Em Novembro de 1872, há 148 anos, dava-se início em Macau à construção do "Hospital Sam Januário". Foi uma empreitada ímpar que deixou marcas na paisagem do território como se pode verificar nestas duas imagens que mostram o antes e o depois da construção.
O enorme edifício mais parecia uma palácio do que um hospital. São os próprios arquitectos da época a reconhecer que não era o mais indicado para servir como hospital como se pode verificar no texto que a seguir reproduzo.
Apesar da envergadura da obra a construção demorou apenas cerca de dois anos sendo o hospital inaugurado em Janeiro de 1874. O projecto é do capitão Henrique A. Dias de Carvalho; e do Barão do Cercal (António Alexandrino de Melo).
A imagem acima é a única que faz parte do artigo. Tem a legenda "Hospital Militar de Macau" |
Edifício de utilidade Pública: O Novo Hospital em Macau
São tão poucos os edificios publicos construidos em Portugal neste seculo que apresentem pela sua bem delineada planta aspecto grandioso e agradavel perspectiva e sobretudo offereçam as condições reunidas ás mais apropriadas de sua especial destinação que nos surprehendeu sobremaneira quando recebemos do distincto governador de Macau o ex sr Visconde de S Januario, digno socio da Real Associação dos Architectos e Archeologos Portuguezes, uma photographia tirada d'um hospital militar que por iniciativa e sob a illustrada inspecção de s. exa. foi construido no presento anno n'aquella colonia portugueza.
Examinamos com satisfação o prospecto de tão magnifica fabrica e posto que nos ufanassemos de se haver executado tão longe da metropole um edificio d'esta ordem, (pois alem da sua reconhecida utilidade e merecimento architectonico, faz tambem honra á nação a que pertence e attrahe merecida gloria ao esclarecido promotor d'este grande melhoramento o qual era ha muito reclamado para beneficio da humanidade e credito do governo) parecia-nos quasi impossivel ter se podido executar n'esta epocha tão vasto edificio com as condições essenciaes de bem entendida distribuição de grandioso aspecto assás esbelto notando se lhe sobretudo bastarte novidade na sua geral configuração.
Não é de certo um typo architectonico que possa servir de modelo para estudo d'arte, nem tão pouco ser citado como offerecendo o caracter mais proprio para um hospital, não obstante, não se podem recusar elogios á feliz intelligencia de quem compoz o conjuncto das suas fachadas, muito embora ellas lembrem um pouco as construcções orientaes e ao mesmo tempo apresentem reminiscencia das edificações britannicas, talvez por estar n'aquella região e na proximidade das possessões inglezas, todavia essa construcção mixta foi calculada para produzir agradavel effeito ainda que independente da sua determinada applicação.
Nesta imagem já da década 1940 pode ver-se que os torreões 'desapareceram' e admito que possa ter sido na sequência do tufão de Setembro de 1874. |
No torreão do lado esquerdo estava o relógio |
Foi excellente a idea de se aproveitarem os dois torreões das extremidades para se collocarem sobre elles dois mirantes e, com quanto pareça estarem deslocados em um hospital similhantes accessorios, todavia a elevação d esses corpos contribue muito para lhes fazer mais vistosa a fachada do edificio e attrahir a attenção do publico para desfrutar o bello effeito causado pela novidade do conjuncto d'esta construcção.
Felicitamos pois o illmo. sr capitão Dias de Carvalho pela intelligente distribuição do plano assim como receba encomios o exmo. sr barão de Cercal pelo encantador aspecto com que delineou os alçados do hospital de S Januario o que fará sem duvida lembrar com maior reconhecimento aos habitantes de Macau qual a solicitude do esclarecido governador o exmo. sr visconde de S Januario por ter dotado aquella cidade com um tão necessario melhoramento publico.
Achâmos curioso fazer alguns extractos da excellente memoria publicada pelo sr capitão Carvalho em que descreve a distribuição d'este hospital havendo-se inspirado para traçar a sua planta, do afamado hospital de S Raphael da Belgica, e tambem nos dá informações do modo como os operarios chinas executam estas obras. Tanto em relação aos costumes d'aquella região como pela maneira original de se contratarem com elles as construcções n'aquelle paiz.
O edificio tem de extensão 205 covados chinas (75 metros, 37 cent) e de largura 100 covados (37 metros). No torreão do lado esquerdo está a capella e por cima o observatorio metereologico; no que fica à direita estão as salas de conferencias alojamento do director e o mostrador do relogio. Entre estes dois torreões é o edificio abarracado ficando dividido no centro por um corpo saliente com um andar nobre o qual serve para a sala das sessões, gabinete do director e secretaria, sendo destinado o seu pavimento inferior para o vestibulo da entrada principal, casa da guarda e quarto do porteiro. Os quartos dispostos d'este primeiro plano servem para enfermarias dos officiaes, casa de banhos, pharmacia e arrecadações. Abrem estes quartos para uma extensa galeria do comprimento total do edificio. Na rectaguarda d'esta galeria estão dispostos cinco corpos perpendiculares á fachada do edificio com 24 metros 61 cent de comprimento e de largura 8 metros, 57 cent. D'estes corpos, os tres centraes são para enfermarias de 20 doentes tendo se lhes dado 40 metros de ar para cada pessoa .Todas estas enfermarias têem quartos annexos para banhos, arrecadações e privadas.
Os dois corpos extremos estão divididos no meio por um corredor, que liga com a galeria, servindo um d'elles para presos doentes, quarto para alienados, sala de operações, arrecadações, cosinha; o outro corpo é destinado para quartos dos officiaes inferiores, enfermeiros, banhos.
Todos os alojamentos teem caixilhos e portas janellas independentes um dos outros para obter sufficiente luz a ventilação. Do edificio, na sua frente principal, ficando elevado d'este lado acima do terreno 6 covados (7 metros 8) poderam aproveitar todo o espaço inferior para servir de armazens havendo junto ao edificio o jardim do hospital que tem a fórma de ferradura occupando area de 1 500 metros quadrados e sendo rodeado por uma espaçosa estrada de 15 metros de largura. Uma balaustrada com 300 metros aformoseia e separa o edificio da estrada do Visconde de S Januario. Despendeu-se com toda a construcção d'esta obra a quantia de 16 000 000 réis, incluindo aqueductos, pontes, pavilhões necessarios para completar esta moderna construcção.
Architecto J. da Silva in Boletim de architectura e de archeologia , nº 3, Lisboa 1874.
Boletim da Província de Macau e Timor, nº 47, 16 Novembro 1872
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