António de Albuquerque Coelho (AAC) ocupou diversos cargos importantes no Império Colonial português, tendo sido Governador de Macau e depois de Timor. Tendo em conta a época, séc. XVII, o seu nome ficaria ainda mais conhecido na história pelo facto do seu subordinado, Capitão João Tavares de Velez Guerreiro, ter escrito um pequeno livro onde descreve a viagem que ambos fizeram desde Goa até Macau. Durou exactamente um ano: de 30 de Maio de 1717 a 29 de Maio de 1718.O livro - “Jornada, que Antonio de Albuquerque Coelho, Governador e Capitão General da Cidade do Nome de Deos de Macao na China, fez de Goa até chegar à dita cidade no anno de 1718” - viria a ter três edições. A de 1905 inclui um prefácio de João Feliciano Marques Pereira, em homenagem a seu pai, António Feliciano Marques Pereira que desempenhara funções administrativas e diplomáticas em Macau e noutras partes do Oriente.
AAC nasceu no Brasil no seio de uma respeitável família, embora filho ilegítimo e mestiço. Seu pai, nascido em 1655, foi nomeado Capitão-mor do Pará em 1688, alcaide-mor de Sines, Governador da Beira Baixa e mais tarde Governador de Olivença, Governador-Geral do Rio de Janeiro (1709) e depois Governador de S. Paulo; Governador de Angola em 1722, vindo a falecer em Luanda três anos depois.
AAC foi mandado para a Metrópole ainda jovem e em 1700 foi nomeado fidalgo cavaleiro da Casa Real. Em 1719 consegue o título de Cavaleiro. Embarcou com um tio para a Índia a 25 de Março de 1700 na nau S. Pedro Gonçalves. Ocupou os postos de Tenente de mar e guerra e Capitão de Infantaria do Terço do Estado. Em 1708, embarcou como Capitão de Infantaria da guarnição da fragata Nossa Senhora das Neves, que partiu para Macau, onde chegou a 23 de Agosto do mesmo ano, quase destruída, sem mastros e sem leme; ali ficou para ser concertada, o que durou cerca de dois anos. Na mesma fragata vinham o tenente Dom Henrique de Noronha e Francisco Xavier Doutel, que pouco depois seriam grandes inimigos de Albuquerque Coelho.
AAC foi mandado para a Metrópole ainda jovem e em 1700 foi nomeado fidalgo cavaleiro da Casa Real. Em 1719 consegue o título de Cavaleiro. Embarcou com um tio para a Índia a 25 de Março de 1700 na nau S. Pedro Gonçalves. Ocupou os postos de Tenente de mar e guerra e Capitão de Infantaria do Terço do Estado. Em 1708, embarcou como Capitão de Infantaria da guarnição da fragata Nossa Senhora das Neves, que partiu para Macau, onde chegou a 23 de Agosto do mesmo ano, quase destruída, sem mastros e sem leme; ali ficou para ser concertada, o que durou cerca de dois anos. Na mesma fragata vinham o tenente Dom Henrique de Noronha e Francisco Xavier Doutel, que pouco depois seriam grandes inimigos de Albuquerque Coelho.
Aconteceu então um episódio que marcou profundamente a vida dele. Deitou ele os olhos para uma menina de 9 anos, órfã de pai e de mãe, chamada Maria de Moura, ao cuidado de sua avó, Maria de Vasconcelos, viúva de Manuel Rombo de Carvalho. Era filha do falecido Francisco de Moura Bastos e de uma filha da referida Maria de Vasconcelos. Com aquela idade, não era certamente a beleza o que o seduzia, mas sim os bens da criança, que eram avultados. A avó era totalmente contrária a tal casamento, dizendo que o testamento de seu falecido genro determinara que ela ficaria a seu cargo até aos 12 anos; certamente, também não lhe agradava vê-la casada com um mestiço.
