O Convento de S. Domingos foi fundado pelos dominicanos espanhóis, juntamente com a igreja de N. Sra. do Rosário. Os fundadores António de Arcediano, Alonso Delgado e Bartolomeu Lopes embarcaram a 3 de Abril de 1587 nas Filipinas no S. Martinho, comandado pelo capitão português D. Lopes de Palácio, indo ter a Amoy; só chegaram a Macau a 1 de Setembro ficando hospedados no convento de S. Agostinho.
Em 1587-1588, fundaram a Casa de N. Senhora do Rosário numas casas que haviam sido do provisor do bispado; a capela de N. Senhora do Rosário, feita de ripas de madeira, veio mais tarde a transformar-se num templo majestoso feito de tijolo; mas ainda hoje é chamada pelos chineses Pán chong miu (板樟廟), i. é., «templo de tabique».
O Concílio Provincial de Manila de 16 de Junho de 1588 declarava: «Aceitamos a casa de S. Maria do Rosário de Macau, à qual damos por vigário o Pe. António de Arcediano».
Em Março de 1588, o vice-rei D. Duarte de Meneses obrigou os dominicanos espanhóis a sair de Macau para a Índia; assim fizeram o Pe. Arcediano e o P. Delgado; mas o Pe. Lopes ainda se demorou em Macau três anos.
Nas Mitras Lusitanas, p. 349, diz-se que, depois que S. Domingos foi entregue aos dominicanos portugueses, «ficou sendo esta casa um hospício onde se recolhem os religiosos da Índia, que passam para as Missões de Timor e Malaca: houve nela pública escola em que os padres ensinavam a ler, escrever e também latim, e ainda houve algum dia um curso de artes que deu Fr. Gaspar de Macedo e depois Fr. Tomé da Purificação».
D. Jerónimo de Azevedo, vice-rei da Índia, em resposta à carta régia de 26 de Janeiro de 1612, diz que avisou o vigário da Ordem de S. Domingos na China, sobre as ordens que el-rei enviara acerca da informação que obtivera de que o geral da dita Ordem mandara entregar o convento que tinham na China aos Castelhanos das Filipinas (Filmoteca, n.º 4, p. 753). Esta ordem nunca se cumpriu, pois noutra carta o mesmo D. Jerónimo afirma que tomará todas as cautelas para nunca se entregar o mosteiro de S. Domingos de Macau a religiosos espanhóis da mesma ordem.
Como os dominicanos seguiram o partido do patriarca Tourmon, foram presos em Setembro de 1709 com o seu vigário, Fr. Pedro do Amaral, e levados para as fortalezas; a pedido do bispo D. João de Casal a 24 desse mês, foram soltos, regressando ao convento.
A 6 de Maio de 1714, o vice-rei de Goa, Vasco Fernandes Cesar de Meneses, ordenou ao Capitão-Geral de Macau, António de Siqueira de Noronha, que remetesse para a Índia o Pe. Fr. Tomás do Sacramento, «procurando que nella tenha o castigo muito a proporção da sua culpa» (Arq. de Macau, Fevereiro de 1968, p. 85). Em 1721, era vigário do convento Fr. José da Cruz, que, a 21 de Novembro desse ano, escreveu uma carta ao Senado. Foi ele que reedificou o convento. Em fins de 1726, deram-se distúrbios entre o vigário de S. Domingos, Fr. Custódio da Madre de Deus e o visitador Fr. Amaro da Conceição, «mandando (as autoridades) impedir-lhe algumas boticas para dellas se lhe não vendesse couza alguma, em tempo que o G.or por Precatoria do Bispo, lhe tinha o Convento sercado de soldados (Arq. de Macau, Março de 1968, p. 170).
Foto de Man Took. Arquivo IICT. Aqui funcionaram os bombeiros |
Por aviso régio de 16 de Junho de 1814, mandou-se criar em S. Domingos uma escola de educação religiosa para cinco alunos destinados às missões de Timor. Em 1822, surgem dois partidos em Macau: o dos conservadores, chefiados pelo Ouvidor Miguel de Arriaga e o dos liberais, pelo ten. coronel Paulino da Silva Barbosa. Os Dominicanos colocam-se ao lado deste último e fundam o primeiro jornal em Macau, Abelha da China, dirigido por Fr. António de S. Gonçalo de Amarante; o 1.º número apareceu a 12 de Setembro de 1822; em 28 de Agosto de 1823 foi queimado à porta da Ouvidoria por ordem do Governo Provisório. Depois de 23-9-1823, a Abelha passou a ser dirigida pelos Agostinhos e a defender o governo provisório; só a 3 de Janeiro de 1824 é que mudou para o nome de Gazeta de Macau.
