O título e artigo deste post é da autoria de Jaime do Inso (oficial da Armada portuguesa) e fez parte de um volume intitulado “Macau – a mais antiga colónia europeia no Extremo Oriente”, impresso na Tipografia do Orfanato da Imaculada Conceição e apresentado na Exposição de Sevilha, em 1929. Desse texto destaco esta frase... “É de admirar que Macau sendo tão pequena possa apresentar à observação de quem a olha os aspectos mais variados e surpreendentes”.
No final da década de 1920 o turismo em Macau não tinha praticamente expressão mas Jaime do Inso aponta um conjunto de argumentos que apontam o turismo como o grande potencial de desenvolvimento de Macau a que chamou "A jóia das terras do Oriente".
“A China, apesar de todos os seus ‘dessous’, perigos e desilusões, tem, para quem saiba estudá-la, aquele encantamento próprio do Oriente. Macau, envolta na mesma atmosfera, num ambiente tantas vezes triste e enigmático como uma interrogação suspensa sobre a fatalidade do destino, participa e conserva uma parcela desse encantamento que a China tem. Bastava isto, se mais não houvesse, para lhe dar uma feição, uma qualidade muito apreciável e favorável para o turismo.
Mas há mais, muito mais mesmo, que torna Macau, ‘a Cidade Santa’, a ‘Jóia das Terras do Oriente’ – como lhe chamou o escritor inglês Dyer Boll –, um verdadeiro mimo de beleza neste longínquo Oriente. (...) É que, na verdade, pela sua configuração orográfica, pela sua situação, pelos tons das suas edificações, pela pátina do tempo, impressa como um selo do nosso passado aventureiro, Macau oferece paisagens surpreendentes pela variedade com que se sucedem, encantadoras pela suavidade com que se desenham, e originais porque diferem muito das que oferecem as outras colónias europeias no Extremo-Oriente. Daí os encantos que a maior parte dos visitantes encontram neste pequeno torrão lusitano, onde cada pedra dos vetustos muros do antigo burgo português, como que por milagre posto à beira de Cathay, representa uma estrofe de epopeia e de visão.
O jornalista americano Swift Kirtland, que, há pouco tempo, durante uma viagem de turismo à roda do mundo, esteve em Macau, declarou que o impressionara muito o panorama da cidade, que em nada se assemelhava ao que até então tinha visto pelo Japão e pelo resto do Oriente, vindo encontrar aqui construções, hábitos e outras características que demonstram bem a existência duma influência diferente da que existe nas outras colónias ou concessões estrangeiras na China. Impressionou-o ainda o sossego e o ambiente de paz que se sentia por toda a parte, e o facto dos chinas viverem aqui como em terra chinesa e dos europeus lidarem com eles como se não fossem de outra raça. Surpreendeu-o também não haver separação entre as moradias ou bairros chineses e europeus, bem como a limpeza das ruas, ainda mesmo daquelas onde predomina o elemento china, chegando Macau a parecer-lhe, em certos pontos, uma bela propriedade particular e cuidadosamente tratada. Muito o interessaram as velhas fortalezas, coevas algumas dos primeiros tempos da nossa ocupação, e foi motivo de grande admiração ver algumas lorchas armadas com antigas peças de artilharia. Tais são as impressões, que aquele turista levou de Macau e que traduzem, na verdade, muitos dos aspectos desta cidade.
Sydney Greenbie, num artigo publicado na importante revista americana ‘Asia’, de 1925, a páginas 824-825, diz sobre Macau, entre outras coisas, o seguinte: ‘As suas casas apalaçadas, que se elevam sobre montes que tanto apanham as brisas do sudoeste como os furacões, chocam todos os visitantes ocidentais como a amostra de um paraíso’. Parece-nos que pouco mais se poderá dizer sobre a beleza duma cidade e que de poucas cidades se poderá dizer outro tanto”.