Problema ainda maior era que o Tenente Dom Henrique de Noronha também pretendia a mão da menina. O pequeno círculo dos portugueses de Macau (não mais certamente de umas 3 ou 4 mil pessoas), dividiu-se pelos dois partidos. António de Albuquerque Coelho tinha a seu favor o Bispo, D. João de Casal, tutor da menina, João Garcia Álvarez, alguns padres da Companhia de Jesus e alguns oficiais e marinheiros da fragata; mais tarde também o Governador Diogo de Pinho Teixeira. Por Dom Henrique de Noronha alinhavam o tio dela por afinidade, Francisco Leite Pereira, casado com uma irmã da mãe defunta, Francisco Xavier Doutel casado com Francisca Pereira, irmã do mesmo Francisco e a família da menina, em geral; e ainda o Juiz dos Órfãos, Manuel Vicente Rosa e o ouvidor João Carneiro Zuzarte. Dom Henrique de Noronha vivia em casa de Francisco Leite Pereira.
Valeu-se Albuquerque da protecção do Bispo e conseguiu que a questão do casamento passasse para o foro eclesiástico. Foi assim que pôde tirar a menina de casa dela e colocá-la em casa de pessoa amiga. Na data em que isso aconteceu, em 30 de Junho de 1709, realizou logo os esponsais (promessa de casamento) na Igreja de Santo António. Mas teria ainda de sofrer mais para conseguir realizar o seu intento.
A 2 de Agosto de 1709, quando ia a cavalo, António de Albuquerque Coelho foi alvejado com um tiro de bacamarte disparado por um cafre, que não lhe acertou. Logo a seguir, Dom Henrique de Noronha disparou de uma janela contra ele, ferindo-o num braço; correu ele a recolher-se no Convento de S. Francisco e ainda dispararam contra ele outro tiro que não lhe acertou. Foi curado pelo Cirurgião da fragata que desvalorizou o ferimento. Mas, ao ser visto, passados 16 dias, por um Cirurgião de um navio inglês, este disse que o braço estava gangrenado e tinha de ser cortado. Ainda antes de permitir que se efectuasse a cirurgia, Albuquerque mandou perguntar a Maria de Moura, se aceitaria casar com ele, tendo um braço a menos. A menina mandou-lhe dizer “que ainda que lhe faltassem ambas as pernas, ficando ele com vida, queria casar com ele”. Girava então em Macau uma cantiga que dizia:
“Não é tão, não tão parecida Maria que pelo seu dinheiro arma tanta briga.”
Para fugir à prisão, Dom Henrique de Noronha refugiou-se em casa do Patriarca de Antioquia, Embaixador Papal, (de que falaremos a seguir), onde gozava de imunidade. Mais tarde, em 18 de Fevereiro de 1711 (já o Patriarca tinha falecido) foi enviado prisioneiro para Goa a bordo do navio Sta. Ana.O casamento foi celebrado a 22 de Agosto de 1710; assistiu a tripulação da fragata, para protecção, bem necessária, pois Francisco Leite Pereira, pensando que o casamento seria celebrado na Igreja de Santo António, para ali foi esperar o noivo a fim de o matar.Albuquerque deverá ter abandonado o serviço público naqueles anos, passando a viver dos rendimentos. Foi nomeado Vereador do Leal Senado, presidindo à mesa da Vereação no ano de 1712. As suas relações com a família da noiva amaciaram um pouco e em 1713, contribuiu com duzentos pardais para o tio mais novo da esposa, Francisco Rombo de Carvalho, que então foi ordenado sacerdote. De sua mulher teve uma filha em 1712, que morreu ao fim de 7 dias. Em 20 de Julho de 1714, deu ela à luz um filho, que foi baptizado a 27 do mesmo mês; mas logo a 31, faleceu, das sequelas do parto.
(Nota do autor do blog Macau Antigo: Entre as pessoas sepultadas na igreja de Santa Agostinho conta-se Maria de Moura, uma heroína romântica que em 1710 casou com o capitão António Albuquerque Coelho, apesar de este ter perdido um braço quando foi atacado por um pretendente de Maria, mal sucedido. Ela morreu de parto e jaz com a criança e o braço do marido.)
