sábado, 21 de dezembro de 2024

Receita do séc. 19 de um doce típico do Natal macaense

O Aluá/Alua/aluar é um doce típico da época do Natal macaense, cuja consistência diz-se que faz lembrar o colchão do menino Jesus. De origem árabe, foi levado para Macau por via da Índia. Os ingredientes incluem farinha, manteiga, leite, amêndoas e pinhões, açúcar-cristal e leite de coco. Isto no século 21.
De uma edição de 1899 do "Ta-ssi-Yang-Kuo: Archivos e Annaes do Extremo Oriente Portuguez", ed. J. F. Marques Pereira, reproduzo uma receita do século 19:
"Tomam-se 3 kilos de farinha d'esse arroz (pulu), que se lava e se deixa assentar até ao dia seguinte, em que se deita fora a agua que ficou por cima. Tomam-se mais 5 cocos grandes; pisa-se o seu miolo, o qual se escalda com sufliciente quantidade de agua a ferver. Guarda-se esta infusão e o bagaço do coco á parte. Tomam-se mais: Assucar 1 kilo 1/2; Amêndoas doces e nozes q. b. Mistura-se tudo com a farinha e com a agua e bagaço do côco e colloque-se sobre o lume n'uma bacia de arame. Vae-se cozendo de vagar, mechendo-se sempre com uma colher de pau (...) acrescentando-se, pouco a pouco, 1 kilo do banha ou de manteiga de vacca, sem sal. Quando a banha não resudar mais da massa, está cosida esta; e vasa-se logo para uma meza de pedra ou de mármore untada de manteiga de vacca; e, com o rolo, também bem untado, da-se-lhe uma espessura egual, cortando-se, quando estiver fria, em quadrados ou em feitios que se desejar."
O Alua fabricado pela empresa Kam In actualmente em Macau

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

"Macau é uma pérola brilhante"

Nas celebrações do 25º aniversário da transferência (1999-2024) de soberania de Macau de Portugal para a China o presidente da China destacou o papel crucial e os contributos ímpares de Macau para a China ao longo da história.
Excertos do discurso de Xi Jinping:
"(...) Macau é uma pérola brilhante nas ondas azuis do Mar do Sul da China e uma parte preciosa da grande pátria mãe. O primeiro grupo de estudantes chineses, que prosseguiu os seus estudos no estrangeiro, partiu daqui para o mundo. Muitos clássicos chineses foram traduzidos e introduzidos no Ocidente a partir daqui. Grande parte da ciência, tecnologia e cultura modernas ocidentais foram introduzidas no continente chinês através de Macau. Ao longo de diferentes períodos históricos, Macau desempenhou um papel importante e deu contributos únicos. (...)
Macau precisa também de aproveitar as suas vantagens culturais, caracterizadas pela mistura das culturas chinesa e ocidental, para promover o intercâmbio internacional entre povos, contar bem a história de Macau e da China e criar uma janela chave para o intercâmbio e a aprendizagem mútua entre chineses e ocidentais.(...)
Largo do Senado, Dezembro 2024. Foto CGTN

Chinese President Xi Jinping delivered a speech at a meeting celebrating the 25th anniversary of Macao's return to the motherland (20th December 1999) and the inaugural ceremony of the sixth-term government of the Macao Special Administrative Region. In his speech, Xi emphasized the Macau's key role and unique contributions in various historical periods.
"(...) Macao is a shining pearl on the blue waves of the South China Sea, and a treasured part of the great motherland. The first group of Chinese students, who pursued their studies abroad, set out to the world from here. Many Chinese classics were translated and introduced to the West from here. Much of Western modern science, technologies, and culture were introduced to the Chinese mainland through Macao. Throughout different historical periods, Macao has played an important role and made unique contributions." (...)
Macao also needs to leverage its cultural advantages featuring the blend of the Chinese and Western cultures to promote international people-to-people exchanges, tell the story of Macao and China well, and create a key window for exchanges and mutual learning between Chinese and Western civilizations. (...)"

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

The healthiest residence in Southeast Asia

Macao, pronounced Macow, a seaport and Portuguese settlement, China, prov. Quang tong, irregularly built on a high peninsula that terminates the island of Macao to the S and joined to it by a narrow isthmus N from the town. lat 22 10 30 N long 113 32 E.
It occupies a slope gradually descending to the sea backed by a range of lofty hills and having an extensive campo or plain stretching E.
It is nearly surrounded with water and is open to the sea breezes on every side. The houses occupied by the foreign population are large roomy and open and the shops are numerous There are several R. Catholic churches, a senate house in the middle of the town and both a Portuguese and a Chinese custom house; several schools and a female orphan asylum. The quay, or 'Praya Grande', is commodious, forms a pleasant drive and is protected by a battery; several others wall stretching across the isthmus where a guard of Chinese crowning the adjacent heights.
Good water is abundant and the markets are well supplied with meat, poultry, fish, vegetables and fruits of various kinds. The harbour is formed between the peninsula on which the town stands and the large island Twee lien shan to the W; it is narrow at the entrance but has 20 and 21 ft at low water close to Fort St Jago*situated on the E point and from hence along the E shore to the town the depths continue nearly the same.
Macao is considered the healthiest residence in SE Asia. Near it, in a beautiful garden is the grave** of the Portuguese poet Camoens who here composed the Lusiad. The settlement is ruled by a governor aided by an elective senate composed of two judges and three aldermen who preside alternately for a month. The Chinese inhabitants are governed by magistrates of their own.
The settlement is about 8 miles in circuit and its limits landward are defined by a barrier wall stretching across the isthmus where a guard of Chinese is stationed to prevent foreigners from trespassing on the Inner Land.
The Portuguese settled at Macao about the year 1556 when the Emperor of China granted them permission to reside on a rock or peninsula by their stipulating to pay tribute or ground rent and duties on their merchandize a concession said to have been obtained in reward for their having cleared the coast of pirates who infested the mouth of the Canton river. Pop. of the peninsula or settlement nearly 30,000, mostly Chinese. 
in The Imperial Gazetteer: A General Dictionary of Geography, Physical, Political, Statistical  and Descriptive. Walter Graham Blackie, 1855.
* Forte de S. Tiago da Barra
** Gruta de Camões

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

25 anos sobre a transferência da administração

A 19 de Dezembro de 1999 encerrou-se o ciclo da administração portuguesa na história de Macau, um ciclo com cerca de cinco séculos de duração.

