segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Edifício do Convento de Santo Agostinho

O que proponho para este post é um excerto de um relatório de 1866 do cirurgião-mor do território, Lúcio Augusto da Silva, de 1866 e que apresentada uma descrição muito detalhada de como era o edifício do Convento de Santo Agostinho*.
"O hospital militar acha se estabelecido no convento que pertenceu aos frades da ordem de Santo Agostinho. Depois da extincção dos frades serviu este edificio de quartel ao batalhão de primeira linha e mais tarde de habitação ás recolhidas que occupam actualmente o convento de Santa Clara.
A portaria do governo da colonia de 21 de novembro de 1855, extinguindo a antiga enfermaria militar que occupava então parte do edificio do hospital da misericordia, creou o hospital militar que, como a referida enfermaria, continuou a occupar a mesma casa. Só em 6 de junho de 1857 é que os doentes militares foram transferidos para o edificio que presentemente occupam. A creação d'este estabelecimento deveu-se ás instancias do meu antecessor, o cirurgião-mór, Antonio Luiz Pereira Crespo. 
O edificio está situado sobre uma collina na distancia de duzentos metros, pouco mais ou menos, do mar, no centro das ruas mais habitadas pelos portuguezes e sobranceiro a quasi todos os outros edificios proximos, dos quaes está convenientemente afastado.
Avista-se d'elle o mar e uma grande parte da cidade do lado do norte do nascente e do sul. As condições de exposição pois são boas e seriam excellentes se do lado do oeste não ficasse elle unido á igreja.
Compõe-se o edificio de quatro corpos de construcção dispostos de modo a formarem um quadrado deixando um pateo interior. Cada um d'estes corpos olha para um dos quatro pontos cardeaes da terra. O corpo do sul onde fica a fachada do edificio contém no pavimento superior o seguinte: sala das sessões e archivo da repartição de saude, casa para recepção dos doentes, quarto do enfermeiro-mór, casa de deposito dos appositos e instrumentos cirurgicos, dois quartos para os officiaes, um com quatro e outro com duas camas, e em frente d'estes quartos, um corredor com uma janella no fundo, aberta para leste. No pavimento inferior ha a casa da guarda e dois calabouços soalhados, um com capacidade para oito e outro para duas camas. O corpo de leste comprehende no pavimento superior duas enfermarias separadas por uma pequena casa onde estão os instrumentos meteorologicos, uma das quaes tem treze e a outra quatorze camas, podendo cada uma d'ellas conter, em caso de necessidade, mais duas.
Parallelo a estas duas enfermarias ha um corredor com janellas para o pateo interior. No pavimento terreo fica a casa das autopses e uma grande enfermaria soalhada que só uma vez em occasião de pinturas no edificio foi occupada por doentes. Esta enfermaria tem espaço para dezoito camas. O corpo do norte compõe-se de um extenso corredor ao norte do qual, e parallelos, ficam o quarto dos ajudantes de enfermeiro, duas enfermarias cada uma com sete camas, o quarto do segundo enfermeiro, a casa de deposito das roupas e, na extremidade de leste, a latrina. No lado opposto do corredor ha tres quartos para os officiaes inferiores com janellas para o pateo interior e contendo duas camas cada um. No pavimento inferior fica a casa dos banhos e a de deposito dos utensilios.
O corpo do oeste é apenas um corredor com janellas para o pateo central ficando de outro lado unido á igreja e por conseguinte privado d'esse lado da necessaria ventilação. Contém treze camas. O corredor do pavimento inferior serve de passagem para a sacristia da igreja. O hospital tem tres quintaes, em um dos quaes appenso ao corpo do norte fica a cozinha, a casa dos serventes chins e um poço de abundante e boa agua; e em outro ligado ao corpo de leste plantaram-se ha pouco tempo algumas arvores com o fim de se fazer um pequeno passeio para os convalescentes.
O edificio está velho. Nas occasiões das grandes chuvas e vento o tecto exige sempre consertos que nunca o põem de modo que não careça d'elles n'essas occasiões. Só despendiosas obras dariam a este edificio todas as condições que requer um bom hospital.
Entretanto sem grande despendio se podem melhorar muito as condições hygienicas das enfermarias abrindo algumas janellas e dando ás que existem a fórma propria para a ventilação de differentes modos. S. exa. governador está disposto a mandar fazer algumas n'este sentido. O edificio porém está a todos os respeitos mui conveniente estado de aceio.
No hospital militar não faltam roupas e utensilios necessarios para o seu serviço. Quando cheguei a esta cidade fiz extensa requisição que foi satisfeita e que veiu supprir faltas. Requisitei tambem (...) caixas de instrumentos cirurgicos, machina electro magnetica de modo que o hospital não carece dos principaes para satisfazer ás necessidades actuaes d'esta colonia.
Tem elle sessenta e oito leitos de ferro e como somente em circumstancias anormaes pode haver maior numero de doentes, ha leitos d'estes para todos sendo os dos quartos dos officiaes mais commodos que os outros.
O hospital militar não tem outros rendimentos que não sejam os descontos feitos aos doentes que n'elle são tratados. Estas quantias ficam na fazenda publica para onde se remettem as importancias que pagam outros doentes que não têem vencimento pelo estado. A fazenda publica como é claro paga todas as despezas. A receita do hospital em consequencia do pequeno movimento clinico não chega para as despezas. O deficit porém, se assim se pode chamar, é em alguns mezes insignificante.
O movimento annual do estabelecimento tirada a media dos ultimos tres annos, de 1862 a 1864, é de 746 doentes. Todo o serviço do hospital é feito em conformidade do regulamento que apresentei e foi approvado pelas auctoridades superiores e de que já remetti a v. exa. um exemplar. A este regulamento estão appensos os modelos dos differentes mappas, tabellas, papeletas e altas dos doentes. A relação dos empregados do estabelecimento vae junta a este relatorio. N'elle V. exa. encontrará a minha informação sobre as habilitações, moralidade e serviços d estes funccionarios."
* A construção da Igreja de Santo Agostinho e o Convento foi iniciada em 1586 por frades agostinianos, mas só foi concluída em 1591. O primeiro convento de Macau foi o de S. Francisco e data de 1584.
Vejamos o que escreveu António Marques Pereira nas "Ephemerides commemorativas da historia de Macau" publicado em 1868:
"22 de Agosto de 1589: Os religiosos de Santo Agostinho tomaram neste dia posse do convento de Nossa Senhora da Graça em Macau que já antes haviam fundado os padres hespanhes da mesma ordem os quaes o cederam por determinação de el rei D Felippe I intimada pelo governador da India Manuel de Sousa Coutinho. Affirmam alguns manuscriptos que no ánno de 1591 se mudou o local do convento para onde se vê ainda formoso alto da cidade de onde se descobre toda a Praia Grande e o mar. Querem outros que só fosse a mudança de algumas portas e não de todo o corpo do convento por se não encontrar noticia nem vestigios do que se pretende dar por mais antigo." 
Em 1894 o convento albergou o Liceu de Macau que nesse ano foi inaugurado.

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