O decreto de 28 de Maio de 1834 extinguindo as Ordens Religiosas foi executado em Macau no ano seguinte. Nessa data viviam no convento apenas quatro Dominicanos: o vigário João Xavier da Trindade e Sousa, que faleceu em Lisboa com 63 anos de idade, a 22 de Janeiro de 1864; Tomás de Aquino, que foi nomeado coadjutor do vigário de S. António; Agostinho Borges, capelão do Batalhão Príncipe Regente; e João de S. Teresa, confessor das clarissas, que faleceu em Macau com 75 anos, no dia 1 de Dezembro de 1868.
Os fundadores da Casa de S. Maria do Rosário de Macau, chamada depois Convento de S. Domingos, estabeleceram na sua igreja a Confraria de N. Senhora do Rosário. Esta Confraria trissecular, tem mantido o culto de N. Sra. do Rosário nesta igreja e celebrado com grande pompa a sua festa.
N. Senhora de Fátima em S. Domingos
O Pe. Manuel Joaquim Pintado era o director da Catequese em Macau, que se ensinava não nas paróquias, mas na igreja de S. Domingos; as crianças chinesas tinham a sua em S Lázaro. O P. Pintado, que havido sido o promotor do culto do beato Nuno, foi também o introdutor do culto de N. Sra. de Fátima em Macau. Para afervorar as crianchinhas, ele narrava-lhes os sucessos maravilhosos em Fátima. Em 1929, inaugurou ele na igreja de S. Domingos a devoção de N. Sra. de Fátima com um tríduo de 10 a 12 de Maio e uma procissão no dia 13. O pregador, Pe. António Maria Alves, S. J. fez prometer ao povo que todos os anos nesse dia levaria a estátua de N. Sra. de Fátima em procissão de S. Domingos à Penha. E assim se tem feito até hoje.A igreja de S. Domingos tornou-se a Cova da Iria no Extremo Oriente; e os missionários de Macau, que foram depois evangelizar Shiu-Hing, Timor, Singapura e Malaca, levaram consigo esta devoção e introduziram-na nessas Missões. Das Missões Portuguesas irradiou para as estrangeiras e assim se estendeu pelo Extremo-Oriente.
Para a manutenção e esplendor do culto de N. Sra. de Fátima em Macau, fundou-se entre as raparigas a Congregação de N. Sra. de Fátima em 13 de Dezembro de 1929 e organizou-se a Capela musical do mesmo nome. Em Singapura, fundou-se também a Congregação masculina de N. Sra. de Fátima e editou-se em 1948 a revista «Rally», que desde o início até hoje tem feito intensa propaganda de N. Sra. de Fátima. Esta devoção a N. Sra. do Rosário de Fátima continua a tradição da igreja de S. Domingos, que desde a sua fundação pelos dominicanos foi o centro do culto de N. Sra. do SSmo. Rosário.
Litogravura séc. 19 |
O Filho do Imperador de Monomotapa no Convento de S. Domingos
Na Brotéria de Maio-Junho de 1974 publicou Leopoldo da Rocha um artigo que vamos resumir. Intitula-se: «O Filho do Imperador de Monomotapa, D. Frei Constantino do Rosário (C. 1700-1721) e o Rei de Portugal».
O Império de Monomotapa compreendia a Rodésia, uma parcela da Zâmbia e grande parte da região central da província de Moçambique. Os portugueses pretendiam a conversão do imperador para facilitar a penetração lusa no seu reino. Em 1693, deflagraram guerras e revoltas pela chefia do reino. Pela morte de Monomota, o trono foi usurpado por seu irmão Nhacunimbiri, sendo preferido o filho e legítimo herdeiro Nhenheenza, o qual fora educado em Tete por um frade agostinho e recebera no baptismo o nome de Pedro. Nhacunimbiri, suspeitoso de que os Portugueses pretendiam elevar D. Pedro ao trono, induziu o régulo Changanire a atacá-los. Em 1696, D. Pedro conseguiu ocupar o trono devido às ar-mas portuguesas. Este, quando faleceu, deixou um filho, que foi baptizado pelo Comissário Visitador dos dominicanos Frei Francisco de Trindade, segundo relata Frei Luís de Cácegas na História de S. Domingos: «Passou o Comissário a Tete aonde, compondo novo cathecismo na lingua da terra, fez fruto de inumeraveis almas, catequisando assim meninos como adultos. Foi um destes o Príncipe de de Monomotapa, filho do Imperador D. Pedro já defunto e da Imperatriz Vondoto; poz-lhe por nome D. Constantino e voltando de Tete o trouxe para India e no convento de Goa com o nome de Frei Constantino do Rosário tomou o hábito de S. Domingos em que depois o acompanhou outro Príncipe, seu irmão, por nome Frei João (de que se perdeo o cognome) que tinha bautisado Pedro Filipe da Assunção. Ao tempo que isto escrevemos (1706), assistem ambos no Convento de Santa Bárbara de Goa».