Discurso do Presidente da República de Portugal, Jorge Sampaio na Cerimónia de Transferência da Administração de Macau a 19 de Dezembro 1999:

A cerimónia que aqui nos reúne constitui um momento essencial e único da História de Macau. Para Portugal não se trata, apenas, de realizar, de forma solene, a transferência para a República Popular da China do exercício da soberania sobre Macau, mas de com essa transferência reafirmar, perante a comunidade internacional, aqui tão largamente representada, o seu empenho solidário no futuro do território, no quadro do estatuto de autonomia garantido pela Declaração Conjunta Luso-Chinesa.
E se é importante para as relações entre Portugal e a China que Macau tenha sido um lugar privilegiado de encontro entra as suas culturas e as suas gentes, o acordo a que os dois Estados chegaram sobre o estatuto do território representa uma forma sensata e pacífica de prosseguirem uma nova etapa no seu relacionamento velho de séculos, mudando o que era exigido pelas novas realidades dos dois países e mantendo o que faz de Macau uma realidade singular.
Aqui, onde de um modo tão evidente conviveram culturas e interesses diferenciados, que determinaram uma maneira de viver própria e insubstituível, vai ficar instituída a Região Administrativa Especial de Macau.
Nesse quadro, o território gozará de um alto grau de autonomia, expresso em instituições próprias de poder legislativo e executivo, e de um poder judicial, servido por tribunais independentes, que julgarão, em primeira e última instância, as questões que digam respeito, exclusivamente, a Macau e aos seus habitantes.
Foi este estatuto político-administrativo, fundado no primado da Lei, e em que serão as gentes de Macau quem governará a sua terra, de forma livre e democrática, que a China e Portugal sufragaram na Declaração Conjunta de 1987; com o compromisso firme de que os habitantes do território continuarão a gozar dos direitos, liberdades e garantias, que são património da sua maneira de viver e fizeram a singularidade e a prosperidade desta terra.
Mas se a Declaração Conjunta se revelou o modo adequado de prefigurar o destino de Macau, ela foi também, e continuará a ser, um momento privilegiado de excepcional atenção da comunidade internacional sobre este pequeno território e sobre a realidade única que a História aqui proporcionou.
É essa realidade que, com igual fisionomia, passará para o próximo século, sob a bandeira da República Popular de China, em estatuto de respeitosa convivência entre modelos sociais, que a fórmula "um país dois sistemas" veio expressar sem reticências.
É perante essa comunidade internacional que Macau aparece com os instrumentos da modernidade e do progresso, e em legítima parceria com todos os que sufragaram os mais exigentes compromissos de promoção e de tutela dos direitos do homem, de que é justo realçar o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
É com esta cidadania universal de valores e de direitos que Macau se manterá no encontro entre a Europa e a Ásia. Com isso, continuará Macau a vocação secular de mediador na encruzilhada de gentes, civilizações e interesses, e, por essa via, a reforçar a sua identidade própria. Foi para a preservação da identidade de Macau, herdeira de uma História feita em comum por Portugueses e Chineses, que a China e Portugal estabeleceram laboriosa cooperação, nos últimos doze anos. Nesse cumprimento da Declaração Conjunta, fortaleceu-se a relação entre Portugal e a China e emergiu, com maior nitidez, Macau e o estatuto de autonomia que lhe é garantido. Para todos os que contribuíram para este sucesso, uma palavra de muito apreço e reconhecimento.
Minhas senhoras e meus senhores,
Numa sociedade internacional em que a todos importa o destino de cada um, Portugal continuará solidário com Macau, empenhado no seu futuro, e certo de que, também aqui, a democracia e a liberdade são realidade insubstituível e penhor da paz e do progresso para todos os povos."

A partir de 20 de Dezembro é inaugurada ma nova área expositiva permanente do Museu do CCCM em Lisboa – a Galeria dos Governadores de Macau - e abre ao público uma exposição de fotografias de Rui Ochoa intitulada "Macau: os últimos dias da Administração Portuguesa de Macau", dois projectos promovidos e financiados pela FJA.
Gov. Rocha Vieira a 19 .12.1999 no Palácio do Governo

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Veduta di Macao nella China

"Veduta di Macao nella China" / "Vista deMacau na China" é a legenda desta ilustração incluída na tradução para italiano (Vol. 2 de um total de 4) por Angelo Petracci do relato da viagem de Jean Francois de Galaup, conde de La Pérouse efectuada entre 1785 e 1789: "Viaggio di La Pérouse intorno al mondo tradotto dal cav. Angelo Petracchi, con note del medesimo e con tavole in rame colorate", publicado em 1815 em Itália.
Giuseppe Dall'Acqua (1760-1829) é o autor da gravura a cores feita a partir de uma outra gravura feita por Masquelier e incluída no "Atlas du Voyage de la Perouse", o primeiro relato da viagem publicado em 1797. Ambas as gravuras tiveram por base um desenho original de Gaspard Duché de Vancy, ilustrador oficial da expedição de La Pérouse que passou por Macau entre Janeiro e Fevereiro de 1787.
São muitas as diferenças entre as duas gravuras, nomeadamente em termos das figuras humanas representadas. A baía da Praia Grande é mostrada a partir da entrada da igreja e convento de S. Francisco. Ao fundo à esquerda está a colina e ermida da Penha. Do lado direito uma vista parcial da fortaleza do Monte. Junto ao real, do lado direito, o muro que cercava o convento de Santa Clara.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Entrada em circulação das notas de 5 patacas em 1924

 

Anúncio do BNU publicado no jornal A Pátria (Macau) em Dezembro de 1924 informando a entrada em circulação das notas de cinco patacas, emissão de 1 de Janeiro desse ano. Foram impressos em Londres 300 mil exemplares. O anúncio é assinado pelo gerente Manuel Monteiro Lopes (1922-1927) num ano marcado pelas fortes perdas de receitas na então colónia devido às restrições na exploração do exclusivo do ópio. 