Paisagens de Macau
“Efectivamente, os aspectos de Macau são encantadores, e tornam esta cidade privilegiada pelos seus panoramas, tão variados e interessantes, tão típicos, caprichosos e originais, neste ambiente de paz, de quietação e de imensa suavidade, de português e chinês, com muito de antigo e moderno. É de admirar que Macau sendo tão pequena, uma minúscula mancha de casas na vastidão de Cheong-San, possa apresentar à observação de quem a olha os aspectos mais variados e surpreendentes. Só vendo certos cambiantes deste meio e deste céu, onde tanta vez paira um indecifrável véu de nostalgia, se pode avaliar bem o que Blasco Ibañez escreveu no segundo volume de ‘La Vuelta al Mundo de un Novelista’: ‘Si me preguntan cuál es la sensación más honda y duradera de mi viaje alrededor del mundo, tal vez afirme que el viaje de Macao á Hong-Kong, sobre un mar dormido como una laguna, bajo de la cúpula de una noche esplendorosa, con el incentivo de marchar en el misterio, costeando peligros y casi al ras de las aguas’. É, assim! Contemplar, por exemplo, do alto da Penha, a rada de Macau, numa noite de luar, é um espectáculo que dificilmente esquece. Beleza majestosa e calma que nos prende a fala numa voz de silêncio; saudade imensa, indecisa, onde vemos uma interrogação figurada em cada mancha negra das lorchas, de largos braços abertos naquele imperturbável mar de prata. As paisagens de Macau!
Tristes, nostálgicas como uma dor convulsa em fúria de tufão, ou, alacres, rubras de luz e de sol como um canto tropical, as paisagens de Macau são lindas e prendem; têm uma nota indefinível, indecifrável, que participa deste mistério, deste encantamento da China e que fala ao nosso sentimento pela voz da tradição. O ponto dominante das paisagens de Macau é a montanha da Guia, onde serpenteia uma estrada para automóveis. Passemos por lá, de relance. Durante o caminho, como que por encanto, paisagens lindas e variadas se sucedem. À medida que o sol vai descendo, a tarde vai-se tornando mais amena e calma! Um tosco banco de pedra à beira da estrada convida-nos a descansar. A nossos pés desdobra-se a cidade; e os montes altos da Lapa e doutras terras mais distantes mergulham já na meia penumbra da luz que morre, deixando no céu listas rubras.
Os bairros de Tap-Siac e Patane, cujo casario é colorido, alegre, dão-nos um aspecto de terra de Portugal, a que o som de uns panchões que estralejam empresta a cor local, da China, que nos envolve nesta atmosfera de sonho e enigma que paira sobre nós.
As verdejantes encostas da Guia vão abrigando os últimos pássaros que recolhem aos ninhos; arriam-se as bandeiras nos velhos fortes; tangem os sinos da nossa terra, num frémito de saudade! É a hora das Ave-Marias, calma e simples, como nos campos de Portugal! Há em tudo que nos rodeia como que uma unção impregnada da China, impregnada de mistério! Paisagens de Macau!” (continua)
Mas há mais, muito mais mesmo, que torna Macau, ‘a Cidade Santa’, a ‘Jóia das Terras do Oriente’ – como lhe chamou o escritor inglês Dyer Boll –, um verdadeiro mimo de beleza neste longínquo Oriente. (...) É que, na verdade, pela sua configuração orográfica, pela sua situação, pelos tons das suas edificações, pela pátina do tempo, impressa como um selo do nosso passado aventureiro, Macau oferece paisagens surpreendentes pela variedade com que se sucedem, encantadoras pela suavidade com que se desenham, e originais porque diferem muito das que oferecem as outras colónias europeias no Extremo-Oriente. Daí os encantos que a maior parte dos visitantes encontram neste pequeno torrão lusitano, onde cada pedra dos vetustos muros do antigo burgo português, como que por milagre posto à beira de Cathay, representa uma estrofe de epopeia e de visão.
