(...) A Cidade do Nome de Deus não há outra mais Leal ocupa a parte sul da pequena península que termina a ilha de Hiang-Chang. Nove morros a dominam do lado do mar, erguendo-se em quatro deles outras tantas fortalezas armadas de antiga artilharia. O bairro onde se albergam os 4.000 europeus que vivem em Macau acha-se situado na parte leste da cidade e apresenta um alegre aspecto, com suas construções pintadas de vivas e variadas cores, seus seculares conventos e igrejas e seu belo passeio a beira-mar, que recordou-me a Promenade des Anglais de Nice ou a praia de Botafogo.
A “Praia” é o nome desse passeio onde, à tarde, saem a respirar a suave brisa do mar morenas europeias ou amarelas mestiças, trajando vistosas saias que procuram imitar as modas um pouco atrasadas de Paris. Carros antiquados, cadeirinhas e pedestres cruzam-se constantemente em uma e outra direção, parando de vez em quando para permitir alguns cumprimentos ou confidências de amor, arte a que se dedicam assiduamente os mancebos de Macau, por não encontrarem, talvez, outra ocupação. Não se pode, porém, negar que empreguem grande engenho para ostentar uma toilette sempre cuidada. Nada mais interessante do que esses moços de fisionomia chinesa e cabelo naturalmente lustroso, trajando elegantes fraques, com os pequenos e bem formados pés apertados em brilhantes botinas e o pescoço encerrado em altos e duros colarinhos rodeados de coloridas gravatas.
É Macau a única cidade da China em que se mantém a pretensão dos trajes europeus, ainda que adulterados pelo gosto e a distância e pela especulação do comércio, que encontra aí cômodo mercado para os artigos passados de moda. Em outras partes, os residentes estrangeiros adaptam o seu traje à comodidade de movimentos ou às condições do clima; Macau, porém, conserva aquela originalidade, que não deixou de produzir-me grata impressão, ainda que certa estranheza, depois que os meus olhos se tinham habituado, na minha longa viagem desde o istmo de Suez, a só ver como exceção a comprida sobrecasaca e o chapéu de copa. (...)
Henrique Carlos Ribeiro Lisboa in "A China e os Chins - Recordações de viagem", 1888.
Henrique Carlos Ribeiro Lisboa in "A China e os Chins - Recordações de viagem", 1888.
Henrique C. R. Lisboa (1849-1920) era diplomata e foi secretário da missão especial que o Império do Brasil enviou à China em 1880. Dessa viagem fez um registo detalhado que deixou em livro de cerca de 400 páginas ilustradas com um mapa e 44 gravuras.
Neste post transcrevi um excerto relativo à baía da Praia Grande ilustrado com uma imagem da época (não é do livro) em que o autor visitou Macau.
Na imagem acima, entre outros aspectos, destaque para: Sé Catedral, Palácio das Repartições (1874), Macao Hotel (1880), Jardim S. Francisco, Grémio Militar (1870)Ermida da Guia (e farol em construção - 1865), Hospital S. Januário (1874), Quartel S. Francisco (1866) e a bataria rasante 1º de Dezembro (1872).
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