Na frente o escudo das armas nacionais ao centro a indicação do valor e a legenda «Pagaveis em Macau em Moeda Corrente». Juncos à direita e um vapor à esquerda servem de ilustração. Assinaturas fac-simile de o Vice-Governador e O Governador. Data e restantes indicações na cor da moldura - verde.
No verso uma figuração simbólica de Mercúrio em medalhão circundado pela designação do Banco e ladeado pelo valor em número e por extenso, em português e chinês.
A nota de 5 Patacas foi encomendada à empresa Thomas de La Rue & Co. Lda. de Londres. Apesar de emitida para Macau, acabou por circular mais em Timor. Da emissão total de 300.000 notas, pelo menos 242 mil - muito mais de metade - foram remetidas para Timor (em 1932 e 1945), depois da aposição da sobrecarga “Pagável em Timor”, na frente e no verso da nota.
Outra curiosidade é o facto de ter sido uma nota que entrou em circulação muito tempo depois da emissão e ter sido muito usada durante o período da guerra, entre 1937-45, quando o conflito não permitiu que a nova emissão chegasse a Macau. Esta emissão acabaria por ser retirada de circulação apenas em 1948.

domingo, 15 de dezembro de 2024

Um leque por 2.500 dólares

Leque de meados do século 19 vendido num leilão nos EUA em 2011 por 2500 dólares
Fan from mid 19th century sold on an auction in 2011 at USA for 2.500 US dollar

Durante os séculos 18 e 19, Macau e Cantão destacaram-se como importantes fabricantes e grandes fornecedores de peças para o mercado europeu e americano ávidos da denominada chinoiserie.

During the 18th and 19th centuries, Macau and Guangzhou stood out as important manufacturers and major suppliers of pieces for the European and American market, eager for the so-called chinoiserie.

Mais info/More info:
Leque dobrável de dupla face com 28 cm, com uma vista da Praia Grande pintada à mão, bem como os painéis figurativos; incrustações em marfim e tecido, varetas em madeira lacada dourada e verde. 

Double sided folding hand fan (28 cm), with hand painted scene of Macau bay (Praia Grande), and painted figural panels with applied ivory faces and fabric robes, green lacquer pierced sticks with gilded decoration of flowers, trees and houses.

sábado, 14 de dezembro de 2024

Visita ao convento/mosteiro de S. Francisco em Dezembro de 1812

Diz o ditado que quem procura sempre alcança... Nas pesquisas que faço habitualmente aqui para o blogue há muito que sabia que o britânico James Wathen tinham feito dezenas de desenhos em Macau quando por ali passou em Dezembro de 1812. Acontece que apenas 4 desenhos foram publicados no livro que escreveu sobre essa viagem. Agora descobri um desses desenhos no espólio do Ashmolean Museum (Reino Unido).

Esta é a legenda de uma aguarela (18x25cm) datada de 1812 da autoria de James Wathen: "From the Entrance of the Franciscan Monastery at Macao / Looking to the Fort, the Nunnery & St. Paul's Church", ou seja, "Olhando para o Forte, o Convento e a Igreja de São Paulo da Entrada do Mosteiro Franciscano de Macau."

O mosteiro/convento de S. Francisco foi construído em Novembro de 1579 por iniciativa do frei Pedro de Alfaro (espanhol que foi das Filipinas para Macau nesse ano) como conta o frei Jacinto de Deos no livro "Descripção do Império da China" sobre "um pequeno monte na parte do oriente em respeito da cidade no começo de uma formosa praia cujas ondas de continuo ferem os muros que a cercam ficando o convento com a vista para o mar ao leste norte e meio dia e das muitas ilhas que por essas partes lançou a natureza e tambem do principal da cidade que fica ao occidente."
A localização da cruz numa litografia feita a partir de um desenho de James Wathen

Vejamos o que o próprio James Wathen escreveu sobre este local que chegou a visitar no interior fazendo uma descrição - testemunho raro - do que viu:

"After making many drawings of the surrounding scenery, I descended into the town, and went immediately to the Franciscan monastery. Mass was now celebrating in the church; I waited until it was over. The congregation was large and respectable. Several beautiful women, in their long black cloaks and hoods, walked, piously demure, with the reverend fathers from the church, discoursing in low whispers, and, “ever and anon,” hfting up their fine eyes in a seeming rapture of devotion!
When the congregation had retired, a reverend cordelier approached me, where I was sitting, on the steps of a handsome crdss, erected in front of the monastery, with my sketch-book and pencil in my hand; and, with gentle demeanour, asked me if I wished to see the interior of the building? He spoke but little English, yet sufficient to be understood. I answered in the affirmative, and thanked him for his civility and kindness. — We proceeded to the church, which was splendidly decorated with statues and paintings; many of them well executed. — The altar was most richly adorned continued in the same state as it was on the preceding day, the great festival of Christmas. — The crucifix was set with the most brilliant precious stones; and all the sacred vessels and utensils were of solid gold and silver. I was then successively led along to the cloister, refectory, the dormitory, and the ambulatory ; and saw several of the cells of the monks, who are about forty in number. The situation of this religious house is delightful, being on a rock near the sea, and surrounded with fine pleasure-grounds planted with elegant trees and odoriferous shrubs."

Tradução/Adaptação
"Depois de fazer muitos desenhos da paisagem circundante, desci à cidade e fui imediatamente ao mosteiro franciscano. Estava ser celebra uma missa na igreja; esperei até que acabasse. A congregação era grande e respeitável. Várias mulheres bonitas, em seus longos mantos pretos e capuzes, caminhavam, piedosamente recatadas, sussurravam com os reverendos padres da igreja e, “de vez em quando”, erguendo seus lindos olhos num aparente êxtase de devoção! Quando a congregação se retirou, um padre franciscano aproximou-se de mim, onde eu estava sentado, nos degraus de uma bela cruz, erguida em frente ao mosteiro, com meu caderno e lápis na mão; e, com atitude gentil, perguntou-me se eu queria ver o interior do edifício? Ele falava pouco inglês, mas o suficiente para ser compreendido. Respondi afirmativamente e agradeci-lhe a sua civilidade e bondade. — Seguimos para a igreja, que estava esplendidamente decorada com estátuas e pinturas; muitos delas bem executados. – O altar estava ricamente decorado e continuou no mesmo estado em que estava no dia anterior, a grande festa do Natal. — O crucifixo foi cravejado com as mais brilhantes pedras preciosas; e todos os vasos e utensílios sagrados eram de ouro maciço e prata. Fui então conduzido sucessivamente ao claustro, ao refeitório, ao dormitório e ao ambulatório; e vi várias celas dos monges, que são cerca de quarenta. A localização deste edifício religioso é encantadora, estando sobre uma rocha perto do mar e rodeada de belos terrenos plantados com árvores elegantes e arbustos odoríferos."

