(...) se até à subscrição do Protocolo Preliminar de Lisboa, em 26 de Março de 1887, e
ao sequente Tratado de Amizade e Comércio subscrito em Pequim em 1 de Dezembro
de 1887 e ratificado em 28 de Abril de 1888, a "Questão de Macau" foi preenchida
essencialmente pelo problema da determinação e reconhecimento pela China do
título da presença dos Portugueses em Macau, desde esse momento e até à 1ª
metade do nosso século a mesma questão significou diferentemente o problema da
delimitação marítima e terrestre de Macau, problema deixado em aberto
precisamente pelo Artº 2 do Tratado de Pequim. Efectivamente, quase todos
os momentos de mais acentuada controvérsia nas relações luso-chinesas têm na
base problemas afins ou são dominados pela preocupação de definir os limites do
Território: as negociações conducentes ao acordo oficioso firmado pelo Cônsul
Cinatti e o Vice-Rei Li Hang Chang (1890) com vista à utilização das águas do
Porto Interior, a polémica sequente ao incidente da apreensão do vapor Tatsu
Maru em 1908, as Conferências intergovernamentais de Hong Kong em 1909, as
múltiplas disputas decorrentes das obras do Porto de Macau que cumularam na
dramática crise solucionada momentaneamente pelo acordo regional subscrito em
Setembro de 1920 pelo Governo de Macau e pelo Governo Militar de Cantão,
reacendida em Setembro de 1921 e prolongada para lá do termo da própria
Conferência de Washington em circunstâncias que não cabe aqui desenvolver.
A
questão dita "dos limites de Macau" tornou-se assim a cause célèbre da política externa
portuguesa no Extremo Oriente, catalisada simultaneamente por considerações de
prestígio histórico e pela convicção de que a solução do problema dos limites
despoletaria uma reacção em cadeia que, passando pela liberdade de construção de
novo porto e pela concretização da projectada linha férrea Macau-Cantão,
acabaria por trazer ao território o desafogo económico de outras eras,
libertando-o do estigma da dependência das receitas do jogo e da exploração do
ópio.
Não cabe nesta sede desenvolver a definição exacta do problema dos limites, e
tão pouco expender ad nauseam usque os termos complexos da argumentação debitada
por cada uma das partes em prol dos seus interesses. Importa, sim, notar que na
abertura da 2a década do século XX o Governo Português se encontrava num
impasse, sem possibilidade visível da solução de uma questão tida como vital,
desencantado já - pela via dolorosa dos termos que conduziram à solução da crise
de 1920 - de que a mudança de regime ocorrida em 1912 na China pudesse de algum
modo alterar a rigidez monolítica do ditame que os mandarins de Pequim ou de
Cantão sempre invocaram ao considerar as pretensões portuguesas no território:
que Macau era território chinês ocupado pelos Portugueses, circunscrito à
península do mesmo nome e totalmente desprovido de águas territoriais.
Perdida a grande oportunidade de se sentar à mesa do festim que as potências
armaram na China depois da Guerra dos Boxers, desiludido também de conseguir da
Inglaterra um apoio decisivo que esta potência, constrangida pela "diplomacy of
imperial retreat", já não estava disposta a arriscar, o Governo Português
agarrar-se-ia empenhadamente a todas as oportunidades que a nova situação do
pós-guerra parecia sugerir em termos de uma interferência da comunidade das
potências vencedoras no desenlace da "Questão de Macau".
Este estudo lida assim com um dos momentos em que mais alto subiram, tanto os
temores como as esperanças, na solução do problema dos limites a um nível que
extravasou o simples plano das relações bilaterais: a Conferência Internacional
convocada para tratar da redução dos armamentos navais e terrestres, e das
questões referentes ao Extremo Oriente, vulgarmente conhecida como a Conferência
de Washington. A génese da Conferência de Washington deve ser buscada numa situação que - no
elenco das grandes questões das relações internacionais da 1ª metade do século
XX e entre as muitas resultantes da presença estrangeira em território chinês -
se sobrepõe a qualquer outra pelas profundas repercussões na história moderna da
China: a chamada "Questão de Shandong".
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