Mais do que uma missão militar, a presença da marinha portuguesa em Macau sempre foi uma missão de soberania. Quando a Alemanha declarou guerra a Portugal em 1916, dezenas de navios de comércio e de pesca, a que se juntaram algumas embarcações de recreio, foram requisitados e artilhados para reforçarem a capacidade da Marinha de Guerra Portuguesa, que dispunha então de quatro cruzadores, três contratorpedeiros, um torpedeiro, quatro submersíveis, dois cruzadores-auxiliares, um aviso de 2.a classe, dois transportes de guerra, treze canhoneiras, quatro patrulhas de alto-mar, um lança-minas, um navio de salvamento, sete caça-minas, dezasseis patrulhas-auxiliares, um navio-escola de artilharia e um navio-escola de torpedos, além de um navio-hospital e vários outros navios de transporte e rebocadores. Aquela obra identifica e caracteriza cada um destes navios, sendo especialmente interessante, para nós, as referências feitas à canhoneira “Pátria” (1903-1931) e à lancha-canhoneira “Macau” (1909-1943), ambas colocadas ao serviço deste território.
Descrição do percurso da Canhoneira “Pátria”, que permaneceu em Macau e noutras partes do Extremo Oriente de Janeiro de 1909 a 4 de Março de 1931, quando foi vendida e desactivada.
“Construída, de aço, no Arsenal de Marinha de Lisboa, sob a direcção do engenheiro francês Cronneau, que chefiava aquele arsenal, foi o terceiro navio de construção metálica ali construído. O assentamento da quilha verificou-se no dia 5 de Novembro de 1901 e o lançamento à água em 27 de Junho de 1903, tendo a cerimónia da benção do navio ocorrido na véspera. Custou 230.417$736 e foi paga com parte da quantia obtida pela subscrição efectuada, em 1890, entre os Portugueses residentes no Brasil.
Eis as suas características principais: Comprimento entre perpendiculares – 60,00 metros; Boca – 8,40 metros; Calado máximo – 2,57 metros; Deslocamento – 636 toneladas.
O aparelho propulsor era constituído por duas máquinas alternativas de vapor de tríplice expansão, verticais, com a potência total de 1.890 cavalos indicados que nas experiências lhe imprimiram a velocidade de 16,7 nós. Tinha duas caldeiras arquitubulares e dois hélices. Os paióis de carvão tinham capacidade para 210 toneladas que permitiam uma autonomia de 1.300 milhas à velocidade máxima. O armamento compunha-se de quatro peças de artilharia Schneider - Canet de 100 mm/45 calibres, 6 peças Hotchkiss de 47 mm/40 calibres e uma metralhadora Hotchkiss de 6,5 mm, instalada na gávea da mastro militar. Dispunha de dois projectores de 75 amperes com 60 cm de diâmetro.
Uma portaria datada de 9 de Julho de 1903 aprovou a lotação de 160 homens, incluindo 12 oficiais. No dia 10 de Agosto de 1903 navegou pela primeira vez no Tejo, iniciando as experiências. Em 9 de Julho de 1904 passou ao estado de completo armamento, tendo assumido o comando o capitão-tenente António Alfredo da Silva Ribeiro. Em 19 de Janeiro de 1905 zarpou para Angola para servir na Divisão Naval do Atlântico Sul.
Depois de ter recebido munições de artilharia de 100 mm do cruzador ‘Rainha Dona Amélia’, que estava em Angola, a ‘Pátria’, em 29 de Julho de 1905, largou de Luanda para o Brasil para ser mostrada aos Portugueses que tinham pago a sua construção. Escalou Funchal, S. Vicente de Cabo Verde, Freetown e Kotonou. Partindo deste porto, os oficiais do navio foram visitar o enclave Português de S. João Baptista de Ajudá, escalando o navio seguidamente Lagos, na Nigéria, S. Tomé, Príncipe, Luanda, Ilha da Ascenção e Recife que foi o primeiro porto brasileiro visitado, onde teve uma recepção extremamente calorosa, que aliás se repetiu em todos os portos do Brasil, culminando em apoteose no Rio de Janeiro.
