sido assassinados. Os piratas, depois de se terem apoderado da rica presa, incendiaram o navio e fugiram para o interior da China.
Scherzer considerou muito interessante a viagem de Hong Kong para Macau. O Sir Charles Forbes, um vapor lento e pequeno, seguiu a princípio através de canais estreitos que separavam altas ilhas de granito. Quando se saía dos canais para o espaço aberto a água surgia sempre mais turva e suja, porque o navio se encontrava diante da própria foz do Rio de Cantão. Havia grande tráfego: muitos tipos de navios apareciam, particularmente juncos e barcos de pesca. Scherzer descreveu o pico da ilha de Lantao e os montes de Kwangtung. Ficou impressionado com a grande largura da foz do Rio de Cantão. Notou que os navios grandes só podiam ancorar a 6 ou 8 milhas da cidade. O porto interior era só para pequenos navios. Scherzer apresentou um quadro lisongeiro de Macau: "Der Anblick der Stadt Makao ist nicht minder reizend als der von Viktoria. Die Häuserreihen gruppieren sich höchst malerisch um die mit Forts gekrönten zahlreichen Hügel der Landenge und die schöne Praia Grande, wo dicht am Stande, der erfrischenden Seebrise ausgesetzt, Paläste und imposante Wohngebäude in langer Reihe nebeneinander sich erheben, macht auf den Fremden einen überraschenden Eindruck. Kirchen mit hoch emporragenden Doppeltürmen und die mächtige Kuppel des Jesuitenkollegiums charakterisieren die Stadt als eine katholische und unterscheiden sie schon durch ihre aussere Erscheinung wesentlich von der benachbarten englischen Ansiedlung".
Scherzer notou que Macau era o local favorito dos comerciantes de Hong Kong e Cantão para mudança de ares e estadia durante o verão e como lugar de refúgio, naqueles tempos de tumulto e incerteza em Cantão. Devido aos motins na China contra os estrangeiros o decadente comércio de Macau revivera com a presença dos refugiados.
Quando o Sir Charles Forbes apareceu diante do cais de Macau foi rodeado por inúmeros barcos (tanka) tripulados na maioria por mulheres que se ofereceram para pôr os passageiros em terra. Scherzer considerou a cena semelhante a outras a que as-sistira, na Madeira ou em Madrasta.
No dia seguinte, Scherzer foi visitar a gruta de Camões. Admitiu que Camões escrevera lá Os Lusíadas e admirou o parque: "Hier war es, wo Camoens aus dem Vaterlande verbannt, die 'Lusiade' schrieb. Der Park mit seinen duftigen, schattigen Gängen, seinem majestätischen Blätterdom, der selbst den mächtigen Strahlen der Tropensonne den Zutritt verwehrt, seinen gewaltigen, von den riesigen Wurzeln uralter Fikusbäume umklammerten Felspartien, seiner kühlen Atmosphäre, dem schlüpfrigen Moosüberzug seiner Wege, dem Schutt verfallener Mauern und seiner grabähnlichen Ruhe, erscheint wie geschaffen zum Asyl eines heimatverbannten Dichters, welcher, statt wie gewöhnliche Erdenkinder sein Geschick schweigend zu beweinen, in diesem wundervollen Tropenhain zu neuen, hehren, unvergänglichen Gesängen sich begeistert fühlte!" Apesar do seu entusiasmo lírico por Camões, Scherzer não sabia português: todas as citações que atribui aos portugueses estão em espanhol... De resto aceita a visão romântica de Camões, muito popular na época em que escrevia. Mas Scherzer era um aristocrata vienense de bom gosto: o nicho e a estátua de Camões pareceram-lhe feios e de pouco valor artístico. O que é verdade. Admirou todavia a paisagem e a vista sobre o porto interior que se contemplam das alturas da gruta. Considerou ainda que o pagode de Makok era o que havia de mais interessante em Macau.
Segundo Scherzer havia em Macau em 1858 noventa e sete mil habitantes, dos quais noventa mil eram chineses e os restantes portugueses e mestiços. O principal artigo de comércio era o ópio. Hong Kong dominava o comércio da área. Portugal tirava pouco proveito da colónia, mas a maior parte das despesas da administração era coberta pelos habitantes.
Segundo Scherzer havia em Macau em 1858 noventa e sete mil habitantes, dos quais noventa mil eram chineses e os restantes portugueses e mestiços. O principal artigo de comércio era o ópio. Hong Kong dominava o comércio da área. Portugal tirava pouco proveito da colónia, mas a maior parte das despesas da administração era coberta pelos habitantes.
