No Boletim do Governo de Macao de 23 Março de 1861 A. Marques Pereira escreve um pequeno artigo na "parte não oficial" sobre as obras quase concluídas do "novo palácio" na "frontaria da cidade" (Praia Grande):
"(...) Corre a fachada, na extensão que occupava a antiga, com o pateo que lhe ficava contiguo, dando assim logar no andar nobre a treze janellas bastante afastadas. A porta, elevada sobre uma pequena escada de pedra, é ladeada por quatro meias columnas que sustentam a varanda, sacada do centro, e continuam em cima até ao triangulo da cornija, onde estão as armas reaes de Portugal. Ao fundo do vestibulo, cujas portas lateraes dão serventia ao andar inferior, ha três arcos sustidos por columnas com passagem para a escada, ainda agora não construída. Na perpendicular d'estes arcos, tres portas no patamar de cima dão entrada no centro de uma elegante galeria de cinco salas, que occupa toda a frente do pavimento nobre. A obra está feita com solidez pouco vulgar nas construcções d'aqui."
As obras começaram na Primavera de 1860 e alteraram, entre outros aspectos, "a fachada, que antes por excessivamente modesta, avultava mesquinha". Na altura era governador de Macau, o conselheiro Isidoro Francisco Guimarães (Visconde da Praia Grande). Só por volta de 1872 o edifício foi alterado construindo-se um "corpo central saliente".
Refira-se que nesta altura também o Barão do Cercal iniciou a construção do seu Palácio na Praia Grande e que mais tarde viria a ser, primeiro arrendado, e depois comprado pelo Governo de Macau para ali se instalar o Palácio do Governo no final do século 19, passando o primeiro edifício a ser conhecido como Palácio das Repartições, já aqui ali foram instalados os diferentes serviços do governo. Corresponde ao espaço onde actualmente está o edifício do antigo tribunal, frente a estátua de Jorge Álvares.
Recorrendo a um artigo do jornal O Occidente, de 1883, ficamos a saber como era o edifício, por palavras e por uma ilustração. É a versão do edifício já com Casa da Guarda (do lado direito) após obras fruto de alguma destruição no tufão de Setembro de 1874.
"Tem o edifício de frente, quarenta tantos metros e de suas extremidades seguem perpendicularmente à frente alas que para o lado interior fecham até certa altura o jardim do mesmo palácio, o qual depois é protegido por muros e prédios particulares, sendo os fundos do lado fronteiro ao palácio fechado pelas cavalariças e cocheiras pertencentes ao mesmo, cuja frente fica na calçada, se bem nos recorda, do Santo Agostinho. Comprehende o palacio dois pavimentos, no inferior, lado direito, são as repartições da secretaria do governo e, lado esquerdo, alojamentos dos oficiaes às ordens e adjudantes dos governadores. Nos fundos, arrecadações e quartos de ordenanças. No primeiro pavimento à frente, salas de entrada e na primeira, à direita, mais duas sendo a do topo a do docel; à esquerda, de visitas ou dos retratos dos governadores, reservada, a gabinete particular do governador ou seu escriptorio."
Veja-se, a propósito, o teor deste documento de 1862:
"Sendo presente a Sua Magestade El Rei o Officio nº 65 do Conselho do Governo de Macau, datado de 23 de Julho de 1860 pedindo que fosse approvada a obra de alargar a rua para o mar desde o Palacio do Governo até á esquina das quatro casas pertencentes a João Baptista Gomes*, a qual obra foi contratada pelo preço de 8 300 patacas inferior ao do respectivo orçamento, Manda O Mesmo Augusto Senhor pela Secretaria d Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, conformando-se com o Parecer do Conselho Ultramarino (...) communicar ao Governador de Macau para seu conhecimento e convenientes: 1º Que fica approvada a obra de se trata e legalisada a despeza que com ella se tiver feito até a indicada cifra 8 .300 patacas.(...)"
Nota: Antes de haver um edifício próprio, os governadores residiam ou na Fortaleza do Monte ou em casas alugadas na Praia Grande, o local mais nobre da cidade.
* João Baptista Gomes (1800-1889) nasceu em Goa (tendo para ali efectuado importantes doações). Casou em Macau com Francisca Brandão com quem teve 3 filhos. Foi advogado, Delegado do Procurador Régio (Procurador da Coroa e Fazenda de Macau) e Juiz Administrador das Alfândegas sendo nos relatos da época considerado um "rico capitalista".
Sem comentários:
Enviar um comentário