Em Agosto de 1908 efectuou uma curta comissão a Málaga e em Setembro uma outra aos Açores em que visitou Horta e Ponta Delgada. Em 7 de Outubro do mesmo ano foi enviada para uma longa missão de soberania em águas do Extremo Oriente, tendo chegado a Macau em 8 de Janeiro de 1909.
Por lá permaneceu durante vinte e cinco anos consecutivos, mas com maior permanência nas águas de Macau. Visitou numerosas vezes os portos chineses de Cantão, Xangai e outros e a colónia britânica de Hong Kong onde foi mais de cinco dezenas de vezes para se reabastecer de carvão e para ser submetida a fabricos. Teve uma actividade incessante e prestimosa de que se destacaram as acções contra os piratas que infestavam a região de Macau.
Em Janeiro de 1912 foi enviada a Timor para dominar uma rebelião de indígenas. Bombardeou o enclave de Ocussi com as Hotchkiss de 47 mm e desembarcou uma força apoiada pelo fogo das peças de artilharia principal (100mm). Estando a ordem aparentemente restabelecida, a canhoneira retirou no dia 1 de Abril deixando alguns homens da guarnição desembarcados. Porém, foi obrigada a voltar no dia 18 de Abril devido à instabilidade da situação.
Em fins de Julho de 1915, tendo havido grandes inundações na região chinesa de Shiu-Hing, a ‘Pátria’ deu assistência às populações para as quais transportou cerca de cinquenta toneladas de alimentos. Em 28 de Setembro de 1920 foi enviada a Cantão para proteger a colónia Portuguesa ali residente cuja segurança perigava devido a uma revolta militar.
Em 30 de Abril de 1922 zarpou para o Japão, tendo chegado a Nagasaqui e Moji depois de ter escalado vários portos do extremo-oriente. Em 2 de Setembro de 1924 foi enviada a Xangai para proteger os Portugueses que ali residiam, bem como os seus haveres, que se encontravam em perigo por motivo da guerra civil que tinha deflagrado no mês anterior. Foi desembarcada uma força militar comandada por um segundo-tenente.
Em 4 de Maio de 1926 largou para o mar à procura de dois aviadores espanhóis cujo paradeiro era desconhecido, depois de terem voado de Manila rumo a Macau. No dia seguinte a ‘Pátria’ encontrou um navio chinês que tinha salvo os aviadores, os quais passaram para bordo da canhoneira que os conduziu a Macau. Em 24 de Julho de 1930, ao fugir de um tufão que assolava Macau, encalhou em fundo de lodo mas conseguiu desencalhar pelos próprios meios.
Em 1931 teve lugar o desarmamento da ‘Pátria’. Perante a guarnição formada, com o navio surto diante da cidade de Macau, o comandante, capitão-tenente João António Correia Pereira, falou à sua guarnição. E ao pôr-do-sol de 4 de Março de 1931, a bandeira nacional, o jack e a flâmula foram arriados, pela última vez, a bordo da canhoneira ‘Pátria’ que prestara serviço durante vinte e oito anos. Foi comprada, por cinquenta mil patacas, por um cidadão chinês que a vendeu ao Governo da China que a modernizou e a rearmou. Rebaptizada ‘Fu Yu’, passou a pertencer à marinha de guerra da China.”
Nota: texto elaborado a partir do livro “Navios da Armada Portuguesa na Grande Guerra”, publicado pela Academia de Marinha, da autoria do Comandante José Ferreira dos Santos, investigador histórico-naval.
O meu avô viajou na Pátria na viagem de 1927 rumo a Macau. Alguém tem algum familiar que tenha viajado la? O meu avô era o primeiro sargento da marinha António Faria.
ResponderEliminarTenho algumas fotos da viagem!!
ResponderEliminarCaro António, se entender por bem partilhar, envie para macauantigo@gmail.com Cumps João Botas
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