No Extremo-Oriente Macau foi um grande centro religioso nos séculos XVII e XVIII. Os mais notáveis pioneiros da evangelização na China aqui estacionaram: A. Valignani, Ruggieri, M. Ricci, M. Dias, Schall e tantos outros, cujos nomes passaram a história. Também o primeiro propagandista do protestantismo na China, o célebre R. Morrison, começou nesta colónia a sua missão. Aqui baptizou ele em 1814 o primeiro chinês que adoptou a religião protestante. Com ele aqui jaz também seu filho, John Robert Morrison, o revisor, de colaboração com Medhurst, Fützlaff e Bridgman, nomes tão conhecidos, da versão da Bíblia feita para a língua chinesa por seu pai.
Missionários, padres, frades, freiras de várias procedências da Europa se juntaram em grande número em Macau. As primeiras freiras que aqui se estabeleceram, vieram de Manila e eram espanholas. Foram primeiramente albergar-se na ermida da Guia, donde passaram para o convento de Santa Clara, cujo risco um frade fez expressamente para moradia destas madres.
Macau encheu-se de conventos e de igrejas; fez-se uma pequena Roma nestas partes orientais. Quem nesses tempos vinha para a China, tinha de aportar em Macau; e ou aqui ficava, se somente à mercancia queria dar-se, ou daqui para o interior da China partia, se à obra da evangelização se destinava. Era Macau também estação de estudo, de repouso e de refúgio. Os jesuítas tinham para as letras o colégio de S. Paulo. Quando doentes ou depauperados, os missionários vinham refazer-se ou descansar nos conventos das suas ordens em Macau. Em tempos de perseguição era aqui que todos os estrangeiros se recolhiam.
Existem ainda hoje algumas casas das ordens religiosas desses tempos e quase todas as igrejas que anexas tinham. O convento dos franciscanos serve actualmente de quartel e a respectiva igreja foi demolida. O convento de Santo Agostinho, tendo servido de quartel ruiu haverá uns dezasseis anos; resta a igreja. Do de S. Domingos resta também só a igreja; a parte de residência foi ruindo pouco a pouco. Do de S. Paulo não resta nada; um incêndio destruiu-o e a igreja ruiu, ficando de pé apenas o frontispício. Existe ainda o convento de Santa Clara com a sua pequena igreja. Existe, finalmente, o Seminário de S. José e a sua igreja.
Afora estas igrejas dos conventos, há mais quatro igrejas paroquiais e duas antigas ermidas, havendo aquelas sido reparadas nos últimos tempos. Mas é curioso notar que, tirando S. Paulo, não há em todas estas construções uma única coisa que, sob o ponto de vista estético, mereça cinco minutos de atenção. E tudo uma inestética vulgaridade.
A própria igreja de S. Paulo nunca foi acabada. As paredes ou muros laterais e a parte traseira foram construídos em terra batida, em uma espécie de adobo. A frontaria, toda em granito é, sem dúvida, majestosa; apesar disso, o risco peca muito pela mistura de estilos e pela heterogeneidade dos ornamentos. É digno de ver-se, contudo, o frontispício; e não há, antigo pelo menos, no Extremo-Oriente, segundo cremos, outro de mais grandiosidade.
Em Portugal, nos séculos XVII e XVIII, a arquitectura religiosa não se pode dizer que fosse arte muito florescente. Todavia há por lá desse tempo muitas construções de mérito artístico. Até nas aldeias se veem lá muitas que, embora de estilo de um período decadente, tem belezas, pelo menos nos ornamentos, muito interessantes. As de Macau não têm nada que possa prender a atenção. Veja-se, por exemplo, o frontispício de igreja da Sé, todo ele em bom granito, relativamente bem lavrado; mas que chapada aquela, sem relevo, sem ornatos!… Quem desenharia essa obra?!
S. Domingos tem linhas que não desagradam; as colunas sobrepostas tem elegância; a simplicidade da frontaria prende um pouco a atenção. Mas veja-se a execução; veja-se o material: bases de granito, fuste e capiteis de tijolo e argamassa! … Dá vontade de mandar deitar tudo aquilo abaixo! E, para cúmulo, caiado tudo a azul e as portas borradas a verde!
Santo Agostinho, o Seminário, Santa Clara não são edifícios aos quais possa alguém levar um hóspede para vê-los. Não valem nada. Ah! falta-nos dizer que os frades tiveram ao menos bom gosto na escolha do local em que assentaram algumas destas construções. S. Paulo, o Seminário, Santa Clara ocupam belas posições. As escadarias que levam aos frontispícios são no seu lançamento belas; são dignas de serem conservadas. Pena é que o seu acabamento deixe a desejar e que o granito houvesse sido tão mal escolhido.
Residências paroquiais não há nenhuma digna de ser vista. Poderia esperar-se que numa ou noutra delas houvesse sido reproduzido o tipo simples das antigas casas portuguesas, como em algumas habitações particulares de Macau ainda hoje se vê. Mas não: fez-se tudo pelo pior; e, nos últimos tempos, quanto mais se lhes tem mexido, menos estéticas tem ficado.
A ponto vinha falar neste artigo também dos pagodes de Macau, e, quando o começamos a escrever, era intenção nossa não os omitir. Pra isso, fomos encurtando a matéria de modo a que eles aqui coubessem. Porém, agora, reconhecemos que não cabem, sob pena de alongarmos este artigo tanto, que ninguém o leia só com ver-lhe a extensão. Têm os pagodes arquitectura própria e, posto que destituídos de grandiosidade e de linhas pelas quais se imponham, abunda neles ornamentação muito para se ver e admirar. Ficarão os pagodes para outra vez.
Artigo "Arquitectura Sacra em Macau" da autoria de Manuel da Silva Mendes publicado no jornal "O Macaense" a 28.9.1929
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