domingo, 9 de setembro de 2012

"Vulcano" no Brasil: 1812

O Brasil está na nesta altura a comemorar os 200 anos da primeira imigração chinesa, assinalando a chegada em 1812 de um barco, com origem em Macau, ao Rio de Janeiro. As comemorações têm um carácter oficial, já que envolvem os dois estados (parlamento do Rio e  embaixada no Brasil), tendo no início do ano havido reuniões para formalizar uma agenda comum (isto para além das comemorações menos oficiais).
A maior parte dos autores, nomeadamente aqueles que o Ponto Final consultou, parece concordar que foi em 1812 que chegou ao Brasil o navio “Vulcano”, procedente de Macau, com, cerca de 200 a 300  chineses da zona de Hubei, que viriam plantar chá (os números também variam). E é com base nessa 'maioria’ que as comemorações avançaram, nomeadamente através da publicação de inúmeras reportagens na comunicação social brasileira e também através de iniciativas envolvendo a forte comunidade chinesa naquele país. A verdade é que não existe um consenso sobre a data. Nem, inclusivamente, sobre se esse desembarque de imigrantes foi o primeiro contacto entre a China (sempre através de Macau) e o Brasil. 1810? 1814?
Leonor Diaz de Seabra, um dos portugueses que mais tem estudado o relacionamento entre a China e o Brasil, aponta para 1810. A professora do Departamento de Português da Universidade de Macau (e do Centro de Pesquisa para os Estudos Luso-Asiáticos) defende que «desde 1810 que se iniciara a cultura do chá, no Horto Botânico do Rio de Janeiro, com plantas importadas de Macau e com 200 chineses para aí trabalharem». Leonor Diaz de Seabra cita, neste caso, Almerindo Lessa, cuja obra “Macau: ensaios de antropologia portuguesa nos trópicos” é considerada uma das referências para os estudiosos na área.
Mas como parece haver muitas dúvidas sobre o momento em que chegou ao Rio de Janeiro o barco vindo de Macau, a própria investigadora enviou ao PONTO FINAL um extracto do livro de José Leite (“China o Brasil”) onde se pode ler que D. João «importou algumas centenas de chineses em 1814». Para a historiadora e investigadora, «a primeira ligação directa oficial entre Macau e o Brasil» aconteceu em 1810, com a chegada ao Brasil, mais concretamente à cidade da Baía, do navio “Ulisses”, enviado pelo Senado.
Macau queria o Brasil
Se não há – e Leonor Diaz de Seabra voltou a reafirmar ao Ponto Final – evidência científica nos arquivos de Macau sobre a data do envio do navio “Vulcano” com agricultores de Hebei para o Rio de Janeiro, onde se dedicaram a plantar chá, já não há dúvidas de que Macau, há muito, tentava aproximar-se do Brasil. Cita-se, por exemplo, um documento do Leal Senado, de 1735, em que se protestava pela obrigatoriedade dos navios de Macau terem de passar, primeiro, por Lisboa e só depois irem aportar ao Brasil (e estes documentos estão nos Arquivos de Macau). Só com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808, fugida das invasões napoleónicas, é que a situação se alterou. Logo em 1810 o Príncipe Regente (D. João) libertou as mercadorias da China de direitos de entrada «nas alfandegas do Brasil». E «com a mudança da política colonial portuguesa, Macau conheceu um novo período de desenvolvimento, escreve Leonor Diaz de Seabra num dos vários textos publicados sobre estas matérias.
A relação entre o Brasil e a China/Macau só não ganhou um outro tipo de importância porque não foi avante a ideia do ministro português no exílio, Conde de Linhares, de importar «dois milhões de chineses». Miao Shen Chen, da Univeridade Estadual do Paraná, cita Lasser (2001), para afirmar que «a entrada dos grantes chineses no Brasil começou a acontecer nos anos 1810, com o apoio do juiz João Rodrigues de Brito, que era economista e membro da suprema corte de Salvador, na Bahia. Para ele, os chineses eram “activos, industriosos e peritos na prática das artes e agricultura”. Sendo assim, o ministro do exterior português noexílio, o conde de Linhares, Rodrigo Domingos António de Souza Coutinho, concordou com a ideia e pensou na hipótese de trazer dois milhões de chineses para dar um jeito de contornar a proibição do tráfico de escravos, a pressão que vinha dos ingleses, e de satisfazer o desejo do rei Dom João, de transformar chá num produto de exportação importante».
Esses chineses ajudariam no povoamento da colónia «como também beneficiar o comércio com Macau, procurando assim estender a indústria da seda e da porcelana ao Brasil », lê-se ainda em Miao Shen Chen.O chá era, no entanto, o ponto de partida. O rei D. Pedro I estaria preocupado com o preço que o chá estava a atingir em Inglaterra e queria que o Brasil tivesse a sua própria produção.É neste contexto que Leonor Diaz de Seabra afirma que «desde 1810, aliás, que se iniciara a cultura do chá, no Horto Botânico do Rio de Janeiro, com plantas importadas de Macau e c. 200 chineses para aí trabalharem, tal como na Fazenda de Santa Cruz, incorporada nos bens da Coroa, após a expulsão dos Jesuítas». Ainda assim, 1812 parece reunir a “preferência” de diversos autores, sobretudo estabelecidos no Brasil. Luis António Paulino, da Universidade Estadual Paulista e director do Instituto Confúcio na Unesp, diz que «essa primeira leva de imigrantes chineses chegou ao Brasil [em 1812] para desenvolver a cultura do chá, bebida muito apreciada pelos 15 mil nobres e conselheiros portugueses e ingleses entre 1808 e 1820».
Da Wikipedia às principais reportagens publicadas no Brasil, o que é comum ler é que em 1812 «chegaram ao Rio cerca de 300 chineses, além de mudas e sementes de chá vindas de Macau no navio Vulcano. Eram plantadores de ervas da província de Hubei, local famoso pelo chá verde, que foram colocados para trabalhar na fazenda da família imperial, no Rio de Janeiro (que mais tarde veio a ser o Jardim Botânico Real). Em 10 de Setembro de 1814, desembarcaram no Porto do Rio quatro chineses cultos (provavelmente mestres do processamento de chá) que foram morar na residência do Conde da Barca. O pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858), durante sua primeira viagem ao Brasil, entre 1821 e 1825, documentou a plantação chinesa de chá no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, publicando a gravura em seu livro Viagem pitoresca através do Brasil, cujo texto faz referência a uma colónia de 300 chineses na cidade».
Artigo da autoria de João Paulo Meneses in Ponto Final 6-8-2012

1 comentário:

  1. Interessantissimo, estou procurando estes registros para saber sobre uma ascendente que veio para o Brasil, nas historias ela foi encontrada em ilheus bahia pelo um barco de Macau

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