"Pearl Harbor, Lisboa, Tóquio” (ed. portuguesa de 2017 - a edição original em japonês é de 1950), inclui as memórias do diplomata Morishima Morito, embaixador do Japão em Lisboa durante a Segunda Guerra Mundial. Neste excerto que aqui se reproduz o diplomata descreve o assassinato do cônsul japonês em Macau no Inverno (2 de Fevereiro) de 1945.
Apesar de não ter sido investigado, na época a opinião generalizada foi a de que o crime fora executado por dois chineses a mando do coronel Sawa, oficialmente adido militar, mas na prática, chefe dos serviços secretos militares japoneses em Macau e responsável pela polícia nipónica de Guangdong.
"Em 1945, no início do Inverno, o cônsul Yasumitsu Fukui, acreditado em Macau, um território português na costa meridional da China, foi assassinado a tiro por um gangue chinês. Recebi um telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão com ordens para reclamar os seguintes pontos:
1)Emissão de um pedido formal de desculpas por parte do governo português a propósito deste incidente.
2)Mobilizar todos os meios possíveis de busca e detenção dos autores e das pessoas responsáveis pelo ataque e puni-los quando forem presos.
3)Restaurar a segurança da ordem pública e garanti-la no futuro.
4)Exigir uma indemnização.
Por aquilo que foi apurado posteriormente, Fukui tinha o hábito de participar todos os dias numa sessão matinal de ginástica organizada pela comunidade nipónica. Nesse dia, ao regressar da sessão, foi assassinado por chineses que o atacaram e balearam. Enquanto estive a trabalhar em Mukden (Manchúria), cruzei-me durante dois ou três anos com Fukui, que era o responsável pelo Consulado-Geral de Mukden em Xinmin Tuen («Nova Colónia»). Era uma pessoa cordial e leal que se dava muito bem não só com os colegas e residentes japoneses, mas também com a população chinesa em geral. Não era possível que alguém tivesse qualquer tipo de rancor contra ele. Do meu ponto de vista, não consigo deixar de pensar que por detrás deste incidente deve ter existido um motivo político bastante forte.
1)Emissão de um pedido formal de desculpas por parte do governo português a propósito deste incidente.
2)Mobilizar todos os meios possíveis de busca e detenção dos autores e das pessoas responsáveis pelo ataque e puni-los quando forem presos.
3)Restaurar a segurança da ordem pública e garanti-la no futuro.
4)Exigir uma indemnização.
Por aquilo que foi apurado posteriormente, Fukui tinha o hábito de participar todos os dias numa sessão matinal de ginástica organizada pela comunidade nipónica. Nesse dia, ao regressar da sessão, foi assassinado por chineses que o atacaram e balearam. Enquanto estive a trabalhar em Mukden (Manchúria), cruzei-me durante dois ou três anos com Fukui, que era o responsável pelo Consulado-Geral de Mukden em Xinmin Tuen («Nova Colónia»). Era uma pessoa cordial e leal que se dava muito bem não só com os colegas e residentes japoneses, mas também com a população chinesa em geral. Não era possível que alguém tivesse qualquer tipo de rancor contra ele. Do meu ponto de vista, não consigo deixar de pensar que por detrás deste incidente deve ter existido um motivo político bastante forte.
Negociações com as autoridades portuguesas
No que respeita às instruções que recebi do governo japonês, nada tive a opor quanto aos três primeiros pontos. No entanto, o último ponto, acerca da exigência de indemnização, fez-me pensar. Para uma nação onde são frequentes os movimentos políticos e agitações com objectivos revolucionários, presume-se que há uma falta de condições normais de governação e de capacidade para manter a segurança nacional. Por isso, segundo as normas internacionais, é habitual não atribuir a responsabilidade ao governo e raramente exigir-lhe uma indemnização para este tipo de incidentes. A China é um exemplo disto. Nos países civilizados, e desde que não haja intenção ou negligência por parte das autoridades, o normal é que incidentes deste género sejam tratados como casos de polícia comuns.
De acordo com a minha análise, cheguei à conclusão de que neste caso não se deveria exigir uma indemnização ao governo português porque haveria fortes probabilidades de tal exigência o levar a apresentar pedidos de indemnização pelos actos de violência cometidos pelas tropas nipónicas em Timor. Considerei acrescentar apenas, como se se tratasse de uma sugestão minha, que seria tomado em elevada consideração o facto de as autoridades lusas estarem dispostas a oferecer espontaneamente uma compensação monetária.
Como as autoridades japonesas acabaram por aceitar o meu parecer, solicitei uma audiência ao secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros (Teixeira de Sampaio) para dar início ao diálogo. Logo após este acontecimento, o governador de Macau expressou diligentemente os seus sentimentos a nível oficial. Além disso, no início da audiência, o secretário-geral apresentou sentidas condolências em nome do governo português. Portanto, no que respeita ao ponto 1, concluí que tivemos o desfecho esperado. Agora, relativamente aos pontos 2 e 3, não era necessário esperar pelo pedido do governo japonês: Portugal, como administrador da região, tomou providências por iniciativa própria. Assim, não houve qualquer divergência entre nós. Quanto ao assunto da indemnização, apesar de dar mostras de concordar por uma questão de princípio, como eu calculara, o secretário-geral referiu-se à questão da eventual assumpção de responsabilidades pelo governo português nos seguintes termos:
«De acordo com o relatório elaborado pelo governo de Macau, o incidente, ou seja, o assassinato do cônsul japonês Fukui, aconteceu quando este estava a caminhar durante um trajecto da sua vida particular. Num caso destes, a responsabilidade das autoridades só pode ser invocada por negligência; por exemplo, se o cônsul tivesse sido ameaçado e prevenido as autoridades, pedindo-lhes expressamente protecção, e estas tivessem decidido não tomar quaisquer medidas de vigilância. Porém, não foi este o caso. Por este motivo, consideramos que devemos tratar o incidente como um crime comum. No entanto, atendendo ao facto de o cônsul Fukui ter sido uma pessoa muito estimada por todos, que tinha muito boas ligações com o governo de Macau, e devido ao estado actual das relações sensíveis entre as duas nações, no que diz respeito à sua sugestão sobre uma eventual indemnização tomo nota dessa proposta, que poderá ser extremamente útil e que merece ser estudada em termos de valor, da maneira como se poderá proceder à transacção financeira e outros pormenores.»
