quarta-feira, 11 de março de 2020

O testemunho de Francesco Carletti (1573 - 1636): 1ª parte

A primeira viagem de circum-navegação feita a título particular deve-se a Francesco Carletti (1573 -1636), mercador florentino, comerciante de escravos e viajante que consta ter sido o homem que introduziu o chocolate na Europa seiscentista
Primeira edição: 1701
Durante oito anos compilou as suas impressões da viagem à volta do mundo que começou em Espanha em 1594 tendo publicado “Ragionamenti di Francesco Carletti Fiorentino sopra le cose da lui vedute ne´ suoi viaggi si dell´ Indie Occidentali, e Orientali Come d´altri Paesi“, "Arrazoamentos da minha viagem à volta do mundo" cerca 1701. Há ainda um outro registo guardado no Vaticano... o códex 1331.
Nessa viagem pelo mundo permaneceu 22 meses em Macau (15 Março 1598 a Dezembro 1599).
Carletti nasceu em Florença em 1573. Aos 18 anos foi enviado para Sevilha pelo pai a fim de aprender a profissão de mercador. Em 1593, dois anos após a sua chegada a Sevilha, Francesco passou a contar com a companhia do pai, que entretanto se estabelecera nesta cidade. Juntos iniciaram uma viagem que, à partida, pretendia ser uma mera participação nos negócios de escravos. 
O jovem florentino deveria dirigir-se ao arquipélago de Cabo Verde, um dos principais entrepostos de venda de escravos no Atlântico, rumando depois às Índias Ocidentais, o grande mercado americano receptor, devendo regressar à Europa com os lucros da transacção. No entanto, os percalços comerciais da jornada, que adiante serão desenvolvidos, fizeram com que esta redundasse num fracasso financeiro, levando os dois italianos a alterar os planos iniciais.
A partir da Colômbia iniciaram um périplo pelo mundo sem rumo definido, movendo-se de porto em porto com o fito de alcançar melhores oportunidades de negócio. Assim, numa primeira fase navegaram ao longo da costa da América espanhola, do Panamá ao Peru, de Salvador ao México, comprando e vendendo produtos, procurando recuperar o investimento inicial. Não obstante a prosperidade económica e organização social pacífica e harmoniosa registada nestas terras, Antonio decidiu que a oportunidade comercial exigia a continuação da viagem. Em 1596, os Carletti aventuraram-se pelo Oceano Pacífico, dirigindo-se às Filipinas no trilho do galeão de Manila, que três décadas antes iniciara relações regulares entre a América e a Ásia. Daqui “espreitaram” as grandes potencialidades económicas do Extremo-Oriente, dirigindo-se primeiro ao Japão, onde permaneceram nove meses, depois à China, estabelecendo-se em Macau por longos 21 meses.
Antonio Carletti faleceu, entretanto, nesta cidade, o que obrigou Francesco a continuar a viagem sozinho. Tendo penetrado na rede comercial portuguesa asiática e notando as dificuldades em regressar a Castela pelo mesmo percurso, o jovem florentino decidiu rumar à capital do Estado da Índia, apostando no retorno ao seu continente pela rota do Cabo. Em 1599, depois de escalar Malaca, chegou a Goa, onde permaneceu perto de 2 anos. A cidade da costa ocidental do Hindustão deixou as mais profundas marcas em Francesco Carletti, não só pela sua prosperidade comercial, escápula de um grande número de circuitos mercantis orientais, como pelos prazeres do seu quotidiano, sobretudo ao nível da gastronomia e do amor, uma imagem que a aproximava do paraíso terrestre.
Em 1602, percorrendo já o Atlântico na viagem de regresso à Europa, Carletti foi surpreendido por mais um percalço, quando a embarcação da Carreira da Índia em que seguia, o navio Santiago, foi capturada por uma esquadra neerlandesa junto à ilha de Santa Helena. Nesta ocasião, Francesco optou por seguir com os corsários até à sua região de origem, a fim de tentar reaver os seus bens que, como a demais carga das naves portuguesas, haviam sido apresados.
Depois de uma escala na ilha de Fernando Noronha, onde a tripulação do navio capturado foi abandonada, o florentino chegou a Middelburg, onde ficou nos três anos seguintes. Não tendo conseguido recuperar o que lhe pertencia, Carletti decidiu regressar a Florença, mais pobre do que quando partira, chegando aí em 1606, depois de uma breve estadia em Paris, junto da Corte francesa.
Imediatamente após a sua chegada à cidade natal, Francesco Carletti foi agraciado pelo grão-duque da Toscânia Fernando I, que o fez seu conselheiro, vindo a ser provido pelo seu sucessor Cosme II no cargo de maestro di casa. Para além do exercício de cargos palatinos, desempenhou também missões diplomáticas na Europa, tarefa em que lhe terão valido os conhecimentos adquiridos após o seu extenso périplo mundial. Morreu em Florença a 12 de Janeiro de 1636, com 63 anos.
Mapa da época: não incluído no livro
Francesco Carletti (1573 - 1636) was a Florentine merchant, explorer and writer. 

He was the first private traveler to circumnavigate the globe (1594-1602). He left with his father, Antonio Carletti, a merchant, to the islands of Cape Verde to buy African slaves to be sold in the West Indies. From there went to the Spanish colonies in Panama, Mexico, Colombia, Peru and again to Mexico. They sailed from Acapulco to the Philippines in the Manila galleon and arrived on the island of Luzon, where they remained one year. 
Then they moved to Japan and China, where his father Antonio died in 1598.Left alone, Francesco went to India and came to Goa, home to the Portuguese viceroy, where he remained for some time. 
Taken by homesickness, he loaded on a Portuguese ship all his merchandise and sailed to Portugal. On the island of St. Helena he was attacked and his wealth plundered by Dutch ships. He eventually returned to Florence without his accumulated wealth. The Grand Duke Ferdinand I, who had protected him during the journey, took him to court. Francesco Carletti collected his travel experiences in twelve Arguments, dedicated to Ferdinand I.

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