Não foi fácil a vida de António de Albuquerque Coelho em Macau; podemos concluir de vários episódios da sua vida, que tinha um feitio bastante conflituoso e que criava inimigos com facilidade. Entre os seus adversários, merecem realce as relações com Manuel Vicente Rosa. A 22 de Setembro de 1714, escreve uma reclamação contra ele, que então era Ouvidor, em que diz “é seu inimigo declarado já de cinco anos a esta parte” (Paulo Miguel Pinto, Percorrendo o Oriente). Mas quando tinha sido Juiz Ordinário (1712-1713), Albuquerque Coelho tinha mandado prender Vicente Rosa por se ter recusado a pagar certas dívidas de um cunhado que falecera e de cujos filhos era tutor. As dívidas foram depois pagas e Vicente Rosa libertado, mas a raiva mútua aumentou.
Manuel Vicente Rosa e os seus partidários queixavam-se para Goa ao Vice-Rei, D. Vasco Fernandes César de Menezes, que a certa altura as transmitiu para Lisboa (10-1-1715) e mandou que Albuquerque viesse para Goa a fim de se averiguarem as suas culpas. Mas ele não partiu, porque entretanto Manuel Vicente Rosa ordenou a sua prisão. Da cadeia, escreveu a 3 de Outubro de 1714 uma carta ao Senado e dez dias mais tarde, ainda preso, uma outra carta à Câmara da Cidade. Alegava ele que o Juiz Ordinário da cidade não tinha jurisdição sobre os Vereadores do Senado, que cabia à Relação de Goa. A Câmara deu-lhe razão e ele foi solto.
Deverá ter ido para Goa no final de 1714 ou princípio de 1715, depois de vender os seus bens; não levou consigo o seu filho bebé, tendo-o depois o Vice-Rei autorizado a ir buscá-lo
Pouco antes de embarcar para a Metrópole, findo o seu mandado, escreveu o Vice-Rei:”António de Albuquerque Coelho fica já com o seu domicílio nesta cidade e com isso evitadas as perturbações de que se queixavam os moradores de Macau, mas como seja neles natural a sua insaciedade, entendo fará pouco efeito a ausência do mesmo António de Albuquerque que, pelo sossego com que vive, me parece eram mais encarecidas as queixas dos macaenses”. (Paulo Miguel Pinto, ob. citada). Como Vereador do Senado, Albuquerque participou nas decisões colegiais tomadas no seu mandato, parecendo tê-lo feito com competência, embora não conste que tenha realizado actos heróicos.
Um acontecimento de importância foi a questão da compatibilidade de certos ritos chineses com a religião católica, nomeadamente a designação em chinês de Deus, as honras prestadas ao filósofo Confúcio e os ritos com que eram honrados os defuntos. Os Jesuítas começaram por ser muito tolerantes, nomeadamente o Padre Matteo Ricci (1552-1610), mas já outras Ordens, como os Franciscanos e os Dominicanos, eram muito mais rigorosos e reticentes, classificando aqueles ritos como superstições.
A certa altura o Papa Clemente XI decidiu enviar à China como Legado a latere um jovem Fidalgo, Charles-Thomas Maillard De Tournon (1668-1710), que nomeou Patriarca de Antioquia e depois promoveu a Cardeal. Possivelmente de saúde frágil, ao fim de muitos conflitos, o Prelado acabou por falecer em 1710, sem nada ter resolvido. Há muitas dezenas de livros sobre o assunto, alguns dos quais indico na bibliografia, e seria muito longo expor aqui todas as disputas. Constata-se nesta época que todas as relações da Europa com a China, seja de natureza religiosa (missionários) como comercial, tinham como ponto de passagem obrigatória a cidade de Macau, embora o domínio português fosse, já naquela altura, mais aparente do que real.