Mais tarde, enquanto trocávamos opiniões a nível não oficial a respeito da indemnização, inclusive quanto ao montante e ao modo de proceder ao pagamento, a guerra chegou ao fim. No entanto, e tal como eu calculara, o governo português estava inclinado a propor que a indemnização fosse abatida nas indemnizações devidas pelo Japão a propósito dos actos que os seus militares tinham cometido em Timor.
Plano do Exército japonês para ocupar Macau
Enquanto decorriam estes diálogos a propósito da ordem pública em Macau, o secretário-geral solicitou muito discretamente a atenção das autoridades nipónicas nos seguintes termos:
«Em Macau, as forças japonesas não avisaram o governador do território e destacaram o coronel Sawa (chefe dos serviços secretos do Exército), que está a formar pessoal. É do conhecimento público que o coronel Sawa tem andado a prender e a executar chineses sem ter poderes para tal. Trata-se, obviamente, de uma violação da soberania do Estado português. No entanto, tendo em conta a situação actual das relações bilaterais entre as duas nações, o governo de Macau está a dar um consentimento tácito a estes incidentes frequentes.»
Quando ouvi estas palavras do secretário-geral, percebi pela primeira vez que estava desvendado o mistério do assassinato do cônsul Fukui. De acordo com informações transmitidas telegraficamente pelo consulado do Japão em Macau, após este atentado contra Yasumitsu Fukui seguiram-se mais incidentes: disparos contra as instalações do Consulado-geral do Japão, trocas de tiros entre japoneses e chineses e outros confrontos.
Por outro lado, começava a ser discutida com mais insistência a possibilidade do envio de um destacamento militar para Macau cujo objectivo seria a protecção dos cidadãos japoneses residentes, pois não se podia contar apenas com o governo de Macau para manter a segurança pública na eventualidade de uma ofensiva militar norte-americana em Hong Kong. As altas patentes do Exército japonês estacionado em Nanquim apresentaram uma proposta agressiva de envio de soldados para Macau e contaram com o apoio do cônsul japonês Eiichi Iwai.
Em seguida, as Forças Armadas japonesas decidiram repetir a medida que haviam aplicado à concessão britânica de Tientsin no Verão de 1939 e impuseram um bloqueio semelhante a Macau. Esta acção provocou um grande sofrimento a cerca de 300 000 chineses, cuja vida quotidiana se tornou bastante difícil devido ao aumento dos preços, sobretudo dos produtos alimentares, e à escassez de alimentos no mercado.
No sentido de terem um pretexto para o envio de tropas, as Forças Armadas utilizaram as tácticas do costume como, por exemplo, «bombardear com a menor intensidade possível para não ameaçar nem a população nem o gado». Tratou-se do mesmo estratagema clássico utilizado com bastante frequência contra a China, tal como tive oportunidade de referir no meu livro Conspiração, Assassinato, Sabre – Memórias de Um Diplomata(陰謀 – 暗殺 – 軍刀 – 一外交官の回想). A série de incidentes em Macau também fez parte deste género de manobras das Forças Armadas. Ao relembrar tudo isto, lamento profundamente a morte de Fukui, que foi vítima desta conspiração.
Perante as circunstâncias, poder-se-ia concluir que a crise diplomática entre o Japão e Portugal não era tanto a questão de Timor mas centrava-se sobretudo nos problemas em torno de Macau. Se assim fosse, não havia qualquer dúvida de que a situação teria de ser acompanhada com muita atenção. Por isso, apresentei uma proposta aos ministros dos Negócios Estrangeiros, Mamoru Shigemitsu e Togo, na qual dei especial atenção aos seguintes pontos, que expus num tom bastante contundente:
1)Encerramento imediato da agência do coronel Sawa.
2)Deportação de todos os Tairiku-Ronin (indivíduos que viviam ou circulavam pela China ou pela península da Coreia para promoverem actividades políticas).
3)Nomeação imediata de um cônsul em Macau.
4)Levantamento imediato do bloqueio a Macau.
No seguimento da minha exposição, o bloqueio foi levantado no espaço de alguns dias e Masaki Yodogawa enviado como novo cônsul. Dominava bem a língua portuguesa e acompanhara o observador português a Timor pouco tempo antes. Graças a estas competências, contribuiu para melhorar a situação. A título de mera informação, o coronel Sawa foi acusado de crimes de guerra e executado pelas autoridades chinesas após o final do conflito."
Sugestão de leitura: "Macau 1937-1945:os anos da guerra", João Botas, IIM, 2012
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