Comerciante, viajante e desenhador, James Wathen (1751-1828) tinha 61 anos quando fez esta viagem - uma boleia pode-se dizer... tendo partido de Portsmouth a 11 de Março de 1811 - com o seu amigo dos tempos de escola, o capitão James Pendergrass, comandante do navio Hope (à vela e com 3 convés - ver imagem abaixo), construído em 1797 para a EIC, a poderosa Companhia Inglesa das Índia Orientais, empresa privada que detinha por concessão real o exclusivo do comércio de Inglaterra com a Índia e a China. O Hope (Esperança) fez nove viagens aquelas paragens - esta foi a sétima - e seria desmantelado em 1816.
Wathen explica na introdução que não viajou com o intuito de lucrar em termos comerciais e que único objectivo que tinha em mente nesta "perigosa" viagem que "abraçou avidamente" foi a oportunidade rara de conhecer novas paragens "e ampliar sua colecção de desenhos". Rara porque não era fácil viajar num navio da EIC sem ter alguma relação com a empresa. O próprio explica que oi o próprio comandante que intercedeu junto do comité que dirigia a EIC, nomeadamente William Astell, a quem agradeceu a oportunidade. Aliás, o livro é dedicado ao comité de directores da EIC como se pode verificar no início da obra com a assinatura de James Wathen em Agosto de 1814.

Nota: Por volta de 1861/64 o convento de S. Francisco foi demolido para ali se construir um quartel que ficou com o mesmo nome e que ainda hoje existe (numa versão mais moderna) funcionado ali o Museu das Forças de Segurança de Macau.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

“O Vôo Audaz das Águias Portuguesas”

Na edição de 13 de Dezembro de 1924 - há 100 anos - a Empresa Cinematográfica Macaense anunciava no jornal "A Pátria" (Macau) a estreia no Star Theatre em Hong Kong de um documentário intitulado "O Vôo Audaz das Águias Portuguesas" que documentava a chegada a Macau em Junho desse ano dos aviadores, Major Brito Pais, Capitão-tenente Sarmento Beires e do mecânico Alferes Manuel Gouveia. Partiram de Vila Nova de Mil Fontes em Abril para pela primeira vez realizaram uma ligação aérea entre Portugal e Macau, um dos maiores feitos da aviação portuguesa.
Este ao foi assinalou-se o centenário do 'raid' e no blogue existem inúmeros artigos sobre o mesmo. Basta utilizar o campo de pesquisa. Em baixo mais um documento raro, publicado em Portugal, que inclui no verso a "chronometragem" e o mapa com a rota percorrida.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Guaches sobre seda de "casal de portugueses"

Estes dois guaches sobre seda foram feitos em Cantão ca. 1769. Pertenceram à colecção de Mottahedeh* e representam um casal de portugueses de Macau.
Na figura masculina os caracteres chineses significam: "Ele é um ocidental de pele branca. Não tem barba espessa, mas tranças no cabelo. Usa chapéu preto triangular, jaqueta curta, sapatos de couro e meias compridas. Após cerca de sete meses, deixará Kuangtung (Cantão) por via marítima**. Actualmente reside no distrito de Aomen (Macau)"
Já a legenda em chinês sobre a figura feminina refere: "Esta mulher vem do país dos grandes mares ocidentais (Portugal). Tem cabelos cacheados presos em um coque. Ouro, pérolas e jóias pendem do seu colarinho. Usa uma túnica e saia de brocado e coloca um xaile nas costas".

Nota: A figura masculina surge publicada no vol. 1 (p.24) do livro de 1978 "China for the West: Chinese Porcelain & other Decorative Arts for Export illustrated from the Mottahedeh Collection,* de David Howard e John Ayers, Sotheby Parke Bernet.

*Mildred Ruth Mottahedeh (1908-2000) empresária, filantropista e coleccionadora de cerâmica; juntamente com o marido junto mais de duas mil pecas de cerâmica chinesa de exportação, uma das maiores colecções do género no mundo. Durante muitos anos um dos negócios foi a reprodução dessas peças por fábricas conceituadas como a Vista Alegre (Portugal) considerada por Mildred como uma das melhores.

** Referência ao facto dos comerciantes estrangeiros apenas poderem estar em Cantão alguns meses por ano para fazer negócios, sendo o resto do tempo passado em Macau.
Curiosidade: figuras muito semelhantes mas com outras legendas em chinês existem também em versões de guache sobre papel. (imagem acima) Num livro que faz parte do espólio dos arquivos de França feito para o imperador chinês e que representa os estrangeiros na China surgem figuras idênticas cuja legenda original em chinês é 册上的葡萄牙人, o equivalente a "figura de um português".

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

"Um belo automóvel" em 1924

Há 100 anos "pelo módico preço de 1.850" patacas vendia-se "um belo automóvel Gray touring-car, completamente novo" e modelo desse ano de 1924. O anúncio foi publicado em Dezembro desse ano no jornal A Pátria em Macau. O carro produzido em Detroit, Michigan (EUA) entre 1922 e 1926  - pode ser visto na imagem abaixo - concorria no mercado com o popular T Model da Ford. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Carte des isles qui sont à l'entrée de la rivière de Canton

"Carte des isles qui sont à l'entrée de la rivière de Canton dressée sur les lieux par le P. Dolcé de la Comp[agnie] de Jésus" é o título deste mapa de 1698 que faz parte do espólio dos Arquivos Nacionais de França.
Desenhado no local pelo padre deve ter sido enviado um esboço e reproduzido posteriormente em França resultando desse trabalho este exemplar. 
Apesar da referência a Dolcé deve tratar-se de Charles Dolzé, jesuita nascido em Metz em 1663 e ordenado padre em 1693, sendo um dos primeiros jesuítas francesas enviados à China chegando a Cantão em Novembro de 1698. Morreu ca. 1701 e está sepultado no cemitério Zhalan em Pequim, criado em 1611 por ordem especial do imperador para ali ser sepultado Matteo Ricci.
Existem outros mapas com o mesmo título produzidos nos séculos 18 e 19. Abaixo um exemplo de meados do século 18 da autoria de Jacques Nicolas Bellin.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