Scherzer manifestou pessimismo acerca da emigração chinesa para Cuba. Macau era então o principal centro de emigração para as Índias Ocidentais. Condenou o tráfico humano ("Menschenhandel"). Segundo Scherzer, mais de dez mil chineses, impelidos pela fome e pelo desemprego a vender-se como escravos, partiam de Macau para Havana. Segundo o austríaco, os chineses eram explorados em Cuba e excluídos da protecção das cláusulas da Lei de Emigração de 1854. Scherzer louvava contudo a utilização de chineses na emigração para a Ásia, América e Austrália: "Der Chinese vermag besser als irgend eine andere farbige Rasse klimatischen Einflüssen zu trotzen, er ist auch in bezug auf Eifer, Arbeit und Gewandtheit, auf Anstelligkeit für alle Gewerbe und industrielle Verichtungen weit geeigneter als der Neger, seine Rasse über die verschiedensten Teile der Erde auszubreiten".
Scherzer insistiu na crueldade e na injustiça da situação dos emigrantes chineses. Cita o China Overland Trade Reportde Hong Kong, de 28 de Fevereiro de 1861, que incluía um relato sobre a tragédia do navio norte-americano Leonidas que partira de Cantão para Havana no dia 22 de Fevereiro do mesmo ano. Houve uma revolta seguida de incêndio. Noventa e quatro dos duzentos e cinquenta "coolies" morreram ou desapareceram. Os comentários de Scherzer sobre a emigração chinesa têm muito em comum com os de Eça de Queirós, que esteve em Havana cerca de duas décadas depois. Eça considerava, contudo, que a emigração chinesa era desvantajosa para o país que os recebia.
Acompanhado pelo seu hospedeiro, Herr von Carlowitz, Scherzer visitou os mais belos locais de Macau. Referiu o caso de Ferreira do Amaral, governador de Macau assassinado pelos chineses. Notou a piedade dos chineses para com os mortos que contrastava com a sua indiferença pela vida humana e com a sua habitual crueldade. Verificou que o trânsito entre Macau e o continente chinês era muito grande. Comentou os efeitos da Guerra do Ópio: "Der Einfluss der Kriegswirren in Kanton und am Peiho wurde indes auch von der europäischen Bevölkerung in Makao verspürt. Die Unsicherheit des Lebens und des Eigentums mehrte sich mit jedem Tage. Man wagte nicht, sich auch nur einige Meilen von der Stadt zu entfernen. Selbst das von Fremden errichtete, reizend gelegene Pique-nique Haus auf dem benachbarten Green Island stand seit Monaten leer und verwaist." Scherzer contrastou esta situação com a da Praia Grande: "Nur die Praia Grande oder vielmehr der schattige Spaziergang an ihrem östlichen Ende diente nach wie vor zum Stelldichein der schönen Welt, und an Sonntagen, wenn in den Nachmittagsstunden eine Musikbande spielt, kann man sich nur mit Mühe durch die daselbst lustwandelnden Paare drängen." Scherzer manifestou um forte preconceito contra a miscigenação: como seria de esperar de um aristocrata da Europa Central, considerou os portugueses e mestiços fisicamente pouco atraentes, manifestou forte atracção pelas mulheres anglo-saxónicas:"Desto auffallender steçhen einzelne anmutvolle, blendend weisse Frauengestalten der anglo-sächsischen Rasse aus der dunklen, hässlichen Menge hervor."
Scherzer partiu para Cantão após a visão des-lumbrante de Macau. Viu a cidade em ruínas depois das guerras entre a Grã-Bretanha e a China. Considerou que a China nunca tinha sofrido tão grandes humilhações na sua história. Concluiu que a China se iria transformar sob a pressão dos europeus: "In der Tat sind alle Pulsadern dem chinesischen Riesenkörper unterbunden, und in seinen Eingeweiden wird gewühlt mit Feuer und Schwert. Englische, französische und amerikanische Kriegsschiffe halten die wichtigsten Punkte des chinesischen Reiches besetzt. Im mehreren Provinzen des Innern hat ein Rebellenkaiser sein Heerlager aufgeschlagen, und im Norden des Reiches an den Ufern des Amur baut Russland Festungen und richtet sich ein, gerade als ob es daselbst zu Hause wäre. Aber alle diese Erscheinungen, so divergierend ihre Interessen auch im Momente sein mögen, werden doch nur das eine gewaltige Resultat herbeiführen: das unermessliche chinesische Reich aus seiner tausendjährigen Ruhe zu rütteln, und die Völker, die es umfasst, zu durch die Welt braust, sich anzuschliessen!" Uma conclusão baseada na observação directa e no ideário de 1848. ·
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