terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Macau na obra de Fausto Sampaio

Auto-Retrato
Natural de Anadia, Fausto Sampaio (1893-1956), perdeu as faculdades auditivas aos 22 meses, devido a uma insolação. 
Surdo-mudo foi educado no Instituto de Surdos Mudos Araújo Porto até aos 14 anos e depois mais cinco anos na Casa Pia, onde já havia ensino especial para surdos e onde aprendeu os primeiros rudimentos de desenho e pintura.
Em 1926 parte, para Paris, onde tem aulas com diversos professores (Academias Julien, Renard e La Chaumiére, de Paris). 
Entre 1926 e 1934 faz três estadias em Paris onde expõe em 1928 no Salon. Expõe também em Lisboa no Salão Bobone em 1930 com enorme êxito. 
É considerado o pintor do império, por ter pintado todo o chamada ultramar português. Esteve em S. Tomé entre 1934-6; em Macau e Timor, a partir de 1936 (incluindo Filipinas, Indochina, Hong-Kong e Singapura); Estado Português da Índia, entre 1944-46; e em Moçambique, Angola e Cabo Verde, a partir de 1947. Morreu em Lisboa a 4 de abril de 1956. 
Assinatura de um quadro pintado em Macau em 1937
Em Macau (convidado pelo irmão Carlos Sampaio, Chefe dos Serviços de Administração Civil) Fausto Sampaio esteve cerca de um ano, executou 40 quadros em 1936 e 1937 e até deu aulas de pintura. Neste post estão muitos desses quadros, óleo sobre tela e madeira (era o mágico da espátula, para alguns), embora também dominasse a técnica da 'tinta da china'. No final fez ainda uma exposição no território, facto de que darei conta num próximo post. Poucos anos depois, em 1940, a esmagadora maioria destes quadros estiveram expostos na Secção Colonial da Exposição do Mundo Português.
Das grande panorâmicas aos detalhes de becos e ruelas as pinturas de Fausto Sampaio retratam Macau na segunda metade da década de 1930. Porto Interior, Fumatório de ópio, Pagode da Barra, Beco das Galinhas, a Rua 5 de Outubro, a Rua do Bazar, a Avenida de Almeida Ribeiro à noite Lorchas e Tancares, Cais do Porto com chuva, são alguns dos títulos dos quadros cujas dimensões variam entre os 46x60cm e os 100x82cm.
Segundo Maria João Castro em Macau Fausto Sampaio "produziu uma obra pictórica que deambulou entre as panorâmicas da cidade e do seu povo e os hábitos etnográficos tão distantes dos europeus ainda que se mantendo sempre dentro de uma familiaridade de indefinidos contornos figurativos." 
Para 'interpretar' alguns dos quadros seleccionei excertos de uma conferência de Jaime do Inso, publicada em livro com o título ‘Quadros de Macau’, sobre a obra de Fausto Sampaio em Macau. ‘Fausto Sampaio, Pintor do Ultramar Português’, Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1942. 
Fausto Sampaio no terraço do hotel Bela Vista, Macau, 1936 

Vestíbulo. 1936
“O quadro mostra o vestíbulo da casa de José Vicente Jorge*, com a sua colecção de arte chinesa. Macaense de destaque na Colónia e um dedicado cultor da arte chinesa. Serviu como encarregado de Negócios de Portugal em Pequim, quando da proclamação da República, em 1910 e, mais tarde, em 1912, sendo chefe de Expediente Sínico em Macau, foi a Cantão várias vezes, como agente diplomático, quando do tratado de expatriação com a China (…) A colecção de preciosidades que possui é tida como a melhor do Extremo-Oriente e já mereceu a visita do director do Museu Britânico de Londres.” 
Jaime do Inso 
*Fausto Sampaio e José Vicente Jorge tornaram-se amigos durante a estadia macaense do pintor português. 
Velho Pescador. 1936 
Cais do Porto com Chuva. 1936. Óleo sobre tela 
Tancareiras. 1937. Óleo sobre tela 
Velha Rua no Bairro China. 1936. Óleo sobre tela 
Ruínas da Catedral de S. Paulo. 1937. Óleo sobre tela 
Entrada do pagode da Barra. 1936 - óleo sobre tela 
Lorchas e Tancares. 1937. Óleo sobre tela. 
Avenida de Almeida Ribeiro à noite. 1937
(...) representa um aspecto nocturno daquilo a que podemos chamar a Baixa de Macau, num canto de luz e de prazer. É estupenda de interpretação e de verdade chinesa! Só um artista da sensibilidade de Fausto Sampaio, que soube sorver, aspirar e dar-nos em notas de cor estes cambiantes do mistério da China, poderia apresentar-nos a realidade nocturna deste grande, do maior coulau de Macau. 
A nossa necessidade e sensação de prazer da luz, comparadas com iguais fenómenos passados com os chineses, podem representar-se pelo confronto estabelecido entre a claridade duma vela acesa e duma luz de incandescência, e encontra-se bem patente nesta tela pela intensidade luminosa que se concentra naquele bocado de passeio - e só assim se satisfaz aquela verdadeira adoração que os chineses tributam à luz. Das janelas dos andares emerge luz do interior, por toda a parte há muita luz - pois se até os telhados dos coulaus os chineses chegam a iluminar! - e deste delírio de luz com que eles - os epicuristas - sabem tingir o prazer evolam-se as notas arrastadas, doloridas, das cantigas das pi-pa-t'chai... Noites da China, noites de Macau..." 
Jaime do Inso 
"Porto Interior" - Macau, 1936 - Óleo sobre madeira 
"(...) desdobra-se um curiosíssimo aglomerado de casario, a parte central e mais comercial de Macau, junto do Porto Interior, ao fundo do qual se avista a ilha da Lapa e a imensidão da terra china. Este retalho garrido da policromia tão característica das terras portuguesas constitui uma verdadeira nota de arte puramente nacional, jóia perdida naquele Oriente onde os grandes centros europeus e cosmopolitas oferecem um conjunto de tonalidades bem diferentes, banais e sombrias, onde falta a alegria das cores de Macau"
Jaime do Inso 
Interior do Pagode da Barra. 1937. Óleo sobre tela 
Sala de jogo de Fan Tan 
Rua 5 de Outubro. 1936. Óleo sobre tela. 
"A Rua 5 de Outubro é o coração do bairro china de Macau, onde ressalta, com extraordinário brilho, todo o pitoresco desconcertante da vida chinesa das ruas, alacre de cores, com as suas casas de tabuletas características que são um dos atractivos que nos enfeitiçam nos meandros do Bazar" 
Jaime do Inso 

Fumatório de Ópio, 1937. Óleo sobre tela
Velha rua com chuva

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