O Capitão Fernando Lara Reis (1892-1950) foi uma das figuras marcantes dessa larga elite do professorado que serviu no Liceu de Macau ao longo dos decénios. Foi um activo precursor da escola igualitária, democrática e inclusiva, com uma genuína preocupação com a formação integral do alunos.
Lara Reis (1º a contar da dta): júri de um exposição de Arte no Leal Senado em 1924. Destaque ainda para nomes como Camilo Pessanha (1ª da esq) e Manuel da Silva Mendes (2º a contar da dta sentado). |
É nomeado Professor Efectivo do 9º Grupo (Desenho e Trabalhos Manuais) no Liceu de Macau, em 1919, que será a escola de toda a sua vida, com a ressalva dos anos da Segunda Guerra Mundial em que leccionará em Goa, no Liceu Afonso de Albuquerque. Não fica, nesse ano, seguramente, indiferente à capitulação da Alemanha pelo Tratado de Versalhes, que coloca um ponto final na primeira Grande Guerra.
O Liceu de Macau tinha então 37 alunos e quando se apresenta, o Reitor era Humberto Severino de Aguiar, recém-empossado após o mandato de Mateus António de Lima. Em 1919 Macau e as Ilhas perfaziam 12 km2, um pequeno cosmos, como bem se percebe. O Bispo era D. José da Costa Nunes e o Governador, Henrique Correia da Silva. No Liceu, já lá estavam Camilo Pessanha, Manuel da Silva Mendes, Carlos Borges Delgado ou José Ferreira de Castro.
Monsenhor Manuel Teixeira, na importante monografia que dedicou ao Liceu de Macau, refere: “nós, que vimos acompanhando a vida do Liceu desde há cerca de 50 anos e que vasculhamos todo o seu arquivo, não encontramos ainda um professor que tenha servido a sua escola com tanta dedicação como Lara Reis. É que ele não se limitava às suas funções de professor competentíssimo de desenho (…) A sua dedicação levava-o a tomar muitas outras iniciativas, sempre a bem dos alunos: exposições escolares anuais, em que ele sabia despertar o estímulo dos alunos e o interesse do público; festas e récitas frequentes, excursões culturais a Hong Kong, ‘picnics’ às ilhas, etc.”.
Esta dedicação exclusiva, uma doação permanente à causa da educação e da formação extra-curricular é apreciada pela comunidade e pelos seus pares e reconhecida pelos seus alunos. Da sua formação militar traz a disciplina, a ordem, a objectividade e o método que aliará à cultura da razão prática e ao saber profissional, guindando, desse modo a cadeira que lecciona de uma zona secundária e residual para um nível de plena paridade com as demais áreas do saber.Os programas e as respectivas instruções pedagógicas, que então leccionará, poderemos vê-los no decreto-lei nº 6132 de 23 de Dezembro de 1919, que a Imprensa Nacional de Macau só publicará em 1922. Curiosamente, um sinal da grande instabilidade política então vivida, está no facto de a primeira parte desse decreto ter sido assinada em 26 de Setembro de 1919 pelo Presidente João do Canto e Castro, e a segunda parte, assinada em 30 de Dezembro de 1919, pelo Presidente António José de Almeida…
San Ma Lou: década 1920 |
Rua Cons. Ferreira de Almeida: década 1920 |
Já Leonel Barros enfatiza outra vertente: “havia um professor de desenho, muito metódico, chamado Lara Reis, a quem recordo como amigo e não como professor. Quando pintávamos, dizia-nos que o pincel só se podia limpar com a língua e tentava convencer-nos que aquilo não matava ninguém. Não nos deixava lavar o pincel sem ser com a língua.(…) Quando eu estou a desenhar, limpo sempre o pincel com a língua. A culpa de proceder desta forma foi de Lara Reis. (…) Eu aprendi muita coisa com ele, no que diz respeito também ao desenho gráfico”.
O trabalho que realizou, que coordenou ou que os alunos executaram sob a sua orientação está completamente perdido. Monsenhor Manuel Teixeira explica-nos porquê: “No antigo liceu, na Avenida Conselheiro Ferreira de Almeida, ostentavam-se vários quadros da sua lavra e dos seus alunos, que eram dignos de apreço. Também havia projecções de pontos, segmentos e polígonos nos vários quadrantes, feitos por ele com madeira, alfinetes, arames e linhas, que muito auxiliavam os alunos nos seus estudos. Infelizmente, quando em 1958, o Liceu passou para o Porto Exterior, tudo isso foi atirado para o lixo. Todas ou quase todas as exposições de artistas tanto portugueses como estrangeiros, realizadas em Macau, no seu tempo, foram da sua iniciativa ou patrocinadas por ele”.
Lara Reis foi benemérito e filantropo até ao fim. O Arquivo Distrital de Leiria acolheu os manuscritos, mais de 32 volumes dos “Diários de Viagem” e “A Minha Vida”, um rico espólio que tem sido minuciosamente estudado por Acácio de Sousa e por Orlando Cardoso. A casa de seus Pais, em Redinha, foi doada em 1941 e reconvertida em Escola Primária. A sua casa em Macau foi doada à Santa Casa da Misericórdia, tendo o Rotary Clube de Macau nela instalado a “Clínica Anticancerosa Lara Reis” (imagem acima).
Texto de António Aresta, docente e investigador, publicado no JTM de 27-01-2011
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