The summer residence of the merchants of Canton

Para este post seleccionei excertos da obra "A Visit to the South Seas, in the U.S. Ship Vincennes, During the Years 1829 and 1830", da autoria de Charles Samuel Stewart e publicada nos EUA em 1832.
O autor - capelão da marinha dos EUA - faz um relato breve de Macau - a estadia também foi de poucos dias - que descreve como "bem construída, limpa e bonita". Na época era "residência de verão dos mercadores de Cantão", cidade em que só podiam estar alguns meses do ano. Diz ainda ter visitado o Dr. Morrison, que já conhecera em Londres em 1826. Como locais de interesse que visitou menciona a gruta de Camões, um pequeno templo chinês, a "biblioteca e o museu da Companhia das Índias Orientais" e ainda "um aviário de esplêndidas aves pertencente ao Sr. Beal, residente inglês.
US Ship Vincennes - Chinese Sea January 25, 1830
Two days after the date of my last letter we came to anchor in the roads of Macao and after a few days in that place and a hasty visit to Canton are once more at sea on our passage to Manilla. 
Macao is a Portuguese city situated on a peninsula of a large island of the same name. It is a walled town well defended and contains a large population including Chinese residents and foreigners. The harbour is good for small vessels but ships of the class of the Vincennes can only lie in the open roads at a distance of two or three miles from the landing rendering the communication with the shore inconvenient and at times unpleasant.
It is the summer residence of the merchants of Canton and the only place where foreign ladies are permitted to land, of course gentlemen who have their families with them are under the necessity of living there.
Aware that Dr Morrison was an inhabitant of this place, I early renewed the acquaintance I had the pleasure of forming with him in London in 1826 and was most cordially received by Mrs Morrison and himself into their family. The privilege and happiness of enjoying the hospitality of such a house and the society of such friends especially in a land of strangers cannot be too highly appreciated and can never be forgotten. (...)
The town is well built cleanly and handsome and we spent our time very agreeably the few days that could be given to the enjoyment of its society. A principal object of interest and curiosity within the place is a grotto or rather niche in a rock in which Camoens is said to have completed the Lusaid. It is on the summit of a hill in the midst of a garden and grounds tastefully laid out and well kept commanding delightful views of the city and of its inner and outer harbours and might well be supposed a haunt of the muses.
I visited it twice once in company with Captain Finch and Lieutenant Magruder and a second time with Mr Hoyt. The library and museum of the East India Company, an aviary of splendid birds belonging to Mr Beal an English resident and a small Chinese temple were also visited by us with much gratification. The distance from Macao to Canton is about seventy miles. (...) 
Ilustração da Gruta de Camões no séc. 19
Imagem não incluída no livro referido

Tradução/Adaptação:
Navio dos EUA Vincennes - Mar da China, 25 de Janeiro de 1830
Dois dias depois da data da minha última carta ancoramos junto a Macau e depois de alguns dias naquele local e de uma visita apressada a Cantão estamos mais uma vez no mar rumo a a Manila.
Macau é uma cidade portuguesa situada na península de uma grande ilha com o mesmo nome. É uma cidade murada bem defendida e contém uma grande população, incluindo residentes chineses e estrangeiros. O porto é bom para embarcações pequenas, mas os navios da classe do Vincennes só podem ancorar a uma distância de duas ou três milhas do  local de desembarque, tornando a comunicação com a costa inconveniente e às vezes desagradável.
É a residência de verão dos mercadores de Cantão e o único lugar onde as senhoras estrangeiras podem desembarcar; é claro que os cavalheiros que têm suas famílias com eles precisam morar lá.
Ciente de que o Dr. Morrison era um habitante deste lugar, logo renovei o relacionamento que tive o prazer de formar com ele em Londres em 1826 e fui muito cordialmente recebido pela Sra. Morrison e por ele mesmo em sua família. O privilégio e a felicidade de desfrutar da hospitalidade de uma casa assim e da companhia de tais amigos, especialmente numa terra de estranhos, não pode deixar de ser apreciado e nunca pode ser esquecido. (...)
A cidade é bem construída, limpa e bonita e passamos o tempo de maneira muito agradável nos poucos dias que ali estivemos. O principal local de interesse e curiosidade do local é uma gruta, ou melhor, um nicho numa rocha onde se diz que Camões concluiu a escrita dos Lusíadas. Fica no topo de uma colina, no meio de um jardim e de um terreno bem decorado e bem cuidado, com vistas encantadoras da cidade e dos portos interior e exterior, e pode muito bem ser considerado um refúgio das musas.
Visitei-o duas vezes, uma vez na companhia do Capitão Finch e do Tenente Magruder e uma segunda vez com o Sr. Hoyt. A biblioteca e o museu da Companhia das Índias Orientais, um aviário de esplêndidas aves pertencente ao Sr. Beal, residente inglês, e um pequeno templo chinês também foram visitados por nós com muita satisfação. A distância de Macau a Cantão é de cerca de setenta milhas. (...)

domingo, 8 de dezembro de 2024

The Embassy of Captain Gonçalo de Siqueira de Souza to Japan in 1644-7

Publicado em 1938 pela tipografia Mercantil em Macau este livro - ilustrado com 8 estampas - é um dos primeiros trabalhos do conceituado historiador Charles Boxer. Com uma edição limitada de 500 exemplares conta com prefácio do bispo de Macau D. José da Costa Nunes.
O Capitão Gonçalo de Sequeira de Sousa foi o segundo embaixador português enviado por D. João IV ao Japão para tentar resolver o impedimento de atracagem das naus portuguesas nos portos japoneses, acusados de trazerem consigo missionários, prejudicando assim o comércio entre Macau e o Japão.
Capitão-de-mar-e-guerra, Gonçalo de Siqueira de Sousa era de origem reinól. Participou em 1614 numa armada para transporte de tropas espanholas de Cadiz para Manila, sob o comando de seu pai, Rui Gonçalves de Sequeira (que fora capitão das Molucas de 1598 a 1603). Na época Portugal estava sob domínio filipino. Após o falecimento de seu pai, em 1619, regressou a Portugal, e, como recompensa dos seus serviços, foi nomeado capitão do galeão Misericórdia, partindo de Lisboa para Goa, em 1621, onde não chegou devido a uma tempestade. A partir daqui, realizou várias viagens, sempre com o posto de capitão, o que lhe permitiu um profundo conhecimento dos mares, não só ocidentais como orientais. Em 1644, Gonçalo de Siqueira de Sousa foi nomeado embaixador ao Japão, uma embaixada sugerida dois anos antes pelo Pe. António Cardim, Procurador-Geral da Província Jesuítica do Japão, com o objectivo de tentar reabrir o comércio japonês, que acabara em 1639, com a expulsão dos Portugueses. Foi esta a primeira embaixada enviada a esse país por um país europeu, mas o Shogun (Xógum) Tokugawa Iemitsu continuou a recusar a abertura do comércio aos Portugueses.

