Diz o ditado que quem procura sempre alcança... Nas pesquisas que faço habitualmente aqui para o blogue há muito que sabia que o britânico James Wathen tinham feito dezenas de desenhos em Macau quando por ali passou em Dezembro de 1812. Acontece que apenas 4 desenhos foram publicados no livro que escreveu sobre essa viagem. Agora descobri um desses desenhos no espólio do Ashmolean Museum (Reino Unido).
Esta é a legenda de uma aguarela (18x25cm) datada de 1812 da autoria de James Wathen: "From the Entrance of the Franciscan Monastery at Macao / Looking to the Fort, the Nunnery & St. Paul's Church", ou seja, "Olhando para o Forte, o Convento e a Igreja de São Paulo da Entrada do Mosteiro Franciscano de Macau."
O mosteiro/convento de S. Francisco foi construído em Novembro de 1579 por iniciativa do frei Pedro de Alfaro (espanhol que foi das Filipinas para Macau nesse ano) como conta o frei Jacinto de Deos no livro "Descripção do Império da China" sobre "um pequeno monte na parte do oriente em respeito da cidade no começo de uma formosa praia cujas ondas de continuo ferem os muros que a cercam ficando o convento com a vista para o mar ao leste norte e meio dia e das muitas ilhas que por essas partes lançou a natureza e tambem do principal da cidade que fica ao occidente."
A localização da cruz numa litografia feita a partir de um desenho de James Wathen
Vejamos o que o próprio James Wathen escreveu sobre este local que chegou a visitar no interior fazendo uma descrição - testemunho raro - do que viu:
"After making many drawings of the surrounding scenery, I descended into the town, and went immediately to the Franciscan monastery. Mass was now celebrating in the church; I waited until it was over. The congregation was large and respectable. Several beautiful women, in their long black cloaks and hoods, walked, piously demure, with the reverend fathers from the church, discoursing in low whispers, and, “ever and anon,” hfting up their fine eyes in a seeming rapture of devotion!
When the congregation had retired, a reverend cordelier approached me, where I was sitting, on the steps of a handsome crdss, erected in front of the monastery, with my sketch-book and pencil in my hand; and, with gentle demeanour, asked me if I wished to see the interior of the building? He spoke but little English, yet sufficient to be understood. I answered in the affirmative, and thanked him for his civility and kindness. — We proceeded to the church, which was splendidly decorated with statues and paintings; many of them well executed. — The altar was most richly adorned continued in the same state as it was on the preceding day, the great festival of Christmas. — The crucifix was set with the most brilliant precious stones; and all the sacred vessels and utensils were of solid gold and silver. I was then successively led along to the cloister, refectory, the dormitory, and the ambulatory ; and saw several of the cells of the monks, who are about forty in number. The situation of this religious house is delightful, being on a rock near the sea, and surrounded with fine pleasure-grounds planted with elegant trees and odoriferous shrubs."
Tradução/Adaptação
"Depois de fazer muitos desenhos da paisagem circundante, desci à cidade e fui imediatamente ao mosteiro franciscano. Estava ser celebra uma missa na igreja; esperei até que acabasse. A congregação era grande e respeitável. Várias mulheres bonitas, em seus longos mantos pretos e capuzes, caminhavam, piedosamente recatadas, sussurravam com os reverendos padres da igreja e, “de vez em quando”, erguendo seus lindos olhos num aparente êxtase de devoção! Quando a congregação se retirou, um padre franciscano aproximou-se de mim, onde eu estava sentado, nos degraus de uma bela cruz, erguida em frente ao mosteiro, com meu caderno e lápis na mão; e, com atitude gentil, perguntou-me se eu queria ver o interior do edifício? Ele falava pouco inglês, mas o suficiente para ser compreendido. Respondi afirmativamente e agradeci-lhe a sua civilidade e bondade. — Seguimos para a igreja, que estava esplendidamente decorada com estátuas e pinturas; muitos delas bem executados. – O altar estava ricamente decorado e continuou no mesmo estado em que estava no dia anterior, a grande festa do Natal. — O crucifixo foi cravejado com as mais brilhantes pedras preciosas; e todos os vasos e utensílios sagrados eram de ouro maciço e prata. Fui então conduzido sucessivamente ao claustro, ao refeitório, ao dormitório e ao ambulatório; e vi várias celas dos monges, que são cerca de quarenta. A localização deste edifício religioso é encantadora, estando sobre uma rocha perto do mar e rodeada de belos terrenos plantados com árvores elegantes e arbustos odoríferos."
Comerciante, viajante e desenhador, James Wathen (1751-1828) tinha 61 anos quando fez esta viagem - uma boleia pode-se dizer... tendo partido de Portsmouth a 11 de Março de 1811 - com o seu amigo dos tempos de escola, o capitão James Pendergrass, comandante do navio Hope (à vela e com 3 convés - ver imagem abaixo), construído em 1797 para a EIC, a poderosa Companhia Inglesa das Índia Orientais, empresa privada que detinha por concessão real o exclusivo do comércio de Inglaterra com a Índia e a China. O Hope (Esperança) fez nove viagens aquelas paragens - esta foi a sétima - e seria desmantelado em 1816.
Wathen explica na introdução que não viajou com o intuito de lucrar em termos comerciais e que único objectivo que tinha em mente nesta "perigosa" viagem que "abraçou avidamente" foi a oportunidade rara de conhecer novas paragens "e ampliar sua colecção de desenhos". Rara porque não era fácil viajar num navio da EIC sem ter alguma relação com a empresa. O próprio explica que oi o próprio comandante que intercedeu junto do comité que dirigia a EIC, nomeadamente William Astell, a quem agradeceu a oportunidade. Aliás, o livro é dedicado ao comité de directores da EIC como se pode verificar no início da obra com a assinatura de James Wathen em Agosto de 1814.
Nota: Por volta de 1861/64 o convento de S. Francisco foi demolido para ali se construir um quartel que ficou com o mesmo nome e que ainda hoje existe (numa versão mais moderna) funcionado ali o Museu das Forças de Segurança de Macau.
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