“O dia 5 de Abril amanhecera excepcionalmente belo em Macau. Uma alegria, este renascimento da luz, a alvorada cor-de-rosa, as montanhas doiradas pelo sol, a brisa tépida varrendo o espesso çlençol de neblina; alegria que só compreendem os que já por longo tempo habitaram as costas da China, e que por experiência conhecem a tristeza dos fastisiosos meses de Fevereiro e Março, invarialvelmente turvos, frigidos, desoladores. Com um poucochinho de boa vontade, quem não acreditaria numa influência complacente das grandes divindades budísticas, que, em amigável pacto, houvessem assi deliberado proteger o pacífico povo das vizinhanças de Macau, na realidade da festa religiosa mais grata talvez a todos os filhos do império?
As recortadas colinas, que rematam o panorama do porto interior, semeadas de velhos túmulos, ordinariamente desertos, encheram-se de peregrinos logo ao romper da madrugada. Curiosa romaria; um desprevenido julgaria surpreender misteriosas emboscadas, processos estratégicos de invasão, naquele desfilar indeciso de cobaias serpeando cautelosamente pelas trilhas das serras, aqui ocultando-se nas moitas, além ascendendo aos outeiros, dividindo-se em grupos, estudando o solo, perscrutando atentos. Mas peregrinação bem de paz era aquela, a comemoração do Tsing-Ming ou festa dos mortos, geral em toda a China.
No entanto atravessava eu a cidade, passava para além do nosso domínio, e achava-me no chamado Terreno neutro, vasto campo arenoso, onde os chinas de Macau e dos lugares vizinhos enterram habitualmente os seus mortos; terreno de mortos se lhe poderia mesmo chamar, sem ofensa aos nossos brios de dominação, atentas a imparcialidade política, a absoluta neutralidade, que professam a imparcialidade de todos os países… A mesma peregrinação: no dorso suavemente curvo da encosta, eriçada de pedras funerárias, formigava uma multidão enorme de povo; famílias inteiras, os avós trémulos de velhice, os pais vigorosos, os rapazes, as criancinhas agarradas às mãos das mães, onda humana alastrando-se por mais de dois quilómetros de extensão, salpicada de tons vivos pelas cores varieadas dos vestidos.(...)
Wenceslau de Moraes em 1890 in Traços do Extremo-OrienteAs recortadas colinas, que rematam o panorama do porto interior, semeadas de velhos túmulos, ordinariamente desertos, encheram-se de peregrinos logo ao romper da madrugada. Curiosa romaria; um desprevenido julgaria surpreender misteriosas emboscadas, processos estratégicos de invasão, naquele desfilar indeciso de cobaias serpeando cautelosamente pelas trilhas das serras, aqui ocultando-se nas moitas, além ascendendo aos outeiros, dividindo-se em grupos, estudando o solo, perscrutando atentos. Mas peregrinação bem de paz era aquela, a comemoração do Tsing-Ming ou festa dos mortos, geral em toda a China.
No entanto atravessava eu a cidade, passava para além do nosso domínio, e achava-me no chamado Terreno neutro, vasto campo arenoso, onde os chinas de Macau e dos lugares vizinhos enterram habitualmente os seus mortos; terreno de mortos se lhe poderia mesmo chamar, sem ofensa aos nossos brios de dominação, atentas a imparcialidade política, a absoluta neutralidade, que professam a imparcialidade de todos os países… A mesma peregrinação: no dorso suavemente curvo da encosta, eriçada de pedras funerárias, formigava uma multidão enorme de povo; famílias inteiras, os avós trémulos de velhice, os pais vigorosos, os rapazes, as criancinhas agarradas às mãos das mães, onda humana alastrando-se por mais de dois quilómetros de extensão, salpicada de tons vivos pelas cores varieadas dos vestidos.(...)
O Cheng Meng, festividade da pura claridade, remete para o culto dos antepassados e ainda para o início do Verão e é assinalado por estes dias.
"Em Macau, milhares de pessoas dirigem-se para os cemitérios, sobretudo da Taipa e Coloane, e outros milhares atravessam as Portas do Cerco em direcção á terra natal onde estão sepultados os familiares. Vão carregados de comida, bebidas, dinheiro, objectos de papel, para cumular de presentes os antepassados e renovar as provisões da sua morada, para que possam continuar a viver na abundância, a partilhar com os amigos e a distribuir pelos pedintes (espíritos errantes)."
António Pedro Pires in O Culto dos Antepassados em Macau.
António Pedro Pires in O Culto dos Antepassados em Macau.
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