Além do Natal e do Ano Novo, o Carnaval foi a festividade tradicional macaense que mais atenção mereceu do nosso Adé, nos seus apreciados poemas “maquistas” e nas peças que talentosamente apresentou e ensaiou, em récitas inolvidáveis em que também participou, de alma e coração, como actor e encenador.
Nesses poemas, como “Macau - sa Carnaval”, “Entrudo na Macau”, “Carnaval di Agora” e “Olá Bôbo”, Adé caracterizou fielmente o ambiente de folia e animação em que a comunidade macaense outrora alegremente mergulhava, com desfiles, ranchos de mascarados, actuações de tunas, “assaltos” carnavalescos, comédias, matinés especiais para crianças, com concursos dos melhores trajes, dançaricos em clubes e bailes de máscaras que se prolongavam até alta madrugada. Ainda era assim, com todo o fulgor, no segundo quartel do século passado, acentuando-se o seu declínio, progressivamente, nas décadas seguintes, não obstante os esforços de algumas agremiações recreativas e culturais para manterem viva uma benquista tradição.
Alguns dos versos de Adé, alusivos ao Carnaval, visaram também a crítica social, como é evidente em “Macau - sa Carnaval”, quando o poeta faz saber que “Gente entretido co política,/Nom-tem vagar vestí bôbo./Quim querê olá bôbo/Co um-cento babuzéra na bóca,/Nancassá isperá carnaval.” (“Gente entretida com a política,/Não tem pachorra para se mascarar./Para se verem por aí bobos,/Com a boca cheia de baboseiras,/Não é preciso esperar pelo carnaval.”). Ou, no mesmo poema, quando se refere com sarcasmo ao carnaval de todos os dias: “ ‘Macau di agora únde têm carnaval?’/Chacha, geniado, ta gurunhá!/‘Querê olá bôbo? Têm pa olá/Tudo ora, na roda di áno,/Maz nunca sã bôbo di carnaval!’ ” ( “ ‘Macau de agora com carnaval?’/Resmungava a Avozinha irritada./‘Querem ver bobos? Podem vê-los/A toda a hora, à roda do ano,/Mas não são esses do carnaval!’”)
Para deleite dos cultores do patuá, aqui está um dos mais conhecidos poemas de Adé dedicados ao Carnaval:
Carnaval di Agora
Carnaval já sai di casa,
Co tudo su boboriça.
Já vêm co calor di braza,
Mostrá laia-laia parabiça.
Cháqui-cháqui Carnaval,
Nhu-nhum qui bom divertí:
Olá nhónha na quintal,
Sai mám azinha chubí.
Nôs sentí qui nom têm chiste,
Seléa mau carnaval;
Quim más bôbo quim más triste,
Quim murúm como pardal!
Hoze em dia Carnaval
Nom têm sabôr nim amôr:
Ramendá áde sim sal,
Co chiquía di apô.
Non mestê nhónha pensá
Qui unga dia intéro
Lôgo têm bôbo pa olá,
Co tuna di musiquéro.
Carnaval di aquelora,
Qui sã nádi más voltá.
Mui-Mui, Marica, Teodora,
Sã qui capaz pandegá.
Unga dia Títi Bita,
Pegá na quánto sobrinha,
Botá dominó di chita,
Usá bôbo azinha-azinha.
Trêz galo-dôdo brejéro,
Corê trás di bôbo fémea.
Ilôtro fugí ligéro,
Gritá “nôs nunca sã fémea”!
Quánto más nhónha corê,
Más acunga trêz seguí
Bôbo sua perna tremê,
Chomá Bita decidí.
Tremê como vára-vérde,
Bita pegá saia erguí
Empê perto di parêde,
Fingí ta fazê sisí.
Galo-dôdo ficá triste,
Virá costa sai di ali
Já sentí que non têm chiste,
Pegá nhu-nhum pa bulí.
Nunca sã inventaçám,
Estunga estória di bôbo.
Gente antigo sã pimpám,
Sã capaz bulí co bôbo.
Hoze em dia Carnaval
Nom têm sabôr nim amôr:
Ramendá áde sim sal,
Co chiquía di apô.
Non mestê nhónha pensá
Qui unga dia intéro
Lôgo têm bôbo pa olá,
Co tuna di musiquéro.
Carnaval di aquelora,
Qui sã nádi más voltá.
Mui-Mui, Marica, Teodora,
Sã qui capaz pandegá.
Unga dia Títi Bita,
Pegá na quánto sobrinha,
Botá dominó di chita,
Usá bôbo azinha-azinha.
Trêz galo-dôdo brejéro,
Corê trás di bôbo fémea.
Ilôtro fugí ligéro,
Gritá “nôs nunca sã fémea”!
Quánto más nhónha corê,
Más acunga trêz seguí
Bôbo sua perna tremê,
Chomá Bita decidí.
Tremê como vára-vérde,
Bita pegá saia erguí
Empê perto di parêde,
Fingí ta fazê sisí.
Galo-dôdo ficá triste,
Virá costa sai di ali
Já sentí que non têm chiste,
Pegá nhu-nhum pa bulí.
Nunca sã inventaçám,
Estunga estória di bôbo.
Gente antigo sã pimpám,
Sã capaz bulí co bôbo.
Bôbo-bôbo di agora,
Nuncassá cubrí su rôsto;
Máscra têm, cada unga ora,
Cadacê com unga gôsto.
Têm bôbo feo, têm chistoso,
Na Carnaval di agora.
Quim sã bicho venenoso,
Quim sã diabo tudo ora.
Nuncassá cubrí su rôsto;
Máscra têm, cada unga ora,
Cadacê com unga gôsto.
Têm bôbo feo, têm chistoso,
Na Carnaval di agora.
Quim sã bicho venenoso,
Quim sã diabo tudo ora.
Neste poema, Adé descreve cenas cómicas das festas carnavalescas, goza com o ridículo de certas situações picarescas, critica os verdadeiros bobos do seu tempo (“Bôbo-bôbo di agora,/Nuncassá cubri su rôsto”) e confirma que “Hoze em dia Carnaval/Nom têm sabôr nim amôr” (“Hoje em dia, o Carnaval/Não tem sabor nem amor”). São, de facto, outros os tempos e outros, bem diferentes, os hábitos e as vontades duma comunidade que se dispersou pelo mundo, levando consigo e revivendo, longe da terra amada, as suas mais genuínas tradições.
Artigo de Jorge Rangel, Pres. do Instituto Internacional de Macau, publicado no JTM de 13-2-2012
mas eu já estava bastante surpreendida quando li recentemente que em Macau não há carnaval !
ResponderEliminarsendo que os portugueses levaram estes festejos por todo o mundo, ligados efectivamente ao período anterior da Quaresma
Angela