Silene tem 50 anos e vive actualmente no Brasil, um dos países onde o blogue Macau Antigo tem mais leitores. Foi de lá que partiu em 1971 para uma viagem que a levou a Macau por apenas dois anos mas que nunca mais esqueceu embora fosse uma criança com apenas 7 anos. Para relembrar esses tempos encontrou no blogue Macau Antigo uma referência, contactou-me e eu desafiei-a a passar para o papel as memórias da Macau que conheceu no início da década de 1970, há mais de 40 anos. O que se segue é esse testemunho, fruto de conversas que fomos mantendo via e-mail e acompanhado de imagens da época.
"Só me dei conta que já se passaram mais de 40 anos que vivi em Macau quando comecei a escrever este texto, a convite do João Botas. De início acreditei que seria difícil, mas as imagens e as lembranças começaram a vir à tona em minha memória e o texto foi fluindo. Não são muitas as lembranças, o tempo acabou por levar boa parte delas, mas sei que ficaram as saudades e os aprendizados que adquiri nesta experiência.
"Só me dei conta que já se passaram mais de 40 anos que vivi em Macau quando comecei a escrever este texto, a convite do João Botas. De início acreditei que seria difícil, mas as imagens e as lembranças começaram a vir à tona em minha memória e o texto foi fluindo. Não são muitas as lembranças, o tempo acabou por levar boa parte delas, mas sei que ficaram as saudades e os aprendizados que adquiri nesta experiência.
Silene tirou esta foto aos pais, irmã e irmão em Macau |
Era uma criança com apenas sete anos sem a completa noção do que estava acontecendo. De repente vi-me em uma cidade completamente nova e diferente do que estava acostumada. Viajamos em julho de 71 e antes de chegarmos a Macau, passamos por Hong Kong 香港 e Kowloon 九龍. Residia lá uma tia, irmã do meu pai que não conhecíamos, e sua família. Destes locais apenas recordo das ruas apinhadas de gente, muito calor, apartamentos com várias famílias (cada uma em um quarto) e um parquinho próximo onde brincávamos de balanço.
Foto de grupo da primeira comunhão celebrada na igreja de Santo António |
Na 1ª comunhão frente à igreja de Sto. António |
A escola
Estudei no Yuet Wah College 粵華中學, mais precisamente no colégio para o nível fundamental, o 粵華小學. Fiz o 1º e 2º anos. Eu já tinha feito o 1º ano no Brasil. A escola era considerada uma das melhores da cidade, não sei hoje como está. Escola de disciplina rígida, com muito mais matérias comparativamente ao Brasil, quadro de professores exigentes e indisciplina corrigida com castigos. Lá me preparei para a primeira comunhão com aulas de catolicismo.
Eram as freiras que cuidavam da administração. Lembro-me de duas: uma era chinesa, mais rígida e que vivia chamando a atenção de nós, alunos, quando algo não estava de acordo e a outra, italiana, mais condescendente e por isso, abusávamos um pouco...coisa de criança que queria um pouco mais de liberdade nos intervalos entre aulas. Lembro que uma época em que eu e uns colegas resolvemos que iríamos descobrir o que elas guardavam nos bolsos dos hábitos que usavam. Até tentamos enfiar as mãos dentro, mas foram infrutíferas as tentativas...Os padres apareciam por lá apenas para realizar missas. Íamos para a unidade maior 粵華中學, onde estudavam os alunos do 5º ano em diante, quando havia algum evento.
As aulas eram em período integral de segunda a sábado (exceto quarta e sábado – meio período). Sim, havia tempo para brincar nos finais de tarde e domingo. Aprendi muitas brincadeiras na rua e “ importamo-las” para o Brasil depois.
O Yuet Wah classificava os alunos a cada final de trimestre após as provas. No primeiro trimestre do 2º ano, eu fui a 6º colocada, num total de 53 alunos. Eu, na época, não tinha noção deste "feito", mas descobri aos poucos, pois meu pai me fez escrever ao meu avô e contá-lo. Uma das freiras (a chinesa) disse uma vez no intervalo a uma aluna: "Ela é estrangeira, não falava chinês e ficou em quinto lugar. Você precisa se esforçar mais." Na época e hoje, considero isso uma humilhação o que a freira fez... Recordo que no meu aniversário em 1972 e coincidindo com o meu bom desempenho escolar o meu pai me levou de visita à ilha da Taipa. Meu pai deve ter ficado realmente muito feliz porque, como a maioria dos chineses, ele também não era de demonstrar afeto." Continua...
Estudei no Yuet Wah College 粵華中學, mais precisamente no colégio para o nível fundamental, o 粵華小學. Fiz o 1º e 2º anos. Eu já tinha feito o 1º ano no Brasil. A escola era considerada uma das melhores da cidade, não sei hoje como está. Escola de disciplina rígida, com muito mais matérias comparativamente ao Brasil, quadro de professores exigentes e indisciplina corrigida com castigos. Lá me preparei para a primeira comunhão com aulas de catolicismo.
Eram as freiras que cuidavam da administração. Lembro-me de duas: uma era chinesa, mais rígida e que vivia chamando a atenção de nós, alunos, quando algo não estava de acordo e a outra, italiana, mais condescendente e por isso, abusávamos um pouco...coisa de criança que queria um pouco mais de liberdade nos intervalos entre aulas. Lembro que uma época em que eu e uns colegas resolvemos que iríamos descobrir o que elas guardavam nos bolsos dos hábitos que usavam. Até tentamos enfiar as mãos dentro, mas foram infrutíferas as tentativas...Os padres apareciam por lá apenas para realizar missas. Íamos para a unidade maior 粵華中學, onde estudavam os alunos do 5º ano em diante, quando havia algum evento.
As aulas eram em período integral de segunda a sábado (exceto quarta e sábado – meio período). Sim, havia tempo para brincar nos finais de tarde e domingo. Aprendi muitas brincadeiras na rua e “ importamo-las” para o Brasil depois.
O Yuet Wah classificava os alunos a cada final de trimestre após as provas. No primeiro trimestre do 2º ano, eu fui a 6º colocada, num total de 53 alunos. Eu, na época, não tinha noção deste "feito", mas descobri aos poucos, pois meu pai me fez escrever ao meu avô e contá-lo. Uma das freiras (a chinesa) disse uma vez no intervalo a uma aluna: "Ela é estrangeira, não falava chinês e ficou em quinto lugar. Você precisa se esforçar mais." Na época e hoje, considero isso uma humilhação o que a freira fez... Recordo que no meu aniversário em 1972 e coincidindo com o meu bom desempenho escolar o meu pai me levou de visita à ilha da Taipa. Meu pai deve ter ficado realmente muito feliz porque, como a maioria dos chineses, ele também não era de demonstrar afeto." Continua...
uma história deliciosa :)
ResponderEliminarHistória muito bem contada! E as fotos nos convidam a viajar no tempo.
ResponderEliminarAdoro as histórias de migração de minha amiga Silene! Espero ansioso a segunda parte. AAAh, tente escrever algo sobre a história de migração de sua família materna para o Brasil! Essa é uma das mais interessantes que já ouvi. Beijos =)
ResponderEliminarParte 2: http://macauantigo.blogspot.com.br/search?q=Silene+Wong+2%C2%AA+parte
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