Pero Vaz de Siqueira, fidalgo-cavaleiro natural de Macau, acompanhou seu pai nessa missão ao Japão (1644-47), tendo regressado com ele a Goa, em 1648. Após a morte de Gonçalo de Sousa, em 1649, terá regressado ao Reino. De 1657 a 1669 serviu na Armada do Estado da Índia, tendo tomado parte na reconquista de Coulão e na defesa de Cochim (em 1657 e 1663). No princípio da década de 1670 regressaria a Macau onde casou com Ana Maria de Noronha, pertencente a uma família proeminente da sociedade local e de comerciantes ricos.

sábado, 7 de dezembro de 2024

"Viagens do Capitaõ José Luiz do Rego à China"

Capitão com bastante experiência, José Luís do Rego nunca antes navegara rumo ao Oriente até que em 1820 - há 204 anos - um contrato fá-lo empreender uma viagem no bergantim Trocador, com destino a Macau. Quem custeou a viagem foram os "caixas do Real contracto do Tabaco e Saboarias", ou seja, as pessoas que naquela época tinham obtido o exclusivo dessa produção e comércio - tabaco e sabão - junto da monarquia. 
"Sahi de Lisboa em vinte e quatro de Janeiro de 1820 no Bergantim Trocador de que são Proprietarios os Ill. Srs Contractadores e Caixas do Real Contracto do Tabaco e Saboarias, Domingos Ferreira Pinto, Filhos, e Teixeira, da Cidade do Porto, os quaes me dérão as suas ordens para eu seguir a minha derrota d'aquelle Porto de Lisboa em direitura a Macáo."
No regresso de Macau o capitão José Luiz do Rego publica um pequeno livro de apenas 32 páginas - publicado no Porto em 1822 - dedicado ao Conde de Cêa (Ceia)*, onde relata a viagem de ida e volta - são sobretudo notas de navegação com muitas recomendações para quem viesse a fazer tal viagem no futuro - sem qualquer referência ao tempo que esteve em Macau e ao objectivo da viagem.
Importa referir que o tabaco era uma grande indústria na época em Portugal. Só depois de um regime de exclusividade o sector foi liberalizado surgindo no século 19 duas grandes empresas: a Companhia do Tabaco e Sabão da Boa Vista (Porto) e a Companhia da Fábrica de Tabacos de Xabregas (Lisboa) que se viriam a fundir formando a Companhia Nacional de Tabacos.
Voltando à viagem... José Luiz do Rego partiu de Lisboa no bergantim Trocador a 24 de Janeiro de 1820. Bergantim é uma embarcação do tipo da galé, de um a dois mastros e velas redondas ou vela latinas.
A viagem não podia ter começado da pior maneira já que ao oitavo dia de viagem foi atacado por um navio "corsário Insurgente". Com a ajuda da corveta Princeza Real rumou a Pernambuco (Brasil) para consertar a embarcação. Por ali ficou durante dois meses tendo então chegado de Macau o navio s. Domingos "com 84 dias de viagem" uma "prova de que até alli a Monção era favorável para quem vinha e não para quem hia". 
A 11 de Maio de 1820 partiu de Pernambuco tendo demorado um mês até chegar ao Rio de Janeiro retomando depois a viagem. Ao fim de cerca de três meses estava perto de Macau e já na Ilha do Grande-Ladrão recorreu aos serviços de uma lorcha cujo capitão o conduziu até ao "Canal que finda na Ilha Lantam, onde atravessámos para Macáo, e fundiámos em Cáo às 12hr da noute deste mesmo dia 18 de Setembro".
No dia seguinte Rego vai numa "loxa (lorcha) para a terra dar entrada, e fallar ao Patrão Mór, para este me trazer o navio para cima" mas como este estava ocupado com outro navio foi preciso esperar até ao dia 21 para o bergantim Trocador "ancorar defronte da Alfândega" em Macau:
"Alli ficou ancorado o Navio em Cáo por tres dias até que o Patrão Mór o foi buscar no primeiro jazigo que o tempo deo e o veio ancorar defronte da Alfandega no dia 21 do dito mez de Setembro em boa linha d'agoa, boa tensa lama, ou vasa em fundo de 4 braças."
Uma das conclusões do capitão é que "a verdadeira sahida de Lisboa para Macao he no fim de Março para chegar à China em Agosto". 
José Luiz do Rego acaba por ficar em Macau cerca de cinco meses. porventura para tratar de negócios e à espera das melhores condições climatéricas para voltar a Portugal. Partiu de Macau no regresso a Lisboa a 7 de Fevereiro de 1821 e dois meses depois, a 7 de Abril, voltava a dobrar o Cabo da boa Esperança. Rumou depois à ilha de Sta. Helena - a meio do oceano Atlântico frente à costa oeste do continente africano - antes de seguir para o destino final, Lisboa.
* título nobiliárquico criado por D. João VI de Portugal a favor de D. António Manuel de Meneses, Par do reino e Capitão de Fragata da Armada Real em 13 de Maio de 1820.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

"Novo Pharol"

Numa edição de 1910 o jornal Vida Nova publica uma notícia com o título "Novo Pharol". Um título 'enganador' já que se tratava da instalação do novo sistema de iluminação do Farol da Guia, destruído após o tufão de Setembro de 1874. O próprio edifício onde o sistema de iluminação estava instalado sofreu estragos e após obras passou a ter uma configuração ligeiramente diferente. As imagens abaixo mostram o antes e o depois dessas obras.
 
Nota: o novo sistema de iluminação começou a funcionar a 29 de Junho de 1910.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Chegada do Nemesis à Praia Grande no final de 1840

Às oito horas da manhã de quarta-feira 25 de Novembro de de 1840 Macau ficou "espantado" e 'tremeu' à chegada do Nemesis, o primeiro navio de guerra do mundo com casco de ferro,  pertencente a Inglaterra. O facto foi noticiado no jornal O Portuguez na China. Na edição de edição de 3.12.1840 pode ler-se: "Macao todo ficou espantado, e os moradores na Praia Grande se virão como eletrizados pela aparência do Vapor de ferro, Nemesis. Tão chegado a terra estava, que quando salvou, o estrondo das bombardas fazia saltar nas mezas as chicaras de chá"
No livro de 1844 "Narrative of the Voyages and Services of the Nemesis, from 1840 to 1843" , de William D. Bernard, pode ler-se outro relato da ancoragem do Nemesis em Macau:
At daylight on the following morning, the 25th of November, the Nemesis steamed through the Typa anchorage, which lies opposite Macao, and ran close in to the town, where the water is so shallow that none but trading-boats can venture so far. The sudden appearance of so large and mysterious-looking a vessel naturally excited the greatest astonishment among all classes, both of the Portuguese and Chinese residents. The saluting of the Portuguese flag, as she passed, sufficed to announce that something unusual had happened; and crowds of people came down to the Praya Grande, or Esplanade, to look at the first iron steamer which had ever anchored in their quiet little bay. Her very light draught of water seemed to them quite incompatible with her size; and even the Portuguese governor was so much taken by surprise, that he sent off a messenger expressly to the vessel, to warn her captain of the supposed danger which he ran by venturing so close in shore. It is probable, however, that his excellency was not quite satisfied with the near approach of an armed steamer, within a short range of his own palace; and, moreover, the firing of a salute, almost close under his windows, had speedily frightened away the fair ladies who had been observed crowding at all the windows with eager curiosity.
As soon as the first excitement had passed, Captain Hall waited upon the governor, to assure him that he had come with the most peaceable intentions, and to thank his excellency for the friendly warning he had given, with respect to the safety of the vessel. At the same time, he begged to inform his excellency, that he was already thoroughly acquainted with the harbour and anchorage of Macao, from early recollection of all those localities, as he had served as midshipman on board the Lyra, during Lord Amherst's embassy to China, in 1816."
Ilustração do Nemesis incluída no livro referido