O jornalista americano Swift Kirtland, que, há pouco tempo, durante uma viagem de turismo à roda do mundo, esteve em Macau, declarou que o impressionara muito o panorama da cidade, que em nada se assemelhava ao que até então tinha visto pelo Japão e pelo resto do Oriente, vindo encontrar aqui construções, hábitos e outras características que demonstram bem a existência duma influência diferente da que existe nas outras colónias ou concessões estrangeiras na China. Impressionou-o ainda o sossego e o ambiente de paz que se sentia por toda a parte, e o facto dos chinas viverem aqui como em terra chinesa e dos europeus lidarem com eles como se não fossem de outra raça. Surpreendeu-o também não haver separação entre as moradias ou bairros chineses e europeus, bem como a limpeza das ruas, ainda mesmo daquelas onde predomina o elemento china, chegando Macau a parecer-lhe, em certos pontos, uma bela propriedade particular e cuidadosamente tratada. Muito o interessaram as velhas fortalezas, coevas algumas dos primeiros tempos da nossa ocupação, e foi motivo de grande admiração ver algumas lorchas armadas com antigas peças de artilharia. Tais são as impressões, que aquele turista levou de Macau e que traduzem, na verdade, muitos dos aspectos desta cidade.
Perspectiva do Largo do Senado a partir da Travessa do Roquete: década 1930 |
Paisagens de Macau
“Efectivamente, os aspectos de Macau são encantadores, e tornam esta cidade privilegiada pelos seus panoramas, tão variados e interessantes, tão típicos, caprichosos e originais, neste ambiente de paz, de quietação e de imensa suavidade, de português e chinês, com muito de antigo e moderno. É de admirar que Macau sendo tão pequena, uma minúscula mancha de casas na vastidão de Cheong-San, possa apresentar à observação de quem a olha os aspectos mais variados e surpreendentes. Só vendo certos cambiantes deste meio e deste céu, onde tanta vez paira um indecifrável véu de nostalgia, se pode avaliar bem o que Blasco Ibañez escreveu no segundo volume de ‘La Vuelta al Mundo de un Novelista’: ‘Si me preguntan cuál es la sensación más honda y duradera de mi viaje alrededor del mundo, tal vez afirme que el viaje de Macao á Hong-Kong, sobre un mar dormido como una laguna, bajo de la cúpula de una noche esplendorosa, con el incentivo de marchar en el misterio, costeando peligros y casi al ras de las aguas’. É, assim! Contemplar, por exemplo, do alto da Penha, a rada de Macau, numa noite de luar, é um espectáculo que dificilmente esquece. Beleza majestosa e calma que nos prende a fala numa voz de silêncio; saudade imensa, indecisa, onde vemos uma interrogação figurada em cada mancha negra das lorchas, de largos braços abertos naquele imperturbável mar de prata. As paisagens de Macau!
Tristes, nostálgicas como uma dor convulsa em fúria de tufão, ou, alacres, rubras de luz e de sol como um canto tropical, as paisagens de Macau são lindas e prendem; têm uma nota indefinível, indecifrável, que participa deste mistério, deste encantamento da China e que fala ao nosso sentimento pela voz da tradição. O ponto dominante das paisagens de Macau é a montanha da Guia, onde serpenteia uma estrada para automóveis. Passemos por lá, de relance. Durante o caminho, como que por encanto, paisagens lindas e variadas se sucedem. À medida que o sol vai descendo, a tarde vai-se tornando mais amena e calma! Um tosco banco de pedra à beira da estrada convida-nos a descansar. A nossos pés desdobra-se a cidade; e os montes altos da Lapa e doutras terras mais distantes mergulham já na meia penumbra da luz que morre, deixando no céu listas rubras.
Os bairros de Tap-Siac e Patane, cujo casario é colorido, alegre, dão-nos um aspecto de terra de Portugal, a que o som de uns panchões que estralejam empresta a cor local, da China, que nos envolve nesta atmosfera de sonho e enigma que paira sobre nós.
As verdejantes encostas da Guia vão abrigando os últimos pássaros que recolhem aos ninhos; arriam-se as bandeiras nos velhos fortes; tangem os sinos da nossa terra, num frémito de saudade! É a hora das Ave-Marias, calma e simples, como nos campos de Portugal! Há em tudo que nos rodeia como que uma unção impregnada da China, impregnada de mistério! Paisagens de Macau!” (continua)
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