Desterrado para Macau
Em 1709 tinha frei Constantino 14 ou 15 anos de idade, sendo noviço dominicano. «Sucedeo por mal aconselhado de alguns escravos, sair hua noite de quinta feira mayor entre elles disfarçado sem habito a visitar as igrejas para que não fosse conhecido». Esta pequena falta mereceu-lhe tremendo castigo do rígido e austero vigário geral Frei António da Trindade, que lhe mandou despir o hábito e «não contente com isto, o revestio de Donato por despreso, e com elle o degradou para Macao e dahi o intenta lançar mais longe para Timor o que não podia fazer por nenhum direito, por ser já secular principe sobrerano cujo desamparo põe aos Reaes pés de V. Majestade».
D. Frei Constantino mandou de Macau um protesto ao Rei de Portugal, que lhe mereceu a libertação:«(pede) confiado em Sua Real clemencia e justiça para que atendendo a grande pax e amizade que os Reis seus ascendentes tiveram sempre cõ os Serenissimos Reys deste Reino, largando lhe boa parte de seus dominios e não pequena dos seus thesouros, Seja servido ordenar ao V. Rei da India o mande retirar daquele degredo injusto e restituilo a Goa na primeira ocazião à companhia de seu irmão, obrigando aos Religiosos de S. Domingos que o professem e tratem e a seu irmão como se deve às suas peçoas, dandolhe estudos e o necessario como convem e hé rezão e quando esta não seja já a sua vocação, para não experimentar mais injustiças, o mesmo V. Rey o mande para os seus Reinos entregue a Governador dos Rios de Senna para que o ajude com todas as forças a restituição do seu usurpado throno quando se offerecer opportuno, para que assim se consiga felizmente a converção do seu Imperio, pois este he o unico prompto meio. Ao que, vendo-se este Principe assim de V. Magestade favorecido, como estiver na posse dos seus estados, agradecido lhe pode patentear a muita riqueza dos seus thesouros, e pelo contrario, vendo-se vexado e aflito, se poderá passar às nações estranhas e da Europa, e demitir-lhe seu direito enganado e assim virá a conquistar os Rios mui facilmente por não terem deffeza alguã e por consequencia acabar-se a India, pois de suas decimas se sustenta: isto he o que representa a V. Magestade a que fará o que for servido».
Temendo que frei Constantino não fosse bem tratado no Convento de S. Domingos em Macau, deliberou-se a 26 de Março de 1709 que ele fosse recolhido no Colégio de S. Paulo, devendo dar-se-lhe bom acolhimento. O Rei, logo que recebeu a Representação de frei Constantino, despachou-a favoravelmente e ele pôde regressar a Goa e professar na Ordem Dominicana. A 7 de Abril de 1714, o Rei ordenou ao seu Vice-rei da India, Vasco Fernandes César de Meneses que lhe desse 200 xerafins por ano para as suas necessidades religiosas. Sofrendo novos castigos, frei Constantino fez nova Representação ao Rei que, a 28 de Março de 1718, ordenou que se pagasse pontualmente a terça e se não molestasse nem se desse ocasião a que ele se desconsolasse. Tendo caído em culpas graves, frei Constantino foi punido pelo vigário geral dos dominicanos em Goa, frei Manuel do Espírito Santo, que o prendeu no cárcere privativo do convento. Queixou-se ao Rei pedindo-lhe que o mandasse transferir para Portugal. Assim se fez e ele partiu na monção de 1721 com os cómodos e uma ajuda de custo de 200 xerafins.
Texto da autoria do Padre Manuel Teixeira
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