Jornada que Antonio de Albuquerque Coelho, Governador e Capitão General da Cidade do Nome de Deos de Macao na China fez de Goa até chegar à dita cidade no anno de 1718, Lisboa Occidental, 1732 |
Governador de Macau
Em Maio de 1717, o Arcebispo Primaz de Goa, D. Sebastião de Andrade Pessanha, substituto legal do Vice-Rei, Vasco Fernandes César de Menezes, que partira para o Reino, nomeou António de Albuquerque Coelho Governador de Macau. Quis este embarcar no único navio que estava para partir; mas o capitão deste era o seu inimigo Francisco Xavier Doutel, que levantou vela e se fez ao mar na noite de 22 de Maio, sem o avisar e em segredo. Sem meio de transporte, decidiu Albuquerque partir a pé com a sua comitiva até à outra costa da Índia, onde pensava encontrar um barco. Na comitiva, o Capitão João Tavares de Velez Guerreiro, que mais tarde descreveu a viagem, o Ajudante Inácio Lobo de Menezes, mais dois portugueses, João Nunes e Pascoal Ribeiro, cinco cafres cativos e dois clarins.
Poupo a descrição da viagem, bem contada com todos os detalhes pelo Capitão, sendo pena só que não haja uma edição recente. Na sua tese, Paulo Miguel Martins faz um bom resumo de 17 páginas no livro tirado da sua tese.
Chegaram a S. Tomé de Meliapor, então ocupada pelos Portugueses a 16 de Julho. Uma velocidade razoável, pois a distância percorrida fora de cerca de 2 600 km. Não conseguindo encontrar um navio que os levasse, Albuquerque tratou de comprar um, iniciando a viagem a 5 de Agosto. Em Malaca, teve o percalço de lhe fugir o piloto, tendo de prosseguir dirigindo ele mesmo o barco. Ao fim de dois meses, arribou a Johor (no sul da Malásia) para invernar. Teve um papel activo na pacificação do Reino, onde pululavam lutas internas. Em Março de 1718, foi-lhe doado um terreno para a construção de uma Igreja; prosseguiu a viagem em 18 de Abril. Todos adoeceram a bordo incluindo o próprio Albuquerque. Muito doente com béri-béri, foi obrigado a desembarcar na ilha de São João (Shangchuan). Fora nesta ilha, hoje distante 270 km. por estrada de Macau, que havia falecido S. Francisco Xavier em 1552. Os chineses trataram-no bem e levaram-no depois num dos seus barcos a Macau, onde chegou a 29 de Maio.
Tomou posse do cargo no dia seguinte, 30 de Maio de 1718. Nessa altura já em Goa se encontrava um novo Vice-Rei, D. Luis de Menezes, 5.º conde da Ericeira e 1.º Marquês do Louriçal (o qual não tinha ainda 30 anos), que lhe escreveu uma carta datada de 6 de Maio confirmando-o no cargo, mas lembrando-lhe também os conflitos do passado e advertindo-o para que não exercesse vinganças sobre Francisco Leite Pereira e Xavier Doutel. Aparentemente, Albuquerque assim fez, pois não há notícia de conflitos nesta altura com estes personagens.
O governo de Albuquerque Coelho decorreu até a contento dos moradores de Macau, mas foi bastante curto, pois terminou a 9 de Setembro de 1719. Foi o caso que o Vice-Rei recebera indicação da Corte de Lisboa para um novo Governador, António da Silva Tello de Menezes. É o que consta de uma carta dirigida pelo Vice-Rei ao Padre João Mourão da Companhia de Jesus em 21 de Abril de 1720. Albuquerque Coelho tinha sido prejudicado por o seu antecessor D. Francisco de Alarcão ter ficado um ano a mais no posto e ainda por ter gasto um outro ano na viagem de Goa para Macau. Ficou em Macau até 18 de Janeiro de 1720, data em que embarcou para Goa na fragata Nossa Senhora das Brotas, que chegou a Goa a 20 de Maio seguinte.
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