Tradução/Adaptação:
Ao amanhecer do dia seguinte, 25 de Novembro, o Nemesis atravessou o ancoradouro da Taipa, que fica em frente a Macau, e chegou perto da cidade, onde a água é tão rasa que ninguém, a não ser os barcos mercantes, consegue aventurar-se tão longe. O súbito aparecimento de uma embarcação tão grande e de aspecto misterioso suscitou naturalmente o maior espanto, tanto dos residentes portugueses como chineses. A saudação da bandeira portuguesa, ao passar, foi suficiente para anunciar que algo inusitado havia acontecido; e multidões desceram à Praia Grande, o passeio público da cidade, para ver o primeiro navio a vapor de ferro que alguma vez ancorara naquela pequena e tranquila baía. O leve gole de água parecia-lhes bastante incompatível com o seu tamanho; e até o governador português foi tão apanhado de surpresa que enviou expressamente um mensageiro ao navio, para avisar o seu capitão do suposto perigo que corria ao aventurar-se tão perto da costa. É provável, porém, que Sua Excelência não tenha ficado muito satisfeito com a aproximação de um navio armado, a curta distância do seu próprio palácio; e, além disso, o disparo de uma saudação, quase perto de suas janelas, assustou rapidamente as belas damas que foram observadas aglomeradas em todas as janelas com grande curiosidade.
Passados os primeiros momentos de grande agitação, o Capitão Hall aguardou o governador, para lhe assegurar que viera com as mais pacíficas intenções e para agradecer a Sua Excelência a amistosa advertência que lhe dera, no que diz respeito à segurança do navio. Ao mesmo tempo, pediu para informar Sua Excelência que já conhecia bem o porto e ancoradouro de Macau, desde as primeiras recordações de todas aquelas localidades, visto que servira como aspirante a bordo do Lyra, durante a embaixada de Lord Amherst à China, em 1816."

Nota: O Nemesis era uma fragata de guerra de pás a vapor - com 86 metros de comprimento e um calado de apenas 1,8 metros, ideal para as águas pouco profundas no sul da costa da China - foi construído em 1839 para a EIC (Companhia Inglesa das Índias Orientais) embora não fizesse parte da lista de navios da empresa. Partiu de Liverpool a 28 de Março de 1840,  tendo como comandante o tenente W. H. Wall, da marinha de guerra inglesa, numa viagem rodeada de tanto secretismo que o destino anunciado na imprensa foi Odessa. Em plena guerra do ópio entre Inglaterra e a China, com a bandeira da EIC hasteada, o navio viria a ter um efeito decisivo no desfecho do conflito. A primeira batalha em que participou foi logo em Janeiro de 1841.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

As Ruínas desenhadas por Chinnery após o incêndio de 1835

A 31 de Janeiro de 1835, cinco depois do fatídico incêndio no colégio e igreja de S. Paulo (na noite de 26 para 27 de Janeiro), George Chinnery, como se de um fotojornalista se tratasse, desenhou os efeitos do incêndio. O próprio escreveu a data no desenho como era seu hábito. Que restou apenas a fachada é o que se conhece até hoje, nada restando do que era o interior do edifício. O desenho de Chinnery revela no entanto que ainda ficaram de pé algumas estruturas edificadas em pedra. É muito provavelmente o único documento gráfico que o atesta.
Com o incêndio também ficou destruído um relógio. No livro de 1836 An Historical Sketch of the Portuguese Settlements in China o sueco Anders Ljungstedt escreve:
"In this edifice is a clock which strikes quarters and hours and to judge from an inscription on the principal wheel Louis XIV made a present of it to the Jesuit college". Ou seja, "Neste edifício está um relógio que bate quartos e horas e a julgar por uma inscrição do mecanismo principal foi oferecido pelo rei Luís XIV (França) ao colégio jesuíta".
Segundo relatos da época este relógio permitiu apurar com exactidão quando ocorreu o incêndio:
"Tinham soado as seis horas da tarde quando o fogo começou de atear-se e tão rapido lavrou que o primeiro quarto depois das oito immediatas foi para os desconsolados habitantes de Macau a despedida do grandioso relogio do collegio que o devia a munificencia de Luiz XIV."
Este relato foi reproduzido no Boletim do Governo de Macau de 28 de Janeiro de 1867. 
Curiosidade: no desenho podem ver-se dois soldados portugueses

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

"Macau, porto do Reino da China na província de Cantão"

"Relazione de' felici successi della Santa Fede predicata da' Padri della Compagnia de Giesu nel regno di Tunchino" / "Relatório dos felizes sucessos da Santa Fé pregada pelos Padres da Companhia de Jesus no reino de Tonkin", publicado em Roma no ano de 1650.
A obra tem por base o testemunho do padre Alexandre de Rhodes que chegara a Roma em 1645 vindo de Macau onde chegara em 1623 depois de ter sido ordenado padre em 1618.  Logo em 1652 o livro foi traduzido para francês.

Excerto:
Nel Regno di Tunchino
Il Padre Girolamo Rodriguez Portoghese Visitatore già la seconda volta in Macao della Prouincia del Giappo ne e della Cina della Compagnia di Giesù huomo di gran santita e non ordinaria virtù Il quale doppo hauer gouernato per molto tempo e con molta prudenza il Collegio di Nagasaqi nel Giappone fù forzato à lasciarlo efi liato con molti altri de nostri Padri in odio della Fede di Christo Ritornò à Macao porto del Regno della Cina nella Prouincia di Canton nel quale v è il Collegio ch è stato sempre il Seminario di tutte le missioni fatte al Giappone

Tradução/Adaptação
No Reino de Tonkin/Cochinchina (a parte mais setentrional do Vietname)
O Padre Jerónimo Rodrigues Visitador português pela segunda vez em Macau da Província do Japão e da China da Companhia de Jesus, homem de grande santidade e de nenhuma virtude comum que posteriormente governou o Colégio de Nagasaki no Japão durante muito tempo e com grande prudência foi forçado a deixá-lo exilado com muitos outros Padres nossos por ódio à Fé de Cristo. Regressou a Macau, porto do Reino da China na província de Cantão onde existe o colégio que sempre foi o seminário de todas as missões realizadas no Japão.

Notas: 
O Pe. Jerónimo Rodrigues foi Visitador dos Jesuítas no Oriente 1619-1621 e 1622-1626. Kuchi (Cochim) era o nome usado em língua malaia para designar toda a região. Como os portugueses já tinham Cochim na Índia, criaram então o termo "Cochin-China" para distinguir as duas zonas.
O livro inclui este mapa que mostra a região costeira do norte do Vietname e parte do sul da China, estando Macao/Macau assinalado no canto inferior direito. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Pintura no Museum of Old Newbury

Esta pintura a óleo de autor anónimo com uma representação da baía da Praia Grande em meados do século 19 faz parte do espólio do Museum of Old Newbury, no Estado de Massachusetts (EUA).
O museu foi fundado em 1877 com o nome Antiquarian and Historical Society of Old Newbury. Desde 1955 está instalado na Chushing House, uma mansão doada pela sobrinha de Caleb Cushing - Margareth - nome ligado à história dos EUA, Macau e China.
Excerto de Dicionário Temático de Macau, Volume I, Universidade de Macau, 2010,
"Caleb Cushing (1800-1879). Filho de um abastado mercador norte-americano, estuda em Harvard, escreve para diversos periódicos como o North American Review e participa activamente na política local de Essex County. Ingressa na House of Representatives em 1834, como membro do partido Whig, e, em Washington, apoia a política anti-esclavagista, defendendo, no entanto, que o Norte não tem o direito de interferir com o esclavagismo sulista. Permanece no Congresso durante quatro mandatos e em 1840 é já considerado um dos principais líderes do seu partido, mas com a morte do presidente William Henry Harrison um mês após a sua eleição, Cushing alia-se ao novo presidente John Tyler, alistando-se no Partido Democrático. Tyler nomeia-o secretário do Tesouro em 1843, mas, devido à sua saída do partido Whig, o Senado não confirma esse cargo. Quando Edward Everett, ministro plenipotenciário norte-americano em Londres, recusa aceitar o cargo de responsável da missão americana à China, o presidente nomeia Cushing, instruindo-o para entregar uma carta ao imperador chinês e assegurar um tratado com as autoridades manchus que conceda aos E. U. A. condições favoráveis semelhantes às que a Grã- Bretanha conseguira com a assinatura do Tratado de Nanquim, com o objectivo de “regulamentar o comércio” norte-americano na China. 
O diplomata chega a Macau em 24 de Fevereiro de 1844 a bordo do Brandywine e enfrenta inúmeros obstáculos para atingir os seus objectivos, chegando mesmo a afirmar que pretende ir pessoalmente a Pequim entregar a carta ao imperador, enquanto o governador Silveira Pinto deseja fazer o mesmo para defender os interesses portugueses no Sul da China. O plenipotenciário aproveita os três meses de espera em Macau para se familiarizar com a cultura e as instituições com as quais teria de negociar, funcionando o enclave como um local de preparativos e plataforma cultural entre o Ocidente e o Oriente. 
O comissário imperial, Ch’i-ying (Qi Ying 耆英) chega finalmente a Macau em 18 de Junho, após ter estado reunido com o novo governador de Hong Kong, Sir John Davis, e o Tratado de Wanghia (Wangxia 望廈) é assinado em 3 de Julho de 1844, numa mesa de pedra do templo de Kun-Iam (Guanyin Miao 觀音廟), em Mong- Há (Wangxia 望廈), tendo-se o comissário chinês retirado de imediato para Cantão. 
Após a missão na China, Cushing dedica-se à advocacia e à política interna, tornado-se um dos mais influentes políticos após a eleição do presidente Franklin Pierce. Durante a Guerra Civil, Cushing apoia as medidas de Lincoln, tendo-se voluntariado para chefiar o seu próprio regimento contra o Sul. Em 1873, é nomeado ‘ministro’ americano em Espanha, tendo permanecido em Madrid durante quatro anos, desenvolvendo excelentes relações com o governo espanhol até se demitir em 1877, para passar o resto dos seus dias em Newburyport, Massachusetts. Relativamente à estada do diplomata em Macau, Rebecca Chase Kinsman (mulher do mercador de Salem, Nathaniel Kinsman) que reside em Macau com o marido entre 1843-1847, descreve no seu diário a chegada da missão à China e o entusiasmo sentido pela comunidade norte-americana então residente em Macau. As referências à embaixada norte-americana começam desde a sua chegada a Bombaim, intensificando-se em 24 de Fevereiro quando o Brandywine ancora na Rada de Macau e a fragata norte-americana salva a bandeira portuguesa. 
De acordo com a diarista, Cushing, cujos vestuário, bigode e espada causam sensação, ocupa a casa da família Tiers, que se encontra em Cantão, reunindo-se posteriormente com o cônsul americano de Hong Kong, Mr. Waldron, com Mr. Hooper e com o Dr. Parker, que dirige o Ministro Plenipotenciário à casa de Rebecca Kinsman, de surpresa, em 6 de Março, revelando este último o seu prazer ao encontrar-se com mulheres norte-americanas em Macau, voltando o mesmo grupo a encontrar-se, no dia seguinte, próximo da Baía de Cacilhas, durante um dos habituais passeios em Macau. A autora descreve os sucessivos encontros formais com membros da embaixada do seu país (políticos e missionários/intérpretes), bem como os jantares oferecidos por Cushing, e as alterações que o protocolo dessa visita origina no seu (solitário) quotidiano. No início do mês de Julho, o plenipotenciário americano desloca-se incógnito a Cantão para satisfazer a sua curiosidade, pois desde a sua chegada em Fevereiro não saíra de Macau. Aliás, a autora confessa que a estada de Cushing no enclave torna a vida da cidade muito mais alegre e activa, ambiente que termina quando o ‘embaixador’ deixa o território em 27 de Agosto de 1844, não sem antes as bandas filarmónicas da frota oferecerem serenatas de despedida às residentes americanas. A presença de diplomatas estrangeiros em Macau leva as autoridades portuguesas a reagir de forma a também defenderem os seus interesses e o seu estatuto no Sul da China, demonstrando a estada dos primeiros a importância do enclave nas relações sino-ocidentais desde o século XVII, neste caso, as relações políticas sino-americanas."